Zaqueu, operário de uma fábrica de confecções, é considerado um homem do povo. Faz parte do contingente anônimo, citado costumeiramente nos discursos políticos, em época de campanha eleitoral, quando lhe prometem mundos e fundos.
O povo é uma entidade abstrata, em nome da qual muito se fala e pouco se faz. Está sempre na linha de frente dos discursos dos políticos e na retaguarda das benesses prometidas e recebidas.
Zaqueu mora numa casinha modesta, na periferia da cidade, um local “onde o vento faz a curva”.
Certo dia, Zaqueu, chegou em casa eufórico e disse para Marina, a esposa, que tinha uma grande surpresa para ela, e pediu que adivinhasse.
A primeira impressão dela foi que eles tinham sido sorteados no “Baú da Felicidade”, mas não era isso; depois, pensou que ele tivesse tido um bom aumento de salário, também não era. Depois de muito suspense, Zaqueu ele revelou a novidade: -Você sabe quem vai chegar, mulher? A Democracia!!!
A mulher ficou deslumbrada:
– Meu Deus. A Democracia vai chegar?!!! É verdade? Será Que você não escutou errado, Zaqueu?
O marido falou sério e a mulher ficou sem saber o que fazer. Andou nervosa de um lado para o outro e disse ao marido que iria tomar um banho e passar um pente no cabelo. Ele lhe pediu que passasse o ferro no paletó antigo que tinha sido do casamento deles, pois queria ver a chegada da Democracia de paletó e gravata, pois o acontecimento que eles iriam assistir era muito importante.
Pediu que ela vestisse o vestido novo das festas de fim de ano, pois não queria que a Democracia a conhecesse vestida com roupas molambentas. Disse que na fábrica onde trabalhava, seu patrão tinha comentado que há muitos anos a Democracia não vinha ao Brasil.
Eufórico, Zaqueu só falava no festão que estava programada para a chegada da Democracia.
Muito contente, mandou que a mulher fizesse um bolo, enfeitasse a casa e telefonasse de um orelhão para a rádio Bujari, estação rodoviária e estação ferroviária, para saber, ao certo, a data e horário da chegada da Democracia. Disse à mulher que enquanto isso, iria até o Bar do Primo, avisar à rapaziada da chegada dessa visitante ilustre, a Democracia.
Os frequentadores do bar estavam jugando Sinuca e Zaqueu gritou: “Olha aí, turma, a grande novidade que eu trago pra vocês: Adivinhem quem vai chegar???
– Waldick Soriano!!!! – disse logo um biriteiro.
– Não. A Democracia!!!. É pouco, ou querem mais? “Dá pra tu, ou fica frouxo?”
A rapaziada arregalou os olhos, todos espantados com a novidade..
Um deles perguntou desconfiado:
– Zaqueu, estás querendo fazer a gente de besta?
– Não! Eu quero que minha alma vá pro inferno, se eu estiver mentindo!
Houve um minuto de silêncio, e um mecânico que lá se encontrava falou:
– Poxa, que legal! Sabe que, na minha vida, eu nunca vi a Democracia? Sou louco para conhecer.
Um bombeiro que lá estava também falou:
– Eu também nunca vi a Democracia. Eu só conheço a burocracia.
O mecânico perguntou:
– Zaqueu você já viu a Democracia alguma vez? Como é ela?
Mentindo, Zaqueu respondeu:
– Eu só vi a Democracia uma vez, mas era muito pequeno. Por isso, não me lembro direito.
Um empregado de uma padaria que estava no bar, quis se mostrar:
– A Democracia é um sarro – eu escuto sempre os homens falando em democracia pra cá, democracia pra lá, mas não sei direito o que é. Afinal das contas, o que é que a gente vai poder fazer quando ela chegar?
Muito falante, Zaqueu respondeu:
– Tudo. A democracia é o governo do povo e para o povo. Com a Democracia, a gente pode fazer tudo, menos xingar o Governo, nem praticar atos proibidos por lei.
Um gaiato perguntou se poderia tirar as calças na rua, xingar o governo, comprar fiado e não pagar, e passar a ser atendido no INPS sem passar horas nas filas, e a resposta foi sempre negativa.
Surgiram, então, os comentários: O bombeiro hidráulico, muito falante, disse e o empregado da padaria endossou: “Essa tal de Democracia não tá com nada.”
Foi aí que um senhor, com cara de professor, interferiu: “Tá sim. Quando a Democracia chegar, vai acabar com a Censura.”
Um dos rapazes que se encontrava no bar, perguntou:
– Quer dizer que não vai mais ter filme impróprio até 18 anos? – Todos riram.
O professor continuou falando:
– A Democracia vai acabar também com o AI-5.
AI-5? O que é isso?- perguntou um curioso. – Nunca ouvi falar nisso. É um remédio pra mulher não engravidar? Diz, Zaqueu, o que é Democracia!
Zaqueu pensou, pensou e foi sincero:
– Agora eu me enrolei todo.
O professor o socorreu:
– Democracia é o regime de governo do povo e para o povo.
A euforia foi grande. Cada um que falasse mais alto:
Oba, Governo do povo? – gritou o bombeiro: Então eu quero ser Ministro.da Fazenda! O mecânico disse que queria ser Ministro da Agricultura; o empregado da padaria disse que queria ser Vice-Presidente do Brasil e um alfaiate disse que queria se o Presidente. E todos vibraram com a novidade: “Chega de trabalhar!!! Eu agora quero é moleza e viajar muito, igual aos políticos!!!”
