Rio Capibaribe, o principal do Recife, a Veneza Americana – Foto de Lilian Chaves
Venho do tempo em que a cidade onde nasci era bem colonial. Tinha seus casarões ornados por peras de porcelana, portões com grades de ferro bem trabalhadas e a calma de ruas tranquilas, onde se podia andar despreocupadamente.
Tempos em que a juventude achava “um barato” ver os joelhos – apenas os joelhos – das moças de classe, e os decotes eram quase à altura do pescoço.
Eu tinha um primo, Luiz Fernando, que era muito “saliente” e repetia sempre: Ver um joelho de mulher me dá uma secura!…
Nos anos de 1950 os vestidos eram compridos e as jovens se apresentavam com blusas que mais pareciam ser feitas para o uso de gravatas, pois tinham uma espécie de colarinho.
Dos encantos daquela época pouca coisa restou em termos de geografia urbana. Os rios, por exemplo: o Capibaribe e o Beberibe, que serpenteiam a cidade desde os arrabaldes até o cais do porto, abraçando-se em vários pontos e formando um outro, ainda mais largo, derramando-se os dois para formar um só – o Rio dos Cedros – ligando a Ilha de Antônio Vaz à antiga península, até se projetar no mar.
Cada um dos nossos rios exigiu a construção de uma ou mais pontes para ligar nossas ilhas citadinas, bairros e arrabaldes.
Aldemar Paiva, saudoso radialista, em seu programa diário na Rádio Clube de Pernambuco, lançou uma enquete para que os ouvintes dissessem quantas pontes havia no Recife. Um deles acertou, informando que haviam 63 pontes na cidade.
Recebeu o prêmio, na hora, mas Aldemar acrescentou que o ouvinte havia esquecido as 3 Pontes de Safena que haviam no peito do compositor Capiba, devido a uma cirurgia recente. O famoso radialista tinha uma abertura quemais parecia um poema, com a qual iniciava seu famoso programa: Pernambuco Você é Meu:
E nesta manhã graciosa abro meu programa com alegria. De pontes em pontes; costumo vir andando para aspirar o cheiro dos seus rios e desfrutar a beleza da cidade, até chegar ao microfone da gloriosa PRA- 8, trazendo cultura e entretenimento aos ouvintes. BomDia!
Mas, com o correr dos anos as pessoas mudaram seus hábitos e o Recife se transformou. Não vemos mais as regatas que superlotavam as margens das ruas da Aurora, do Sol e a sacada das pontes, a fim de ver as disputas de remo, entre as equipes do Barroso, do Náutico e do Sport.
Hoje o que vemos são os veículos e as pessoas passando apressadas, sem tempo de fazer o que faz a fotógrafa Lilian Chaves, que tem captado imagens memoráveis de nossas pontes e rios. E ao ser indagada sobre seu ofício, nos respondeu:
Procuro, de pontes em pontes, captar a beleza dos nossos rios, para que não se perca, de todo, o que tem a cidade de mais belo: suas águas serpenteando vários lugares de um Recife bucólico que ficou na miragem dos tempos.
E assim, a artista vai andando de pontes em pontes para fotografar a cidade de hoje. Quem poderia imaginar um Recife sem seus rios, sem suas pontes? Sem esse conjunto de rios e pontes a cidade jamais seria a Veneza Americana.