A PALAVRA DO EDITOR

Coração afoito, residente e domiciliado em peito nem tanto, de qualificações já conhecidas de Vossa Ternura, vem, mui esperançosamente, requerer o que se segue:

A vossa cumplicidade para embalar o sonho de sua doce paixão.

Em anexo, do arquivo de sua cabeça, junta certidões que embasam os seguintes desejos:

Que Vossa Ternura não se comprometa. Mas que não rejeite. Que não vos apresseis em encorajá-lo, mas que não demoreis em diligenciar para que ele perceba que nada tendes contra. E, sobretudo, que o estimuleis com alguns olhares que, se não encorajarem, pelo menos não proibam.

Requer muito? Crê que não. E mais deseja:

Que seja dispensável, exceto mais acurado juízo, que vosso coração se apaixone por ele, mas que ele possa recolher marotamente a finura, a brandura e a doçura de tudo isto que está sentido por vós.

E mais ainda:

Que seja dispensável que namoreis com ele, mas que lhe seja permitido saber que consentis ser ele vosso namorado.

Outrossim:

Que se possa alardear que ele será um namorado terno, diligente, cuidadoso e preocupado com a vossa paz e o vosso bem-estar. Preocupado, sobretudo, em não constranger-vos e nem permitir que este enredo venha criar-vos constrangimentos. Com discrição cumprirá as datas e deixará discretas rosas sobre vossa mesa.

Que permita-lhe amar-vos e admirar-vos, sem que necessariamente Vossa Ternura, em contrapartida, se sinta na obrigação de amá-lo. Muito embora, talvez, viesse a ficar desapontado se não tentasse, pelo menos, admirá-lo.

Quando nada, admirar esta lezeira de se apaixonar assim tão bestamente.

Por oportuno, deseja mais ainda:

Que vos seja permitido cobrá-lo e exigi-lo. E que Vossa Ternura finja que está tendo ciúmes dele.

Permitindo-lhe amar-vos – e dando-lhe ciência disso – haverá tanta paz e tantos cuidados ao vosso redor que um longo tempo de vida cobrirá vosso destino, e fará felizes todos os pensamentos que irão aflorar na cabeça de Vossa Ternura.

Que, enfim, em sendo este favoravelmente despachado, lhe seja permitido voar seu amor de passarinho com a mesma descomunal alegria do menino que recebe o “sim” da menina. Com a mesma inominável felicidade que só aos corações apaixonados é dado pressentir.

Que, mais ainda, dando por findo os trâmites, seja-lhe assegurado a mesma explosão do adolescente apaixonado que acabou de beijar a moça cheirosa de alfazema e cravo. Pois que disso, de um adolescente, ele não passará, em lhe sendo este despachado favoravelmente.

Nestes termos,
ansioso,
pede e espera
deferimento.

* * *

Este meu texto foi publicado no jornal Correio Braziliense, nos anos 80. Trata-se de um requerimento que fiz a uma burocrata do serviço público, casada. Ela ficou bem balançada mas, infelizmente, indeferiu o requerimento…

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