MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

No mês passado, publiquei um pitaco fazendo comparações entre nossa realidade de hoje e a descrita por Orwell no romance “1984”.

Eis que no Canadá, país que é ardorosamente fã de governos grandes e do pensamento politicamente correto, um funcionário do governo confirma minha suspeita. Em uma coletiva de imprensa realizada em 31 de maio, o Diretor de Saúde da província de Nova Escócia foi questionado sobre a proibição da reunião de pessoas mesmo com os números indicando o declínio da pandemia por lá. O diálogo foi o seguinte:

Jornalista: Estou me perguntando se a liminar [que proíbe] reuniões públicas, se realmente existe a necessidade de uma medida tão abrangente.

Dr. Robert Grant: Você sabe que nós ainda temos… Reunir um grande número de pessoas ainda pode apresentar algum risco, nós iremos continuar tomando conta disto. E outro propósito da liminar é o de prevenir grupos que estão deliberadamente espalhando informações falsas que criam riscos. As informações, se levadas a sério, criam riscos para o público. Certamente temos a necessidade de gerenciar esta campanha de desinformação.

Sim, é o que você leu: o governo proibiu as pessoas de se reunirem para impedir que elas “deliberadamente” espalhem informações “falsas”. E quem determina que as tais informações são falsas? O próprio governo, claro. Exatamente como em “1984”, o governo é o dono da verdade e qualquer um que discorde do governo está necessariamente errado, e provavelmente cometendo um crime – no romance, esse ato de discordar daquilo que o governo determinou ser verdade é chamado “crimidéia”, contração de “crime” e “idéia”. Para evitar que as pessoas cometam o horrível crime de discordar do governo, o governo proíbe que as pessoas se encontrem para conversar. Todo mundo trancado em casa, para seu próprio bem: é o que o Dr. Grant chamou de “gerenciar a desinformação”.

Se no romance de Orwell a censura de tudo que discordasse do governo ficava a cargo do MINIVER (sigla do Ministério da Verdade), no mundo de hoje surgiram entidades que se auto-denominam (com o indispensável estrangeirismo) “agências de fact-checking”. Algumas são ligadas a grandes empresas de mídia, outras a ONGs, mas todas têm em comum o fato de se acharem a autoridade definitiva para definir o que é certo e o que é errado, sem que ninguém saiba de onde veio essa suposta autoridade. E nessa típica câmara de ecos que se tornou a imprensa mundial, basta que uma dessas agências decrete que uma informação qualquer é “fake news” para que todo o restante dê o assunto por encerrado, redes sociais incluídas.

Um exemplo brazuca? A agência “Estadão Verifica” carimbou como “fake news” um trabalho de Luc Montagnier sobre o risco da disseminação de novas variantes do covid.

Quem é Luc Montagnier? É nada menos que o ganhador do Nobel de Medicina de 2008, e um dos mais renomados virologistas do mundo. Mas para a agência “Estadão Verifica”, a opinião de um ganhador do Nobel pode ser questionada por um jornalista freelance sem qualquer conhecimento na área e carimbada como inválida. Com isso, todo o restante da imprensa e das redes sociais pode banir o Dr. Montagnier simplesmente dizendo “declarado fake news por uma agência de fact-checking”.

Não faltam idéias dentro do governo para dar reconhecimento oficial para as tais agências de fact-checking. Em outras palavras, grupos que ninguém sabe de onde surgiram e que não prestam contas a ninguém passariam a ter o poder oficial de determinar o que pode e o que não pode ser dito.

1984 já chegou.

16 pensou em “SIM, 2021 É 1984

  1. Marcelo estava indo bem, comparar 1984 do G. Orwell com o que está acontecendo hoje no mundo tem tudo a ver. Os exemplos que ele citou são elucidativos

    Mas aí chegou o último parágrafo:

    “Não faltam ideias dentro do governo para dar reconhecimento oficial para as tais agências de fact-checking.”

    Aí eu pergunto, que governo? Não é o do Bolsonaro, que briga quase que diariamente justamente contra as tais agências de fact-checking por justamente distorcer a verdade.

