Editorial Gazeta do Povo
Milhares de manifestantes se reuniram na Avenida Paulista neste 7 de setembro por anistia a Bolsonaro e presos do 8/1
Em São Paulo, na Avenida Paulista, e em diversas outras cidades do país e do exterior, milhares de brasileiros foram às ruas no último domingo, Dia da Independência do Brasil, para expressar sua indignação contra os abusos cometidos no âmbito dos processos relacionados aos eventos de 8 de janeiro. A manifestação, que pediu a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro, em julgamento no Supremo Tribunal Federal, e aos demais presos do 8 de janeiro, não foi um ato isolado. Em fevereiro de 2024, a mesma Paulista já tinha sido palco de mobilizações populares de grandes dimensões.
Desta vez, a pauta maior das mobilizações foi a anistia. E não é difícil entender por que a pauta ganhou corpo. Os processos derivados do 8 de janeiro estão eivados de irregularidades gritantes, mencionadas reiteradamente neste espaço. Diante desse quadro, defender a anistia não é apenas legítimo, mas justificável. Ela surge como uma resposta política possível a uma sucessão de arbitrariedades.
É preciso reconhecer também a coragem desse gesto: o povo está retomando às ruas, paulatinamente perdendo o receio de se manifestar publicamente e denunciar a hipertrofia do Judiciário. O temor que paralisava a reação dos brasileiros vai, pouco a pouco, cedendo espaço à coragem cívica. Meritório também é a participação de figuras políticas nas manifestações, como o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, cujo discurso reconhecendo os abusos do Supremo causou forte reação – foi um posicionamento claro, sem ambiguidades e corajoso, o que sem dúvida nenhuma é de imenso valor nesse momento.
Ainda que haja algum cálculo político nas ações de Tarcísio – cotado para ser o candidato da oposição nas próximas eleições presidenciais – ou de qualquer outro político presente nas manifestações de domingo, isso não tira o mérito de suas ações. Neste momento, o país precisa de políticos capazes de se colocar com firmeza e sem meios termos diante das arbitrariedades.
Todavia, é necessário reconhecer que a pauta das manifestações populares não pode se esgotar na anistia. Ela, por si só, é paliativa: corrige injustiças imediatas, mas não enfrenta a raiz da crise institucional. Lembremos que a anistia não estaria em debate se, desde o início, as investigações do 8 de janeiro tivessem produzido denúncias individualizadas, responsabilizando cada manifestante apenas pelos atos comprovadamente praticados.
Mas os processos do 8 de janeiro forma marcados por um mal que aflige o país há quase cinco anos: a corrosão dos pilares do Estado de Direito, com reflexos profundos em diversas instâncias, em especial na liberdade de expressão e no devido processo legal. Enquanto escândalos de corrupção envolvendo aliados do governo são arquivados, opositores enfrentam penas desmedidas e processos sumários. O Judiciário, erguido como um “superpoder”, age fora da Constituição e dos códigos processuais, instaurando uma perniciosa ordem de exceção.
É por isso que a mobilização popular deve avançar. Além da anistia, justa e necessária para reparar condenações abusivas, fruto de processos igualmente marcados por abusos, o Brasil precisa da instalação imediata da CPI do Abuso de Autoridade, proposta há anos e até agora barrada pela omissão da Câmara. Ou mesmo da CPMI da Vaza Toga, iniciativa que tem sido gestada recentemente no Congresso – ainda que esta última tenha alcance mais restrito que a CPI do Abuso de Autoridade, por focar as denúncias apresentadas pelo perito Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes, que acusa auxiliares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do STF de trocarem mensagens fora do rito processual em inquéritos contra políticos e militantes de direita.
Uma verdadeira pacificação do país passa necessariamente pela compreensão e exposição das práticas arbitrárias, das violações de direitos e das distorções jurídicas que se multiplicaram nos últimos anos. Os inúmeros casos de censura, bloqueio de contas bancárias, perseguição a empresários e criminalização de opiniões precisam ser documentados e analisados à luz do que realmente são: abusos de autoridade incompatíveis com a democracia.
Uma CPI centrada em lançar luz sobre esses fatos poderá, eventualmente, sensibilizar a sociedade e deixar claro, a qualquer pessoa de boa-fé, que vivemos uma anomalia institucional que mina o Estado de Direito. Tal exposição e reconhecimento são necessários para que esses arbítrios – uma vez reconhecidos como tais – cessem de vez e jamais voltem a acontecer. A anistia, ainda que justa e necessária, só é um paliativo; é necessária uma ação muito mais contundente para colocar o país nos rumos da normalidade institucional.