A PALAVRA DO EDITOR

Ontem, futucando aqui nos meus arquivos, achei um texto que escrevi em 2006 e que foi publicado na extinta revista A Região, editada em Palmares.

Trata-se de uma crônica que escrevi em homenagem à minha terra de nascença.

Em 2010, este texto foi incluído no livro “Cronistas de Pernambuco“, organizado por Antônio Campos e Luiz Carlos Monteiro, e publicado pela Editora Carpe Diem.

Nesta coletânea, pra minha grande alegria, me botaram no meio de um monte de nomes ilustres, como Carlos Pena Filho, Antonio Maria, Clarice Lispector, Ariano Suassuna, Gilberto Freyre e Osman Lins, entre vários, entre muitos outros.

Ontem repassei o texto pra minha patota de Palmares pelo zap.

E hoje, só pra me amostrar e dar uma de inxirido, vou reproduzir a crônica aqui no JBF.

* * *

ANOTAÇÕES SOBRE UM CORAÇÃO E UMA TROMBETA

“ENTERREM MEU CORAÇÃO NA CURVA DO RIO'” é o título de um livro que fez sucesso há alguns anos no Brasil. É, me parece, o texto de um índio norte-americano sobre a odisséia de seu povo.

Largo essas informações assim imprecisas pelo fato simples de que não cheguei a ler o livro. O que vale para o que aqui discorro, é a profunda impressão que causou em mim este título: ENTERREM MEU CORAÇÃO NA CURVA DO RIO. Uma força enorme me atraiu para a beleza da imagem criada pela frase.

É incrível esse coração terno e arrebatado que pede para ser enterrado na curva do rio. Eis aqui o outro mistério da frase, pois nada de mais poético e encantado que uma curva. E, ainda por cima, uma curva de rio. Doce e apaixonado coração que exige não menos que a sinuosidade de uma corrente, possivelmente silenciosa, de onde fitará para sempre, em seu repouso, uma beleza que só mesmo um coração sensível e terno pode divisar.

Acho que só os nascidos ou criados às margens de um rio de interior são capazes de perceber as sutilezas que se escondem atrás do correr das águas num leito que a natureza levou milhões de anos para moldar.

Nos primeiros decênios do século passado havia uma aldeia de índios mansos – onde hoje se ergue a mui digna, leal e hospitaleira cidade dos Palmares – que caçavam em nossas matas e pescavam no Rio Una.

Essa aldeia, embrião da cidade dos Palmares de hoje, recebeu o nome de Trombetas a partir de uma determinada época. A se acreditar nos alfarrábios (e eu não vejo motivo nenhum para duvidar deles), um batalhão passou nas cercanias da aldeia por ocasião da Revolução Praieira e por lá deixou se perder na lama uma trombeta de guerra. Daí o nome do povoado.

Eu pensei nesta trombeta, enterrada por acaso em nossas terras, e me lembrei do coração do índio pedindo para ser enterrado na curva do rio. Quem sabe, a trombeta não estará plantada numa das curvas do Una?

E, pensando nisso, me dei conta de que meu próprio coração está firmemente enraizado não apenas em uma curva, mas em toda a extensão do Una que banha nossa cidade. Fui enterrando-o aos poucos, desde que nasci, nos remansos barrentos de suas margens, até que chegou o dia em que me dei conta de que, por mais longe que fosse, um pedaço de mim estaria para sempre fincado nesse misterioso chão que me serviu de berço.

Possivelmente meu coração sabe o local exato onde foi perdida a trombeta e, com toda certeza, compreende perfeitamente o desejo do coração do índio de ser enterrado na curva do rio do seu povo.

O grande romancista Hermilo Borba Filho dizia que “Palmares é minha marca para toda vida”, porém eu acho que o coração dele é que é mais uma marca plantada numa das curvas do Una. Como o meu coração. Como o coração de todos que se encantam com a magia dessa terra que recebeu um rio de presente, e de um rio que deu vida a essa cidade.

Ao contrário do índio norte-americano, poupo aos pósteros o trabalho de enterrar meu coração numa curva que dê boa vista para a paisagem e tranqüilidade para um bom repouso.

Meu coração já está plantado em algum recanto de margem desse velho Una.

2 pensou em “UMA HOMENAGEM À TERRA DE NASCENÇA

  1. Belíssimo e emocionante texto, prezado Luiz Berto! Parabéns!
    Somente quem tem um rio em sua aldeia, e foi criado às margens desse rio, pode alcançar a essência de suas palavras. .
    Lembrei-me de Fernando Pessoa, assinando como Alberto Caeiro, ao falar do rio da sua aldeia.

    “O rio da minha aldeia não faz pensar em nada
    Quem está ao pé dele está só ao pé dele.”

    Grande abraço!

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