Todos almejavam ocupar um Ministério. A confusão foi grande. Para restabelecer a ordem, Zaqueu disse que iria ser Ministro da Energia. E usando sua energia, conseguiu que todos se acalmassem da euforia que tinha tomado conta desses homens do povo.
Zaqueu foi até em casa para ouvir da esposa o que ela tinha conseguido saber sobre a data e horário da chegada da Democracia.
Encontrou a mulher sem graça e desarrumada. Perguntou o que tinha havido.
A mulher respondeu que a Democracia iria chegar, mas não passaria por lá, pois a agenda esta muito cheia.
Zaqueu ficou indignado. Então ela não vem visitar o povo? E o povo somos todos nós!!!
A mulher entregou ao marido uma lista com a agenda que a Democracia teria de cumprir quando chegasse:
Às 7h15m estaria em Brasília e teria de cumprir vários compromissos agendados, até às 21 hora. A correria seria grande. Às 22 horas, a Democracia deveria estar no Palácio do Governo, onde se realizaria um festão. Zaqueu então, animou-se para ir conhecer a Democracia, acompanhado da esposa Marina. Mas a mulher o fez desistir, pois só seria permitida a entrada de convidados de “black – tie”. Nessa festa, seria entregue à Democracia, o título de “Regime de Visão, para o Povo e pelo Povo”
Houve um tumulto nas ruas e todos queriam saber se poderiam entrar nessa festa. A resposta dos organizadores foi “Não.”
E quando poderiam apertar a mão da Democracia?. O patrão de Zaqueu respondeu:
– SÓ NAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES!!!
Divina Violante: eu já acho que nem nas próximas eleições.
Seu conto é muito elucidativo. Parabéns.
Tenha um excelente final de semana.
Beijão democrático,
Magnovaldo
Obrigada pelo carinho do comentário, prezado Magnovaldo!
Esta gangorra política, com este jogo sujo, onde os fantoches de madame diabo dominam o jogo de xadrez, até que seja dado o lance de “xeque-mate” no Rei, nos traz a descrença de que algum dia a Democracia mostre a sua cara.
Beijão democrático para você também !.
Violante,
Parabéns por seu talento de escrever crônicas com os mais diversos temas. A democracia foi um mote muito bem desenvolvido no seu bem-humorado texto. Segundo Aristóteles, não se deveria classificar a democracia como o Governo que a maioria domina, pois mesmo que, em uma cidade, a maioria dos indivíduos fosse rica e eles dominassem isso seria chamada de uma democracia, mesmo tendo uma maioria seria uma oligarquia, pois o poder estaria nas mãos, somente, dos ricos.
Aproveito a ocasião para compartilhar uma frase do importante escritor português José Saramago (1922-2010) com a prezada amiga: “Eu tinha dito que iria propor tirar a palavra utopia do dicionário. Mas, enfim, não vou a tanto. Deixe ela lá estar, porque está quieta. O que eu queria dizer, é que há uma outra questão que tem de ser urgentemente revista. Tudo se discute neste mundo, menos uma única coisa: a democracia. Ela está aí, como se fosse uma espécie de santa no altar, de quem já não se espera milagres, mas que está aí como referência. E não se repara que a democracia em que vivemos é uma democracia seqüestrada, condicionada, amputada”.
Um excelente final de semana com paz, saúde e harmonia
Aristeu
Obrigada pelo generoso comentário, prezado poeta e pesquisador Aristeu.
Gosto de escrever sobre temas diversos, conforme determina o meu estado de espírito e de acordo com os acontecimentos.
O povão, onde se concentra o fanatismo político, não entende nada de Democracia, nem enxerga o autoritarismo que nos rodeia.
Estamos vivendo a era da cegueira política, provocada pelo fanatismo.
Bom final de semana! Muita saúde e Paz!..
Belíssima crõnica. cara escritora.
Eu teria orgulho de assinar em baixo
Parabéns,
Obrigada pelo honroso comentário, prezado d.Matt !
Fiquei feliz com as suas palavras!..
Grande abraço!.
E a Democracia não venceu os métodos espúrios do sistema, discutidos no escurinho dos quatro cantos dos palácios, como disse um assessor de Lincoln.
Excelente reflexão sobre o que é democracia, hoje, queridíssima Violante Vivi! O resultado nós tivemos recentemente, aqui!
“É a força da grana que ergue e destrói coisas belas.” A dignidade e os valores humanas sumiram!
Xêros e abraços, querida. A você e família.
Obrigada, querido cronista Cícero Tavares, pelo gratificante comentário!
Você está certo, quando diz:
“É a força da grana que ergue e destrói coisas belas. A dignidade e os valores humanos sumiram!”
Na verdade, assistimos à derrocada dos nossos ideais políticos, ante uma esquerda espúria e perigosa, ávida pela tirania e destruição dos valores morais.de uma Democracia que estava a caminho.
Parabéns por seu texto impecável, sobre o filme Lincoln (2012), dirigido por Steven Spelber, publicada recentemente no JBF!
“E a Democracia não venceu os métodos espúrios do sistema, discutidos no escurinho dos quatro cantos dos palácios, como disse um assessor de Lincoln”
Abraços, extensivos aos seus familiares,, e um excelente final de semana!