VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Estamos vivendo um tempo diferente, quando tudo que parecia ficção transformou-se na crua realidade.

Os dias se alongaram e as madrugadas trazem um sono perturbado, povoado de pesadelos, com o fantasma da guerra aterrorizando nossas noites, e vivendo dentro da nossas casas, trazidos pela mídia funerária.

As notícias que, no século passado, só eram transmitidas pela Voz do Brasil”, hoje nos são transmitidas, ao vivo e a cores, durante as 24 horas do dia. Estamos vivendo em contato com a guerra, vivendo a guerra e respirando a guerra, presente da era cibernética e da mídia funerária. O pavor da guerra, que aprendemos a ter desde criança, de repente tomou forma dentro da nossa casa, através da mídia televisiva.

Assiste quem quer, e basta desligar o aparelho. É fácil dizer isso. Mas, se estamos vivendo a era digital, não há como retrocedermos no tempo, e vivermos isolados em cavernas, para não saber do que se passa no mundo e sobre sua terrível evolução.

A guerra sempre povoou, como um fantasma, os gibis e histórias em quadrinhos. Mas hoje, esse fantasma criou corpo e alma e nos assombra durante as 24 horas do dia.

A depressão nunca esteve tão presente na vida do homem. Fugir da realidade é impossível.

Estamos vivendo uma triste realidade, onde a vida humana nunca foi tão banalizada. Cada pessoa tem seu grau e seu suporte de sofrimento. A dor entra em nós sem pedir licença.

Não devemos nos apegar à dor. O apego à dor é pior do que a própria dor.

Então, o que temos a fazer é enfrentar a realidade e assistir os horrores da guerra que adentram à nossa casa, através da mídia. Ou nos trancarmos num casulo, à parte do que acontece no mundo, e criando para nós um mundo falso e fantasioso, onde só existe alegria.

O sofrimento da guerra nos dá a dimensão exata de que o homem é a fera destruidora do próprio homem. Não existe amor fraterno, solidariedade, nem desejo de paz no mundo em que vivemos.

A paz é e será sempre uma utopia. Os homens poderosos tem o estopim da bomba nas mãos, e cada bomba deflagrada, representa para eles uma vitória.

Pouco importa o número de vidas humanas que se dizimam numa guerra. Os inocentes pagam pelos culpados e o sofrimento causado pelas guerras não comovem os poderosos.

Os romances de amor, que tem a guerra como cenário, são pura ficção. Mas existe um, que trago sempre na memória: Adeus às Armas, de Ernest Hemingway.

O Adeus às Armas é um livro de Ernest Hemingway, publicado em 1929. É um romance quase autobiográfico, contando a história de um americano que se resolve se alistar para servir ao exército italiano durante a Primeira Guerra Mundial.

Na Itália, ele conhece uma enfermeira de nome Catherine, por quem se apaixona loucamente. Inicialmente, seu interesse nela era apenas sexual, para fugir da mesmice que eram as mulheres da casa de prostituição local. Foi com o tempo, que o sentimento se transformou completamente.

Cath, como ele a chamava, correspondeu a sua paixão e começaram a viver uma intensa relação amorosa. Neste intervalo, o protagonista se envolveu em um acidente no campo de batalha, tendo a perna arrebentada por uma granada, que, inclusive, matou um de seus colegas.

Ele teve de passar meses e meses acamado no hospital de campanha, mas teve a sorte de contar com Catherine como uma de suas enfermeiras, e aproveitar a situação para tê-la por perto quase que por tempo integral.

O relacionamento se solidificou neste período. Catherine engravidou, e a perna do protagonista se recuperou. Ele teve de voltar para o campo de batalha, mas prometeu retornar o mais rápido possível para se casarem e darem seguimento a uma vida juntos.

Ao retornar, o protagonista já parecia completamente exausto do conflito. Não só ele, como a maioria dos seus companheiros. A guerra se estendia por tempo demais e alguns expressavam até o desejo de derrota, se isso significasse que poderiam ter finalmente paz.

Na volta ao front, ele se envolveu em alguns percalços que quase lhe tomaram a vida mais uma vez. Por fim, teve que sair do campo fugido.

A obra faz uma sintetização genial do que fora a Primeira Guerra. De como toda uma geração foi impactada por batalhas infindáveis, deixando vidas esgotadas, e esmagando esperanças por qualquer esquina em que se passava.

O protagonista começa alistando-se em um exército estrangeiro por conta própria. Excitado pela ideia de fazer parte de algo importante. No meio do caminho, percebe como as coisas se resignificaram ou, pior, nunca tiveram significado nenhum.

Termina desolado, sem chão, sem perspectivas. E chega à conclusão de que a guerra é uma ilusão e um terror.

8 pensou em “UM TEMPO ESTRANHO

  1. Cara Violante, não compactuo com seu saudosismo dos tempos de outrora como se fossem mais felizes.

    Não eram, ao menos para mim. Tive muitos momentos bons, mas não troco por hoje.

    Tivemos a felicidade de não passarmos por duas guerras mundiais, como nossos pais e avós testemunharam, tendo eles também a sorte de o brasil não fazer parte direta nos conflitos.

