Editorial Gazeta do Povo
“A destruição do chá no Porto de Boston”, de Nathayel Corrier
Está marcada para o próximo dia 15 a audiência de conciliação determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes para que Planalto e Congresso discutam a tentativa governamental de elevar as alíquotas do IOF. Estas mais recentes tentativas de aumentar impostos estimularam a discussão sobre quem deve ter o poder de criar ou aumentar tributos sobre as empresas e pessoas, quais limites de carga tributária devem ser observados e qual o ritual processual que deve ser cumprido até a aprovação final de tributo novo ou elevação de tributos existentes. Essa discussão não é nova e vem se repetindo em vários momentos e várias regiões do globo terrestre. Há exemplos históricos em que a criação ou aumento de tributos causaram movimentos políticos de alta monta, como é o caso dos movimentos de independência de colônias que romperam sua subordinação aos impérios que as dominavam, a exemplo do Brasil e dos Estados Unidos.
No caso dos Estados Unidos, a Revolução Americana, que levou à declaração de independência do país em relação à Inglaterra, teve como uma de suas principais causas a chamada “Revolta do Chá” ou “Festa do Chá de Boston”, em 1773. A eclosão da revolta norte-americana foi detonada em função de que a coroa britânica tomara a decisão de sobretaxar o chá exportado para os Estados Unidos, ato que provocou enorme indignação e revolta da população norte-americana – inclusive dos próprios ingleses que haviam emigrado para a nova colônia na América do Norte. Como resultado, na sequência da revolta do chá, a independência dos Estados Unidos foi conquistada, acabando aí a situação de submissão ao império inglês.
No Brasil, vários foram os momentos de revoltas e movimentos contra a cobrança de pesados impostos pelo império português, que ajudaram a sedimentar o caminho até a independência do país, em 1822. Já durante o século 18 o Brasil pagava alto tributo para o império de Portugal, a exemplo do imposto conhecido como “quinto” – uma taxa de 20% cobrada pela Coroa Portuguesa sobre todo o ouro aqui encontrado. Essa alíquota era considerada altíssima, uma espécie de exploração inaceitável sobre o Brasil, uma colônia pobre, sem infraestrutura e que mal começava sua evolução.
Os livros de História contam o episódio dramático chamado de “Derrama”, quando Portugal resolveu cobrar os “quintos atrasados” de uma só vez, evento que resultou na Inconfidência Mineira, em 1789, um movimento de libertação do Brasil que teve entre seus líderes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. O movimento foi descoberto e Tiradentes foi preso, julgado e executado.
Esses dois movimentos históricos, além de tantos outros, servem para a discussão sobre os limites e formas de o governo tomar dinheiro das empresas e da população para sustentar suas atividades estatais. É útil lembrar que o problema da tributação esteve presente em várias revoluções nacionais ao longo da história, como é o caso de três revoluções que ajudaram a moldar o mundo econômico e político tal qual ele é hoje: a Revolução Inglesa (1689), a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789). Cada uma delas teve suas causas e motivações, mas em todas houve revolta contra o excesso de tributação; o povo se mostrou disposto a lutar para acabar com o direito real de carregar seu próprio povo com tributos (nos casos da Revolução Inglesa e da Revolução Francesa) e contra o mesmo direito da metrópole em tributar a colônia (no caso da Revolução Americana, diante da taxação imposta pela Inglaterra).
Essas revoluções, além de muitas outras, levaram ao desenvolvimento do princípio de que toda tributação deve ser decidida pelo próprio povo por meio de seus representantes eleitos, ou seja, não aceitando tributação sem representação. Em países civilizados e governados por regimes democráticos organizados sob a égide das liberdades individuais, os poderes dos próprios representantes eleitos devem ser regulados e limitados. Esses aspectos da história remetem à questão da tributação no Brasil e dos poderes concedidos a prefeitos, governadores e presidente da República para criar tributos ou elevá-los sem terem de submeter toda e qualquer mudança ao Poder Legislativo.
O fato de o chefe do Poder Executivo ter sido eleito pelo povo não lhe dá o direito amplo, geral e irrestrito de criar, modificar ou elevar tributos sobre toda a sociedade, suas empresas, instituições e pessoas, de forma ilimitada e segundo a vontade dele. No caso do Poder Executivo, esta limitação ao poder de tributar ainda se justifica pelo fato de o governante ser ele próprio o gastador do dinheiro retirado impositivamente da sociedade. A regra pela qual não pode haver tributação sem representação exige que haja discussão, votação e aprovação por um parlamento, composto por membros eleitos por esse mesmo povo; esse parlamento pode até mesmo decidir que, em certos casos e com certas finalidades, um imposto já existente pode ser alterado por ato do Poder Executivo. Mas mesmo uma regra como esta precisa necessariamente passar pelo Legislativo para ter legitimidade.
No mundo civilizado, prevalece a busca da segurança jurídica e da previsibilidade econômica como meio de estimular o empreendedorismo e os negócios, situação essa que estabelece condições para que atos de criação, aumento e alcance da base de tributos sejam votados pelos representantes do povo eleitos para o parlamento local e nacional, subordinados aos limites constitucionais do poder de tributar exercido pelo governo. No momento em que o Brasil está submetido à tramitação de uma profunda reforma tributária e assiste a tentativas do governo em aumentar vários impostos, como IOF e o Imposto de Renda sobre rendimentos financeiros, torna-se urgente a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos de criação e modificação de tributos, para impedir que mudanças repentinas de regras continuem servindo como um freio ao espírito de iniciativa e ao crescimento econômico.