PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

José de Souza Dantas glosando o mote:

Todo dia me sento meia hora
No batente da casa da saudade.

No lugar que nasci e fui criado,
Todo dia a saudade me aperta,
Bate forte em meu peito e me alerta
Pra lembrar bons momentos do passado,
Tiro um tempo para ficar sentado
Meditando com mais profundidade,
Confiante sentindo-me à vontade
Vendo o mundo, a paisagem, fauna e flora.
Todo dia me sento meia hora
No batente da casa da saudade.

Toda vez que visito o meu sertão,
Passo uns dias na casa dos meus pais,
A saudade que sinto dói demais
Que não cabe dentro do coração,
Tenho viva toda recordação
De papai na nossa propriedade,
Que partiu para outra eternidade,
Não está entre nós e foi-se embora.
Todo dia me sento meia hora
No batente da casa da saudade.

* * *

Um folheto de Franklin Maxado

A BELA HISTÓRIA DE JACI – A PROSTITUTA VIRGEM E SANTA

Nossa vida, minha gente
É cheia de contradições
As vezes, o que se vê
Em muitas situações
Não é a realidade
São apenas ilusões

Aqui conto um caso desses
Como enganam as aparências
Uma moça que ninguém diz
Olhando suas vivencias
Seja virgem e muito santa
Apesar de experiências

Jaci era uma dessas
Mulheres fáceis da vida
Adotou a profissão
Passando-se por perdida
Para poder sobreviver
Sem depender de acolhida

Feita esta explicação
Vamos contar sua estória
Feita com muito amor
Da derrota fez vitória
E nisso está seu louvor
Na conduta meritória

Morava sua família
No distante Piauí
Um casebre de sopapo
Era morada de Jaci
Quase não tinha comida
Vivia mais de piqui

Seus pais eram bem pobres
Viviam como agregados
O fazendeiro não deixava
Eles fazerem roçados
Pois as terras de caatinga
Eram só para os seus gados

Os dois caboclos seus pais
Eram bastante doentes
Só tiveram essa filha
Isolados dos parentes
Davam a ela afeição
Compensando os bens carentes

Jaci cresceu sempre assim
Já tinha onze anos
Quando uma seca danada
Torrou todos aqueles planos
Acabando os mantimentos
E trazendo desenganos

O seu pai não resistiu
E morreu sem decomer
A viúva então ficou
Num perrengue de doer
E para se sair dele
Pensou a filha vender

Não tanto para comer
Mas pelo futuro dela
Pois já era crescidinha
Breve seria donzela
Naquela situação
Ia apanhar como concela

Como diz que”a precisão
É quem obriga ladrão”
Sua mãe então decide
Ir vendê-la ao mangangão
Coronel Zeca Tadeu
Da Fazenda Cansansão

Esse coronel era rico
E dono de tudo ali
Se quisesse então podia
Muito bem criar Jaci
Mas o que ele queria
Eu vou já dizer aqui

Sua mãe não disse nada
Quase até não chorou
No enterro do marido
Depois dele arrumou
Os seus troços numa trouxa
E para a vila rumou

Só disse a Jaci que ia
Embora desse lugar
Iria para a cidade
E lá iam trabalhar
Não queria nem mais ver
Ou da casinha falar

Jaci como boa filha
Foi na sua companhia
Inocente do destino
Feito à sua revelia
Caminharam esfomeadas
Tendo a sede como guia

Dormiram pelo relento
Ouvindo onças urrarem
Vendo as corujas da noite
Cruzando na frente a piarem
Como que se estivessem
O seu futuro a agourarem

Até que então chegaram
A varanda da mansão
Do seo coronel Tadeu
Que estava no oitão
Deitado em sua rede
Bebendo suco de limão

A mãe nem se descansou
E mal colocou o volume
Humildemente lhe pediu
Num tom de voz de queixume
Pra falar particular
Dum assunto que veio a lume

Seo Tadeu esbravejou
Foi dizendo que”se era
Comida, ele não tinha
Pois estava na espera
Das chuvas para salvar
O seu gado da tapera”

A mãe lhe tranquilizou
Que não era isso não
Queria vender a filha
Pra sair da aflição
O coronel então mandou
Dar-lhe um saco de feijão

Aí se voltou pra filha
Mas não disse que a vendeu
Apenas que ela iria
Morar com o seo Tadeu
Respeitasse as suas ordens
E Jaci compreendeu

Logo que a entregou
Retirou-se comovida
Deu-lhe a dor do remorso
Se lamentando da vida
Lhe veio uma tal pontada
Que caiu desfalecida

Quando ela caiu, a saca
De feijão caiu por cima
Jaci soube da verdade
E logo se desanima
E com o feijão pagou
O enterro por estima

Ficou Jaci só no mundo
Vivendo na casa grande
Com o passadio melhor
Mesmo tendo quem lhe mande
Foi-lhe chegando as carnes
Vestidas em traje dande

Jaci cresceu mais um pouco
Se tornou uma mocinha
De corpo muito bem feita
Uma cara bonitinha
Todos ali a notavam
Era uma belezinha

Os homens e os rapazes
Lhe desejavam amor
Mas ela se respeitava
E guardava o seu pudor
Por isso não declaravam
Temiam pelo senhor

O coronel começou
A lhe olhar indecente
A lhe comer com os olhos
Como em bote de serpente
Olhava as suas formas
Passava a língua no dente

Até quando aproveitou
A esposa ter saído
Foi de noite ao seu quarto
Já quase todo despido
Mandou que Jaci abrisse
A porta pra ser servido