    Alguns filmes de hoje mais realistas mostram parte do que foram as batalhas. Cito aqui dois exemplos: Nada de novo no Front (1ªGM) e Band of Brothers (2ª GM) ambos disponíveis na Netflix .

    O que ocorre hoje são reflexos destas duas GM, que não resolveram a situação de forças antagônicas representadas basicamente pelo conservadorismo de um lado e o Socialismo de outro.

    Fale um conflito qualquer depois da 2ª GM e veremos estas duas correntes representadas.

    Quanto à comunicação dos fatos instantânea que há hoje através da internet, vejo como uma benesse dos dias atuais, pois quebrou o monopólio da voz oficial (Voz do BR e JN) que eram a verdade até 15 anos atrás.

    Bom FDS

  2. Obrigada pelo comentário, prezado João Francisco. Respeito seu ponto de vista.
    As benesses da era cibernética são imensuráveis. Claro que o imediatismo das notícias atuais não se compara com as notícias do antigo rádio à bateria, nem com as notícias de jornais atrasados, chegadas ao interior uma vez por semana.
    Temos sorte mesmo, do Brasil, até hoje, não ter se envolvido em conflitos mundiais.
    Mas, o banho de sangue que a mídia faz jorrar dentro de nossas casas aflige a alma de qualquer ser humano.

    Uma ótima semana!

  3. Violante,

    A sua crônica presta um grande serviço aos leitores fubânicos por despertar a consciência de todos nós sobre o malefício de uma guerra. Eu não consigo entender como progredimos em todas as áreas da ciência e ainda estamos tão atrasados a ponto de não evitar uma guerra. É bom lembrar que Sigmund Freud (1856-1939), o fundador da Psicanálise, desenvolveu importantes reflexões sobre os instintos e pulsões violentas do ser humano. A partir de tais reflexões, Freud procurou discutir sobre a Grande Guerra, isto é, a Primeira Guerra Mundial, e o que ela representou para a geração de intelectuais da qual ele próprio fazia parte. Aproveito o assunto tão importante para fazer brevíssima reflexão.

    A população durante a guerra sofre impactos como fracasso na saúde e qualidade de vida. O sofrimento diante da perda de nacionalidade, das referências geográficas, da história, o isolamento, no êxodo dos refugiados, nas perdas e na distância de entes queridos, de amigos e de vizinhos, acaba sendo inevitável.

    O caos da guerra traz ameaças com consequências emocionais profundas de ansiedade, de medo, de depressão que, nas crianças, se traduzem em comportamento agressivo, isolamento e até regressão de habilidades já conquistadas.

    Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), um quinto das pessoas que vivem em zonas de conflito armado vivem com algum tipo de distúrbio de saúde mental —como depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático ou esquizofrenia. A proporção é três vezes maior que a da população geral.

    Desejo um final de semana pleno de paz, saúde e a inspiração de sempre!

    Aristeu

  4. Obrigada, Aristeu, pelo excelente comentário. Sua reflexão, sobre tão importante assunto, enriqueceu o meu texto.
    Sigmund Freud (1856 – 1939), considerado o pai da Psicanálise, estudou os instintos e reações violentas do ser humano, em diversas situações, inclusive depois de uma guerra.
    É sabido que as guerras são verdadeiras fábricas de loucos. A prova é a imensa quantidade de neuróticos de guerra, que se tornam matadores compulsivos, durante ou após o término de uma guerra. Há também aqueles que se fecham num casulo, após uma guerra, e evitam comentar sobre o assunto. Tornam-se introspectivos. Depois de uma guerra, os sobreviventes passam por uma visível mudança de comportamento, o que abala a saúde física e mental.

    Como você disse:
    “A população durante a guerra sofre impactos como fracasso na saúde e qualidade de vida. O sofrimento diante da perda de nacionalidade, das referências geográficas, da história, o isolamento, no êxodo dos refugiados, nas perdas e na distância de entes queridos, de amigos e de vizinhos, acaba sendo inevitável.”

    As guerras trazem terríveis consequências para a saúde física e mental dos sobreviventes, como ansiedade, depressão e pânico. Para as crianças, podem trazer agressividade e isolamento.

    Desejo a você também um final de semana com muita paz, saúde e inspiração!

  5. “Os dias se alongaram e as madrugadas trazem um sono perturbado, povoado de pesadelos, com o fantasma da guerra aterrorizando nossas noites, e vivendo dentro da nossas casas, trazidos pela mídia funerária.”

    É a cara do Brasil essa passagem acima. Reflexiva. Escrita com o coração.

    O Brasil e o mundo nunca tiveram tão desumano. Lhe juro quando penso o Brasil, um país tão lindo, tão cheio de gente divertida, amorosa, atenciosa e trabalhadeira que só desejam ser felizes, sua crônica me faz refletir mais ainda esse calor que nunca deveria se acabar.

    Uma pena o Brasil está sendo “tiranizado” por um psicopata e nove urubus.

    Forte abraço para você, Violante, com ótimo final de semana!

    • Obrigada, Ciço Tavares! Também sinto muito, quando a paz é perturbada por pessoas que não sabem ver ninguém bem.
      A vida é efêmera, e a paz em nossas vidas não tem preço.
      A inveja e a ganância são os cancros da existência humana.

      Grande abraço! Paz e Bem!

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