ARISTEU BEZERRA - CULTURA POPULAR

POEMINHA TENTANDO EXPLICAR MINHA INCULTURA

Ler na cama
É uma difícil operação
Me viro e me reviro
E não encontro posição.
Mas se, afinal,
Consigo um cômodo abandono,
Pego no sono.

A CEGONHA

A cegonha
É sem-vergonha.
Não tem fé, nem simpatia,
Não solta plumas,
Não pia,
É indiferente, fria.
Só tem um preocupação:
População, população, população.

POESIA DE INCOMPREENSÃO INFANTIL

A natureza é sábia,
Mas não compreende um fato;
Por que só tem uma mãe
E tem tanto parente chato?

POESIA HIRSUTA

O cabelo humano
É um troço muito engraçado
Cresce na cara do careca
E não na calva do barbado.

DA DISCUSSÃO
(Nasce a luz?)

Tivemos uma troca de palavras
Mesquinhas
Agora eu estou com as dela
E ela está com as minhas.

POEMINHA PREOCUPADO NA SOCIEDADE DE CONSUMO

Você me abandonou
E até agora eu não sei
Qual foi o perfume
(A camisa, o cigarro,
O relógio, o carro)
Que não usei.

POEMINHA SOBRE O MISTÉRIO DO TEMPO

O despertador desperta
Acordo com sono e medo:
Por que a noite é tão curta
E fica tarde tão cedo?

* * *

Milton Viola Fernandes (1923 – 2012).Autor e tradutor. Descobriu na adolescência que havia sido registrado erroneamente, graças a uma caligrafia duvidosa, como Millôr. De humor singular, humanista e moderno, com visão cética do mundo, Millôr Fernandes foi considerado uma figura de proa do panorama cultural brasileiro: jornalista, escritor, artista plástico, humorista, pensador. Destacou-se em toda essas atividades. No teatro, empreendeu uma transformação no campo da tradução, tal a quantidade e diversidade de peças que traduziu. Em seus trabalhos costumava-se valer de expedientes como a ironia e á sátira para criticar o poder e as forças dominantes, sendo em consequência confrontado constantemente pela censura.

12 pensou em “REFLEXÕES POÉTICAS DE MILLÔR FERNANDES

  1. Aristeu, esse cara era um gênio. Lembro de uma foto que Jô Soares mostrou onde, numa piscina, estavam Millôr, Luiz Fernando e Ariano. Disse ele :”como eu gostaria de estar ali!”. Admirava muito Millôr, desde O Pasquim. Meu caro, vamos bater um papo lá no Cabaré? Seria uma noite fabulosa.

  2. Assuero,

    Agradeço seu excelente comentário. Millôr Fernandes era um artista com múltiplas funções. Escreveu colunas de humor para as revistas O Cruzeiro e Veja, para o tabloide O Pasquim, e para o Jornal do Brasil. Quanto ao convite para participar de um papo no cabaré, confesso que sou muito tímido. Se conseguir coragem para falar em público, comunicarei a você.
    Aproveito a oportunidade para compartilhar um poema do genial Millõr Fernandes com o prezado amigo:

    POESIA EXPLORATÓRIA

    Quem alisa os meus cabelos?
    Quem me tira o paletó?
    Quem, à noite, antes do sono,
    acarinha meu corpo cansado?
    Quem cuida de minha roupa?
    Quem me vê sempre nos sonhos?
    Quem pensa que sou o rei desta pobre criação?
    Quem nunca se aborrece de ouvir a minha voz?
    Quem paga o meu cinema, seja de dia ou de noite?
    Quem calça os meus sapatos e acha meus pés tão lindos?
    Eu mesmo.

    Saudações fraternas,

    Aristeu

    • Aristeu, você vai falar no Cabaré, não no vaticano. O Papa é Berto, não Chiquinho, e todo mundo é seu fã… então, por via das dúvidas, você deixa sua câmera fechada e deita falação

  3. Parabéns pelo tributo a Millôr Fernandes no seu artigo do Jornal da Besta Fubana. Millôr era autodidata. Ensinou a si mesmo a ler, escrever e a falar um inglês impecável. Um de seus trabalhos mais célebres é a tradução de obras do dramaturgo inglês William Shakespeare, o que o tornou um dos principais adaptadores da obra do bardo no Brasil. Chamou a minha atenção os versos do POEMINHA TENTANDO EXPLICAR MINHA INCULTURA: Ler na cama/É uma difícil operação/
    Me viro e me reviro/E não encontro posição.Mas se, afinal,/Consigo um cômodo abandono,/
    Pego no sono.

  4. Outra ótima do Millôr (não lembro o título é:

    Meio dia
    Hora em que as sombras se escondem,
    Procure bem,
    Há uma debaixo do homem.

    Lembro de um desenho dele uns homens todos bem semelhantes, inclusive no vestuário e uma mulher dizendo: vocês da Xerox são todos iguais.

    • Osnaldo,

      É gratificante receber um comentário com um poema e uma referência a uma charge de Millôr Fernandes. Morto em março de 2012, aos 88 anos, Millôr deixou uma inesgotável obra literária e intelectual, incluindo peças de teatro, livros de prosa e poesia, romances, desenhos, exposições de pintura, traduções, roteiros de cinema e textos na imprensa. Irreverente, participou de todos os movimentos de renovação cultural da segunda metade do século XX.
      Em livros, jornais ou pela internet, o escritor Millôr Fernandes impressionava com a inteligência e o humor de suas palavras. Compartilho algumas de suas frases com o prezado amigo:

      1 – “Esta é a verdade: a vida começa quando a gente compreende que ela não dura muito.”

