MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

Ubatuba, SP

Valdir P. era um dedicado funcionário do Departamento de Compras da G.M. em São Caetano do Sul.

Nas férias de janeiro de 1979 alugou uma casa de praia em Ubatuba, SP, para que a família pudesse descansar por três semanas e curtisse o verão numa boa. Seria uma data muito conveniente, já que nesse mês nosso querido Valdir estaria trabalhando em São José dos Campos, mais perto de Ubatuba do que São Caetano, e assim poderia mais rapidamente se deslocar até a praia e ficar junto de sua esposa e de seus pirralhos.

Sua sogra, típica jararacuçu do Pantanal, uma viúva que morava em São José dos Campos, também resolveu que passaria uma semana inteira com a filha e os dois netinhos na praia, e para tal combinou que Valdir a levaria no primeiro sábado ao litoral. Até aí tudo bem.

Logo que se viu livre, leve e solto, Valdir teve seus, digamos assim, baixos instintos atiçados pelo cramunhão e caiu na gandaia. Não passou nenhum dia sem fazer suas orações vespertinas na Casa da Tia Júlia, um famoso convento na região com um bom plantel de noviças sacudidas que vinham do sul de Minas, a especialidade da ilustre cafetina, que assim ajudava os rapazes da região a provarem as doces qualidades feminis das moçoilas mineirosas.

Como o tempo passa voando quando o prazer invade a alma!

Na sexta-feira a cascavel ligou para lembrar ao Valdir que no próximo dia, sábado, estaria pronta para que nosso amigo a apanhasse bem cedinho em casa e a levasse até Ubatuba. Ele resolveu então concluir com chave de ouro sua exaustiva jornada semanal. Esticou até alta madrugada a confraternização com as gurias espertas da Tia Júlia.

Sábado bem cedinho, após somente duas horas de sono, nosso herói acordou com enorme esforço, pingou um colírio para tirar a vermelhidão dos olhos, tomou um café preto bem forte e amargo para ficar vivo e foi buscar a caninana.

Ei-lo agora nas curvas da estrada que vai de São José a Ubatuba. Na descida da serra de Ubatuba há curvas que para serem feitas o motorista tinha de olhar para trás para ver aonde ia. O Chevettinho derrapava, tossia, chorava e gemia, mas seguia em frente.

Uma visão inesperada deu-lhe um calafrio: Valdir descortinou um sapato feminino perdido ao lado de seu banco que, obviamente, à esposa não pertencia e, felizmente, ainda não havia sido notado pela urutu. Ficou gelado. Felizmente, em uma das curvas, a naja ficou virada para o outro lado, com sinais evidentes de náuseas com o balanço do carro. Uma oportunidade de ouro! Valdir deu a desculpa de que precisava abrir a janela para deixar entrar um pouco de ar fresco, sorrateiramente agarrou o sapato e o defenestrou barranco abaixo. Graças a Deus conseguiu se livrar da arma do crime sem despertar nenhuma suspeita.

Chegando em Ubatuba a cobra coral desceu do carro mancando. A filha quis saber porque estava andando daquele jeito.

– Acontece, minha filha, que não consigo saber onde foi parar meu outro sapato!

Acho que até hoje é um mistério saber como a consciência de meu amigo Valdir se comportou.

9 pensou em “VALDIR E A SOGRA

  1. Pecou por excesso de zelo.
    E existe uma lenda de quem ver o pé da cobra, morre.

    O crime de Valdir não foi tão perfeito. Se livrou de uma suposta prova e contraiu a desconfiança da filha e da serpente descalça.

    • Meu caro Marcos: você está prenhe de razão. Também acho que não há crime perfeito. Se não for pego aqui na terra seguramente o será quando tiver que prestar contas em algum lugar, ou a consciência o acompanhará sempre, até que pague o seu pecado.
      Muito grato por seu cristalino comentário.
      Tenha um excelente final de semana junto aos seus.

  2. Ah, as doces qualidades feminis das moçoilas mineirosas.

    O velho caminhão sanchiano quando a percorrer a Pampulha muito comprovou tais doces de qualidade sem igual… principalmente se acompanhado de queijo…

    E as crônica magnas de Magnovaldo sempre são de dar água na boca para depois alimentar a alma…

    Abração de Sancho ao Mangno e a todas as sogras deste mundão de meu Deus.

    • Sancho, meu prezado, não há palavras para descrever a sacudileza de seus comentários. Você rasga os véus da neblina que ofusca os olhos para ver tanta boniteza dos comentários.
      Tenha um ótimo final de semana, cheio de saudades das mineirinhas.

  3. Não há veneno de cobra suficiente pra nos fazer desprezar os prazeres que só as moçoilas mineirosas são capazes de nos oferecer. E tem mais: tivesse descalçado o outro par de sapato, não tenho dúvidas que a sogra desceria totalmente descalça no fim da viagem. E seria bem feito: não sei pra quê cobra calçando sapato …

    • Meu grande guru Xico Bizerra: se me esborrachei me todinho comigo mesmo (sem querer plagiar a ensacadora de vento) de rir quando li seu comentário. Você sabe sacar o sumo da mandioca de maneira genial (de novo, sem nenhuma referência à jumenta).
      Obrigado, tenha um excelente final de semana.

  4. Magnovaldo Santos,

    Suas crônicas inteligentes e bem formuladas são uma delícia de se ler. Sempre as espero atento nos tempos nos instantes de folga e degusto com todo prazer do mundo.

    Meus parabéns mais uma vez por “Valdir e a Sogra.”

    Ótimo final de semana ao grande cronista.

    • Meu caríssimo Cícero: certamente há mais bondade em sua gentil observação do que mérito que possa ser atribuido a este escrivinhador de memórias.
      Sua gentileza marca indelevelmente o espírito deste coroa desocupado.
      Um grande abraço, bom início de semana para você e sua família.

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