    • Li a resposta do Dr. Robert Grant e me questiono se nao foi dada por nossa querida amiga mandioqueira, contumaz estocadora de vento:

      Marcelo e João,
      Sobre o último parágrafo:
      EIS O QUE DIZIA KIM EM 2018, segundo notícia da Agência Brasil: Em vídeo divulgado na última quarta-feira (16), o coordenador do MBL, Kim Kataguiri, disse que as agências são de esquerda e fazem a checagem de dados com “viés ideológico”. “Quando você vai ver quais são esses checadores, você vai ver que são pessoas absolutamente esquerdistas. Na verdade, todas as publicações com viés mais liberal, conservador e de direita, vão ser censuradas e ter seu alcance cortado e ninguém vai poder falar absolutamente nada”, afirmou.
      Publicado em 19/05/2018 – Agência Brasil.

    • João, quando eu quero me referir a um governante específico, eu o faço diretamente e sem rodeios. Tenho evitado esse tipo de discussão porque não ando com paciência para brincar de torcida organizada.

      Por outro lado, quando me refiro a “governo”, sem qualificativos, estou me referindo a todos eles, naquilo que todos têm de iguais. Como você e todos meus leitores já sabem, não tenho político de estimação e nem perco tempo inventando argumentos para provar que, ao contrário dos outros, o político X ou Y é honesto, limpinho e cheiroso.

      É óbvio, evidentemente, que as agências “oficiais” escolhidas pelo governo Bolsonaro seriam diferentes das escolhidas por um governo Lula, por exemplo. Daí a dizer que o governo Bolsonaro é o único no mundo que não tem, ou não quer ter, uma imprensa “amiga” e “a favor”, vai uma enorme distância.

      • Marcelo, quando v. coloca que o Governo quer ter sua própria agência de Fact, significa ter um Ministério da Verdade.

        A Verdade é um tema caro ao Pres. Jair Bolsonaro, que a todo momento cita João 8,23. Eu não me lembro de uma única vez que ele tenha insinuado que queira ter um Ministério da Verdade.

        Também não tem Imprensa amiga. Não no sentido que o PT tinha, que irrigava com bilhões do dinheiro do pagador de impostos as grandes mídias e a esgotosfera.

        Aí eu pergunto, o JBF é imprensa amiga?

        Eu também não tenho político de estimação, caro Marcelo, apenas não gosto de insinuações generalistas que jogam todos os políticos na mesma latrina.

        Defeitos, todos têm, porém, até o momento Bolsonaro é o que melhor representa o conservadorismo, que é o que a maioria do povo brasileiro quer.

        • 1) Se o presidente de um país laico cita “a todo momento” a Bíblia, ele está buscando o pior de todos os Ministérios da Verdade, que é o que se ampara em uma religião.

          Religiões, por definição, se declaram donas da verdade por direito divino, o que impede qualquer tentativa de debate ou de pluralismo de idéias.

          2) Quando o governo aumenta as verbas para a Record e o SBT, ele está buscando uma imprensa amiga mas “não no sentido que o PT tinha”, então?

          3) Que história é essa de “a maioria do povo brasileiro quer”? Você tem procuração para falar pela maioria do povo? Ou acha que democracia é ditadura da maioria? Eu votei, muito a contragosto, no Bolsonaro, porque o voto é obrigatório. Isso não significa que eu deva abrir mão de minhas idéias e aceitar qualquer coisa que ele disser.

          Aliás, em quatro eleições seguidas a “maioria do povo brasileiro” escolheu o PT. Isso quer dizer que todos deveriam virar progressistas de esquerda ou a maioria só vale quando é do lado que você gosta?

          4) Sim, você tem político de estimação, isso é mais do que claro pelos seus comentários. Tentar negar isso fica até feio. Tenha pelo menos a coragem de assumir.

          • ! – O estado é laico, mas o país (sua população) não e é de grande maioria cristã.

            2 – O Governo aumentou verbas para a Record e o SBT segundo qual fonte? Em valores absolutos ou relativos? Qual o valor das despesas de publicidade deste governo em relação aos do PT?

            3 – O Cristão é um conservador. A religião Judaico cristã, a filosofia grega e o direito romano são a base do conservadorismo. Se a maioria da população BR é cristã, portanto….

