DEU NO JORNAL

Guilherme Fiuza

Quando a imprensa assume como fato a encenação de Greta e ignora o contexto do Hamas, abandona o jornalismo e vira assessoria de militância

O episódio da interceptação da flotilha de Greta Thunberg por forças israelenses foi noticiado assim pelo “Jornal Nacional” (TV Globo):

“Marinha de Israel intercepta mais de 40 barcos com ativistas que tentavam levar ajuda humanitária para a Faixa de Gaza. O Itamaraty condenou a interceptação, dizendo que viola direitos e coloca em risco manifestantes pacíficos.”

A imprensa é livre para tratar demagogia como ativismo. Mas, nesse caso, não pode querer continuar sendo chamada de imprensa. Mesmo que alguém pudesse confundir, de boa-fé, provocação espetaculosa com ação humanitária, valeria observar como essa notícia foi divulgada.

Digamos que a imprensa em questão tivesse decidido se satisfazer, para criar sua manchete sobre o assunto, com o ponto de vista do Itamaraty.

(OBS: qualquer jornalista que queira hoje tomar o Itamaraty como fonte central de qualquer notícia precisa consultar antes a posição do órgão sobre a última eleição presidencial na Venezuela. Consultou e achou que está tudo bem? Ok, vá em frente.)

Voltando: se a intenção da chamada do JN fosse basear esse noticiário na posição oficial do Itamaraty — mesmo sendo, hoje em dia, uma escolha altamente duvidosa — a manchete não seria essa. Ou seja: na notícia citada acima, o veículo foi além do ativismo do Itamaraty.

“Marinha de Israel intercepta mais de 40 barcos com ativistas que tentavam levar ajuda humanitária para a Faixa de Gaza.” Nessa parte da manchete, o Itamaraty ainda não havia entrado. A premissa, até aí, é de responsabilidade do jornal. Se quisesse dar notícia e não fazer panfletagem, bastava ao JN dizer que mais de 40 barcos haviam sido detidos na rota para a Faixa de Gaza.

Intenções, alegações de princípios e outras subjetividades deveriam ser atribuídas aos respectivos sujeitos: “segundo fulano, o objetivo era…” etc., etc.

Mas o jornal achou melhor falar pelos outros. Sim, eram ativistas que tentavam levar ajuda humanitária — decretou a manchete. Tentavam mesmo? Rumando para uma zona de exclusão onde, por conta do estado de guerra, havia um bloqueio militar? Então, qual era a tentativa? Furar o bloqueio com a marinha festiva da Greta? Não, isso todos sabiam ser impossível. Então, como a ajuda humanitária chegaria ao seu destino?

Ah, não era para chegar ao destino? Era só para chamar atenção para o problema? Então, a manchete está errada da mesma forma. Poderia falar em denúncia, manifestação, protesto ou qualquer outra descrição similar. Se o jornal assume como fato uma intenção duvidosa, não é mais jornal. É press release. E press release de intenção duvidosa não é uma boa assessoria de imprensa.

A parte atribuída ao Itamaraty seria um pouco mais patética — se não fosse tão previsível. Qualquer assessoria de imprensa — mesmo a mais mambembe — sabe que o contexto inescapável da atual crise de Gaza é o poder obscuro que se estabeleceu sobre os palestinos.

Tanto o Itamaraty quanto qualquer representação nacional ou social têm — teriam — a obrigação de desqualificar, antes de mais nada, o Hamas como liderança legítima da Palestina. O Hamas hoje é, pelos motivos óbvios, parte importante dos problemas do povo palestino. Ninguém nesse suposto novo ativismo pró-Palestina desqualifica o Hamas em seu discurso. Isso é mesmo um movimento humanitário?

“O Itamaraty condenou a interceptação, dizendo que viola direitos e coloca em risco manifestantes pacíficos.” Ou o Itamaraty repudia a existência do grupo terrorista que domina a Palestina, ou não tem mais autoridade para falar em pacifismo. Nem no “Jornal Nacional”.

4 pensou em “A FLOTILHA DA IMPRENSA SUBMERSA

  1. Por um acaso a Globo e/o Itamaraty saberia informar quantas toneladas de alimentos essa flotilha estava levando para a Faixa de Gaza??????

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