MAURINO JÚNIOR - SEM CRÔNICAS

Uma Denúncia Implacável das Festas de Fim de Ano

Há quem diga que dezembro é o mês da luz, da esperança, da fraternidade. Balela. Dezembro é, na verdade, o grande palco onde a humanidade exibe — com orgulho quase comovente — sua capacidade infinita de fingir. É quando a sociedade, já exausta de suas próprias contradições, resolve maquiar-se com purpurina emocional e interpretar, com a profundidade de uma poça d’água, o papel de “ser humano elevado pelas virtudes do natal”.

Uma pantomima coletiva que faria até os deuses gregos gargalharem de pena.

A súbita conversão dos medíocres

É fascinante observar como, no último mês do ano, os mesmos que passaram janeiro a novembro praticando grosserias, indiferença, veneno social e mesquinharia passam por uma metamorfose tão improvável quanto duvidosa.

Do nada, tornam-se anjos barrocos:

— “Feliz Natal, querido!”
— “Que Deus te abençoe!”
— “O importante é o amor!”

Dezembro transforma canalhas em santos de gesso, e hipócritas em poetas de cartão de shopping.

É a única época do ano em que pessoas tóxicas distribuem abraços — como se o calor humano que negaram durante meses pudesse ser compensado com um tapinha nas costas e um sorriso forçado.

As ceias — templos da falsidade refinada

E lá vão todos, vestidos de branco, como se a cor pudesse purificar suas intenções. Sentam-se à mesa para uma refeição que ninguém quer realmente compartilhar, mas todos fingem apreciar. Convive-se durante essas horas com parentes que se evitou o ano inteiro, respondem-se perguntas idiotas com paciência postiça e ri-se de piadas tão mortas quanto o peru da véspera. É uma liturgia tão teatral que faria Shakespeare pedir arrego.

O velho de barba branca — símbolo máximo da alienação sazonal

E no centro desse circo moral está ele: o venerável Papai Noel, uma figura tão logicamente absurda quanto emocionalmente conveniente.

Um velhinho gordo, vestido de lã em pleno calor tropical, que dirige um trenó voador puxado por renas possivelmente alucinadas.

Esse personagem simboliza, com perfeição, o nível de fantasia necessária para sustentar a farsa coletiva.

Afinal, é preciso crer em alguma coisa para justificar toda essa performance artificial — e nada mais apropriado do que um mito importado, descolado de qualquer realidade.

A fé adaptada às conveniências

E como se já não bastasse, o calendário ainda insiste em celebrar um nascimento que — historicamente — não ocorreu no mês celebrado.

Mas aceitar fatos nunca foi o forte dos entusiastas das festas de fim de ano. O importante é a encenação. A aura artificial. O verniz de “espiritualidade”. Não importa que o homenageado provavelmente reprovaria 90% dos excessos cometidos em seu nome.

A verdade incômoda — e inegável

Toda essa farofa emocional serve a um propósito simples: fingir que somos melhores do que realmente somos.

Dezembro é o momento em que a humanidade tenta corrigir, em poucos dias, um ano inteiro de descaso, preguiça moral e egoísmo institucionalizado.

É a estação da hipocrisia em flor. Mas há quem observe tudo isso com a tranquilidade dos que não caem na farsa. Aqueles que preferem a solitude honesta a uma festa ruidosa; o silêncio inteligente a uma conversa vazia; um copo de whisky verdadeiro a um brinde falso. Esses — poucos, raros e lúcidos — sabem que dezembro não é sagrado, iluminado ou transformador. Dezembro é apenas um mês quente demais, barulhento demais, teatral demais e insuportavelmente hipócrita. E que, quando passa, deixa-nos apenas um alívio imenso: o de saber que não precisamos participar do espetáculo grotesco da “bondade temporária” jamais.

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