            4 – Ter político de estimação não o contrário de detestar todo político e a política. Gosto da Política (reparou no “P”?) e sem ela não há civilização.

            Já disse e repeti umas mil e duas vezes ao nosso colega comentarista C. Eduardo. Bolsonaro hoje dentro da Política brasileira é o que melhor representa o conservadorismo. Ele não é perfeito, dou nota 6 para ele, porém não há quem tenha melhor nota.. Quem seria um melhor político hoje a seu ver, caro Marcelo, e por qual partido?

            • 1 e 3) Ainda que 99% da população fosse cristã e conservadora, um estado LAICO e LIVRE significa que o 1% restante teria o direito de discordar e qualquer governo não-autoritário deve saber disso. Especificamente, Bolsonaro parece ter dificuldade em entender que é presidente do país inteiro; frequentemente, ele dá a impressão de achar que os que não concordam com ele não são cidadãos brasileiros, são inimigos a serem destruídos. (Mas essa é só minha opinião)

              Mas vou repetir a pergunta: se o governo deve impor valores conservadores baseado em uma vaga “maioria cristã”, porque o PT, eleito quatro vezes seguidas, não teria o direito de impor valores progressistas? A maioria só vale quando é do seu lado? Aliás, sua afirmação de que todo cristão é conservador não é um tanto arrogante?

              4) Eu não gosto da política (com ou sem maiúscula) se essa consiste em aceitar que um grupo de pessoas tenha autoridade para fazer o que quer, e ao restante caiba apenas obedecer. Também discordo que esse tipo de política seja indispensável à civilização; aliás, a política hoje está nos levando de volta aos tempos do feudalismo e da servidão. Também discordo de quem acredita que a atual política e o atual sistema de governo sejam o caminho para alguma melhoria, e que o melhor modo de contribuir para essa melhoria seja “votar certo”.

              Citando novamente Einstein, “não se pode resolver um problema usando a mesma forma de pensar que criou o problema”.

              Então, sua última pergunta fica sem resposta, porque para mim é como perguntar a um escravo se ele prefere ser açoitado com chicote de couro, de borracha ou de cipó trançado. Para mim, a resposta correta é “nenhum deles, porque não reconheço a autoridade do feitor em me aprisionar e me escravizar”.

              Para ficar bem claro: nosso agigantado e disfuncional governo nos escraviza e nos empobrece. A solução é mudar radicalmente a estrutura, o modo de funcionamento e o poder deste governo. Isso não vai ser resolvido simplesmente trocando um político por outro.

              • Marcelo, valores conservadores não se impõem, pois o princípio basilar do conservadorismo é respeitar a liberdade individual e de pensamento, o que não significa concordar..

                É fácil ser progressista em um ambiente conservador, já o contrário…

                Já percebi que v. não gosta de Política, porém tudo o que a gente faz na vida é política. Se v. conversa com alguém, está fazendo política. Se alguém te representa para qualquer coisa, v. o nomeou e portanto ele é um político para v.

                Fique então com seu mundo utópico.

                Um bom FDS.

    • É apenas um chute meu, mas às vezes ser censurado pelo YouTube pode ter mais repercussão do que apresentar o programa em um site de pouca audiência.

      Estamos, infelizmente, em um mundo onde a emoção vale mais do que os argumentos.

      • Acho o seu argumento muito válido .
        Sei também que daria trabalho levar todos os ” assinantes ” do canal para outra plataforma , mas também acho que , se todos eles se reunissem e fossem para a mesma plataforma ao mesmo tempo se fortaleceriam e abririam um novo espaço para discussões políticas .

        • Sem dúvida, seria ótimo se surgisse uma plataforma neutra que fosse um concorrente real para o YouTube. Infelizmente existe um monte de pequenos sites que concorrem entre si e nenhum consegue ser relevante o suficiente.

