MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

José e Antônio moram na mesma rua em um bairro nobre da capital. A vida dos dois é parecida, embora suas atividades sejam diferentes. José é autônomo, “trabalha por conta”, como se diz na gíria. Antônio, por outro lado, é político e ocupa um cargo de confiança em um órgão governamental.

José mora em uma casa grande e bonita. Ele pagou imposto quando comprou a casa, paga imposto todo ano por ter a casa, e provavelmente vai pagar imposto quando vender a casa.

Antônio também mora em uma casa grande e bonita, mas ele não gastou nada. Ele ganha auxílio moradia e o aluguel da casa é pago pelo contribuinte.

José tem um carro importado. Ele pagou de imposto mais do que o valor do carro. Ele também paga imposto todo ano por ter o carro.

Antônio também anda de carro importado, mas ele não paga nem a gasolina. O carro é pago pelo contribuinte, e trocado todo ano.

José gosta de comer fora com a família. Ele frequenta restaurantes caros e paga a conta.

Antônio também come em restaurantes caros com frequência, mas a conta é paga com alguma das verbas a que ele tem direito, nunca sai do bolso dele.

José paga um dos melhores planos de saúde do país para ele e para sua família. Não é nada barato, mas José acha que com saúde não se brinca.

Antônio e sua família também têm um excelente plano de saúde. Adivinhe se ele paga? Claro que não, quem paga é o contribuinte.

José tira férias todo ano. Ele gosta de viajar com a família para o exterior. Para isso, ele precisa pagar as passagens, os hotéis e os restaurantes.

Antônio também viaja ao exterior várias vezes ao ano, mas nunca pagou uma passagem ou um hotel. Quem paga são empresas que costumam fazer negócios com o governo e que mantém um relacionamento “próximo”, digamos assim, com pessoas como Antônio.

Observando tudo isso, chegamos a uma conclusão interessante: do ponto de vista patrimonial, José é rico, já que possui bens valiosos como sua casa e seu carro; Antônio, por outro lado, não é, já que não têm esse tipo de patrimônio. É inegável, certamente, que ambos vivem como ricos, mas isso não é relevante para boa parte da opinião pública, para quem apenas os ricos como José são a causa dos males do mundo.

Recentemente, uma autoridade do G20 declarou que “um imposto de apenas 5% sobre a fortuna dos bilionários poderia trazer uma receita anual de um trilhão de dólares, o que seria suficiente para acabar com a fome no mundo”.

Uau, “apenas” 5% ao ano. 5% de um patrimônio que já pagou imposto várias vezes. Vejamos a casa de José: o dinheiro que ele usou para comprar a casa pagou imposto de renda. Ao comprar a casa, ele pagou ITBI. Anualmente ele paga IPTU (que para os “malvados” ricos costuma ter alíquotas bem salgadas). Se precisar vender sua casa para pagar impostos, José provavelmente pagará imposto de renda sobre o “lucro”, mesmo que esse lucro seja apenas o efeito da inflação. Matematicamente, vale lembrar que o governo tomar 5% do patrimônio a cada ano significa tomar metade desse patrimônio em 16 anos.

Se realmente é possível acabar com a fome no mundo com um trilhão de dólares por ano, existe outro caminho: esse um trilhão corresponde a apenas 4% do valor que os países do G20 arrecadam todo ano, e que é usado para manter o padrão de vida de milhões de Antônios mundo afora – Antônios esses que não levam a culpa pela fome no mundo, porque afinal eles não são ricos, não é mesmo?

Repetindo: se os governos de apenas 20 países reduzissem seus gastos em quatro por cento, sobraria um trilhão de dólares por ano e isso poderia acabar com a fome no mundo, segundo eles mesmos. Por que não fazem isso?

Não fazem por uma questão de princípio: para os Antônios que fazem parte dos governos, os gastos do governo não podem diminuir, só aumentar. E a arrecadação de impostos também não pode diminuir, só aumentar. E o governo nunca “tira do seu” para resolver alguma questão; se surge uma nova necessidade, cria-se um novo imposto, porque os que já existem já tem destino certo e esse destino é intocável.

E para completar esse circo de horrores, é preciso destacar que propostas desse tipo são vistas com simpatia por boa parte da população. Décadas de doutrinação estatista na mídia e no sistema educacional tranformaram o cidadão médio em alguém que sente que é “injusto” algumas pessoas serem ricas enquanto a maioria é pobre. E uso o verbo “sentir” porque a doutrinação os transformou em seres incapazes de pensar ou de raciocinar; eles se movem apenas por sentimentos, impulsos, instintos básicos. A opinião do cidadão médio sobre uma notícia que acabou de assistir na TV não depende do fato em si, mas do tom de voz e da expressão facial do locutor. Falar em redução de impostos para esse “cidadão médio” é uma espécie de pecado ou heresia. Afinal, o governo é uma entidade mágica, que na sua bondade fornece aquilo que precisamos para viver (o famoso saúde-educação-segurança). Pedir a uma destas pessoas que pare de dar dinheiro ao governo é como pedir a um religioso que pare de frequentar a igreja: é algo que ofende, que causa repulsa, é algo que simplesmente não se pode conceber. O resultado final é que aumentos de impostos “para os outros” são vistos com simpatia e pessoas que defendem a redução dos impostos são xingadas.

Se no início do século 20 fosse tentado cobrar o volume de impostos que é cobrado hoje o mundo teria entrado em colapso. Governos têm aumentado a carga tributária baseados no aumento de produtividade trazido pelo desenvolvimento tecnológico. Este processo poderá continuar indefinidamente? Só o tempo dirá.

2 pensou em “RICOS E “RICOS”

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