      2 – “Ninguém sabe o que você ouve, mas todo mundo ouve muito bem o que você fala.”

      3 – “Há duas coisas que ninguém perdoa: nossas vitórias e nossos fracassos.”

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  5. Messias,

    Muito obrigado admirável comentário. A informação sobre Milllõr Fernandes ser autodidata é muito importante porque muitos leitores desconhecem essa sua qualidade. Aproveito o espaço democrático do JBF para compartilhar um poema de Millôr Fernandes:

    LUTA DE CLASSES

    Estava o rei lavando os pratos
    Depois de enxugar os garfos.
    A rainha dava tratos aos móveis
    Vasculhava a sala, a copa e o salão
    Deixando aos principezinhos a tarefa
    De encerar o chão
    Enquanto a criada na varanda
    Deitada numa rede de fina contextura
    Lia um livro de aventura
    Quando entrou um rei vizinho
    De um reinado bem maior
    E bem baixinho, bem baixinho
    Ofereceu à criada
    Um emprego melhor.

    Saudações fraternas,

    Aristeu

    • Autodidata sim e fez as melhores traduções de Shakespeare para o português. Traduzi “Bola de Sebo” (Maupassant), “O Globo e a Cruz” (Chesterton) e “Sem Destino” (Imre Kertész) e posso dizer quão verdadeira é a frase italiana: “traduttori, traditori”. Muitas vezes é dificílimo manter a fidelidade à ideia do autor e o rigor do texto.

      • Osnaldo,

        Concordo plenamente com seus argumentos sobre Millôr Fernandes. Somos dois fãs desse multiartista e acrescento uma breve informação sobre Millôr. Nascido no Rio de Janeiro e dono de um estilo próprio e de um humor ácido e inconfundível, Millôr Fernandes definia a si mesmo como jornalista. Para os leitores e admiradores, que o acompanharam ao longo dos seus mais de 70 anos de carreira, a definição parece insuficiente. Grande desenhista, escritor e tradutor, Millôr fugiu, desde sempre, do óbvio. Ficou órfão de pai e mãe muito cedo, mas contornou as adversidades da vida e, de maneira autodidata, aprendeu línguas e desenvolveu seu traço e seu texto.

        Saudações fraternas,

        Aristeu

        • Parabéns, prezado Aristeu, pela excelente postagem “REFLEXÕES POÉTICAS DE MILLÔR FERNANDES”.

          Jornalista, escritor, tradutor, artista plástico, humorista e pensador, Millôr Fernandes se destacou em todas essas atividades.
          Sua inteligência e verve satírica são marcas que o eternizaram, no cenário cultural brasileiro.
          Como disse você, “em seus trabalhos costumava-se valer de expedientes como a ironia e á sátira para criticar o poder e as forças dominantes, sendo em consequência confrontado constantemente pela censura.”

          A sua obra “QUE PAÍS É ESTE ? “(1978) reúne textos memoráveis, que parecem atuais, politicamente falando.

          Das reflexões de Millôr Fernandes, citadas por você, destaco:

          DA DISCUSSÃO
          (Nasce a luz?)

          Tivemos uma troca de palavras
          Mesquinhas
          Agora eu estou com as dela
          E ela está com as minhas.

          Uma ótima semana, com muita saúde e Paz!,

  6. Violante,

    Grato por seu caprichado comentário sobre a obra atualíssima de Millôr Fernandes (1923 – 2012).. Millôr era autodidata. Ensinou a si mesmo a ler, escrever e a falar um inglês impecável. Um de seus trabalhos mais célebres é a tradução de obras do dramaturgo inglês William Shakespeare, o que o tornou um dos principais adaptadores da obra do bardo no Brasil. Começou a carreira aos 14 anos, como jornalista, e aos 19 foi contratado pela revista O Cruzeiro, e logo passou a conciliar as tarefas de jornalista, tradutor e dramaturgo. Foi colaborador , também de revistas como IstoÉ e Veja.
    Compartilho um poema do talentoso Millôr Fernandes com a prezada amiga:

    NEGAÇÃO DA AFIRMAÇÃO

    Sou um homem bem comum
    sem nenhuma aspiração.
    Não quero ser general
    e muito menos sultão.
    Sou moderado de gastos,
    de ambição reduzida,
    não sonho ser big-shot
    estou contente da vida.
    Nunca invejei o próximo
    nem lhe cobiço a mulher,
    pego o meu lugar na fila
    e seja o que Deus quiser.
    Não sou mau pai, nem mau esposo,
    Grosseiro nem invejoso
    – só um pouco mentiroso.

    Desejo uma semana plena de paz, saúde e alegria

    Aristeu

    • Obrigada, Aristeu, por compartilhar comigo este poema bonito e hilário, do grande Millôr Fernandes, “NEGAÇÃO DA AFIRMAÇÃO”. Gostei imensamente!

      Uma semana plena de paz, saúde e alegria, para você também!

      Violante Pimentel

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