  2. Trechos de texto postado hoje neste JBF, de autoria do Luís Ernesto Lacombe: Escrevo este texto no Dia Mundial da Liberdade de Pensamento. Talvez hoje me seja permitido pensar… Esse é um ato que passa necessariamente por outro: perguntar.
    (…) Quando nos tomam o direito a questionar, nos tomam tudo, nos transformam em autômatos, em títeres.
    (…) Pensei que estaríamos livres na internet, nas redes sociais, para, pelo menos, perguntar. Era a grande chance de acabar com o monopólio da informação mantido pela mídia tradicional, a dona de todas as verdades. A esperança durou tão pouco. Desfez-se neste Dia Mundial da Liberdade de Pensamento, quando o YouTube derrubou o vídeo da edição de estreia do Programa 4 por 4, que Ana Paula Henkel, Guilherme Fiuza, Rodrigo Constantino e eu estreamos no primeiro domingo de julho. Já alcançava 800 mil visualizações, mas, segundo a plataforma de vídeos, violou as “diretrizes da comunidade”, algo tão vago e suspeito.

  3. Caro Marcelo,

    Pela quantidade de vezes que elogiei desbragadamente os teus artigos já deve ter dado para perceberes o quanto sou admirador fiel das tuas brilhantes análises.

    Desta vez, vou meter a minha colher neste angu para discordar de ti quando te referes de maneira crítica à forma com que Bolsonaro vê os seus oponentes: “Ele dá a impressão de achar que os que não concordam com ele não são cidadãos brasileiros, são inimigos a serem destruídos”.

    Realmente! Bolsonaro não tem meros oponentes. TEM INIMIGOS FIGADAIS E SANGUINOLENTOS, Tratar essa escória da humanidade com lisura e educação é um erro gravíssimo. Cria corvos e eles te comerão os olhos.

    Essa corja de bandidos tem de ser tratados sob a mira de uma metralhadora. Ou isso, ou ver-se engolfado em um oceano de calunias vis, mentiras torpes, acusações falsas de todos os calibres e todos os demais atos denotadores de uma personalidade abjeta e fanatizada na busca de seus objetivos maléficos.

    ESTE É O PARADOXO DO LIBERALISMO! (Vide Karl Popper)

    “O chamado paradoxo da liberdade é o argumento de que a liberdade, no sentido da ausência de qualquer controle restritivo, deve levar à maior restrição, pois torna os violentos livres para escravizarem os fracos”

    DEFENDER A TOLERÂNCIA EXIGE NÃO TOLERAR O INTOLERANTE!

  4. Adônis, Airton, João e Marcelo,
    Discordar, concordar e ter a liberdade de poder escrever e dizer o que pensa é o que os senhores bem o fizeram nesta troca de opiniões onde algumas farpas foram inseridas. Eis uma das virtudes deste bertiano JBF.

    Creio que nos colocaram sobe um muro e chegou a hora e pular para o lado esquerdo ou direito.
    E à direita temos o tal Jair. Nas trincheiras da esquerda temos 99,9% da mídia tradicional, todos os partidos políticos (todos são de esquerda) e a maioria dos políticos, institutos de pesquisa, todos os que mamaram nas tetas estatais nos governos anteriores, boa parcela de professores, grande parcela dos artistas, grande parcela das ONG, bandidos de toda ordem (soltos ou presos), imensa maioria da CNBB. Possivelmente esqueci algum grupo.

    À direita me posiciono e em 2022 novamente estarei nas urnas para votar no Jair, que dizem ser de extrema-direita em um país onde nem direita temos.

  5. Esse debate, mostra o valor da liberdade de expressão e da imprensa livre. Inclusive das agências de fato ou fake. Coisa que pelo poder da destinação de verbas, ESSE GOVERNO, quer minar. O sonho de Bolsonaro é ver seus inimigos figadais e sanguinolentos (igualzinho ao que o PT fazia) morrerem a mingua, sem o dinheirinho dos impostos, que agora vão para os canais que fazem a propagando oficial. Não venham me dizer que o dinheiro que não vai para a Globo, Estadão, Veja, Folha, etc e tec, vai para abater a divida. Só falta essa mentira. Se antes era Camila Pitanga que fazia todas as propagandas oficiais, agora é Siqueira Jr. e Jovem Pan. Como antigamente, o Capitão afirma que não existe o Vacinão. Também não havia o Mensalão, Petrolão e Quadrilhão.

    Estou surpreso de ver que no JBF tem mais noticia sobre Cuba do que no Granma. Quem diria!

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