Jaci perguntou o que era
Ele lhe disse que queria
Lhe dar umas lições
Com bastante calmaria
Porem falava nervoso
E Jaci já desconfia

Jaci já acostumada
Com o seu sofrimento
Se vestiu e abriu a porta
Mas teve um pressentimento
Deixou a janela aberta
Se vendo o firmamento

O coronel a agarrou
Pelo braço e cintura
Encostou seu corpo ao dela
E lhe disse com grossura:
-Se você não aceitar
Verá o que é vida dura

Jaci disse: Está bem!
Deixe fechar a janela
Pois pode alguém nos ver
E sem cair na esparrela
O coronel no seu fogo
Confiou no dizer dela

Ela mais do que depressa
Pulou ligeiro e fugiu
Correu tanto como louca
Virou trevas e sumiu
Na noite afora e adentro
E assim escapuliu

Vamos deixar a Jaci
Correndo esbaforida
Vamos tratar do patrão
Que ficou fulo da vida
Pensou logo em se vestir
E ir atrás da perdida

Mas tinha que ir pegar
Animal no meio do pasto
Para alcançar a moça
Ou ir atrás no seu rastro
Assim pensou duas vezes
Antes de fazer o gasto:

-Ela vai ter que voltar
E se não voltar jamais
Mando um cabra dos meus
Na confiança ir atrás
Trazer na marra ou então
Não a deixar viver mais

-Pois não fica bem pra mim
Ir atrás de meninota
O povo vai falar muito
Eu entro numa patota
Ela vai ter de voltar
Pois a comprei pela cota

Vamos deixar o seo Zeca
Na espera do resultado
Pois mandou um jagunço
Nesse caso encarregado
Vamos ver o que se deu
E de Jaci o estado

Ruão era esse jagunço
E gostava de mulher
Não fumava e não bebia
Conhecia o seu mister
Por isso encontrou Jaci
Dançando num cabaré

Jaci dançava mexendo
Mostrando as coxas de fora
Estava muito bonita
Verdadeira sedutora
O jagunço se mostrou
E a Jaci apavora

Ela conheceu seu rosto
Quis escapar mas Ruão
A agarrou pelo braço
Diz: Não me tema não
Porque se você deixar
Esqueço a obrigação

Mas se você não quiser
Vou matá-la ou levar
Pro coronel desumano
Que esta a desejar
Ter você de todo jeito
Para seu prazer gozar

Jaci não vendo saída
Disse-lhe então que deixava
Satisfazia com tudo
Só uma coisa respeitava
Pois jurou que se perdesse
Aí então se matava

Ruão na louca paixão
Aceitou sua jogada
Recebeu os seus carinhos
E no auge da gozada
Tentou até profanar
A sua entrada sagrada

Mas Jaci já escolada
Se saiu e se negou
Fez a coisa com tal jeito
Que o bruto amansou
Entretanto no momento
Por um instante a forçou

Passou uns dias assim
Até que Jaci lhe disse:
-Você deve voltar dizendo
Que não houve quem me visse
Eu vou seguir adiante
E é melhor você ir-se

-Eu guardo o seu segredo
E você guarda o meu
É melhor para nós dois
Pois se o coronel Tadeu
Souber o que se passou
Mata tu e mata eu

Ruão bem compreendeu
Voltou para a fazenda
Convenceu o coronel
Que tinha perdido a prenda
Pois Jaci deve ter ido
Viver longe da contenda

Ficou Jaci viajando
E sofrendo em boate
Com a ilusão de ter
Algum dia quem lhe trate
O seu encantado príncipe
Por quem seu coração bate

Não vou descrever o que
Fazia ou de que vivia
Pro leitor que tem pudor
Só vou dizer que fazia
Outras coisas que o homem
Tem o gozo da alegria

Uma coisa nunca fez
Foi deixar um homem entrar
Pela entrada sagrada
Do seu corpo rosalgar
Isso ela jurou pra si
Que só depois de casar

Nem mesmo quando até teve
Paixão pelo viajante
Este até lhe bateu
Quando era seu amante
Não casou e lhe deixou
Na sua vida errante

Desiludida, Jaci
Tornou-se quase uma santa
Conservando a virgindade
A pureza que acalanta
Deu então para cantar
Assim seus males espanta

Ficando com mais idade
Começou a criar filhos
Das colegas de infortúnio
Frutos desses descaminhos
Procurava lhes dar vida
Com lições e carinhos

Dava o amor que não teve
Infância que não viveu
Sofria para fazê-los rir
Até que afinal morreu
Sem profanar virgindade
Por ela muito sofreu

E todos lhe respeitavam
Comparavam à Virgem Maria
Que é a mãe de Jesus Cristo
Padeceu com agonia
Pois”os bons são os que sofrem”
Se diz com sabedoria

Faleceu virgem e pura
Quase santa sem pecado
Porque o que fez na vida
Deus deve ter perdoado
Não o fez pelo escândalo
Ou mal intencionado

Três dias depois de morta
Aos guris apareceu
Vestida num chambre alvo
Um halo resplandeceu
Clareou todo ambiente
A casinha estremeceu

Mas ela acalmou dizendo:
– Eu não os abandonei
E estarei sempre aqui
Com vocês, eu viverei
Procurem fazer por si
Que de fora ajudarei

Por isso todos ali
A devotam como santa
Têm conseguido milagres
Quem da vida desencanta
Termino assim essa estória
Que este poeta canta

M-aria tambémpecou
A-mando seu São José
X-orou pelo filho amado
A-dorou a Deus com fé
D-eixou lição pra Jaci
O exemplo pra mulher.

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