MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Fui empresário durante vinte anos. Me acostumei, como todo empresário brasileiro, a ser tratado como um recurso sempre disponível para cobrir os buracos no orçamento do governo. Faltou dinheiro? Aumenta imposto. Alguma secretaria está sem verba? Cria uma taxa. Precisa agradar algum grupo de eleitores? Inventa uma obrigação, acompanhada de portarias, resoluções, instruções, muita burocracia. As empresas, como um boi velho preso pela canga, simplesmente agüentam. A opinião pública e a imprensa não se interessam muito, com base em uma noção de que todo empresário é milionário e toda empresa tem lucros tão grandes que sempre dá para tirar mais, e ainda sobra muito.

A facilidade de cobrar mais é tanta que às vezes a preguiça fala mais alto e a ordem sai mal-feita. Aí nós vemos a chance de reclamar. É uma luta sofrida, porque o nosso advogado, o advogado do outro lado e o juiz que julga, todos são pagos com nosso dinheiro. Mas, como eu disse, às vezes a coisa é feita tão “nas coxas” que a justiça não consegue negar que aquilo é contra a lei.

Aconteceu comigo duas vezes. Uma delas, com um tal salário-educação. A outra, nem me lembro mais. Mas foram dois casos em que eu como empresário entrei na justiça contra o estado e ganhei. Só que, como na expressão popular, ganhar é uma coisa, levar é outra. Quem deve para o estado, é cobrado sem dó por uma porção de gente, paga com os impostos de todos. Para cobrar, o estado ignora até mesmo princípios que vêm do tempo do direito romano: para vender um imóvel que é seu, por exemplo, você primeiro precisa correr atrás das certidões que dizem que você não deve nada ao governo. Presunção de inocência? Nada disso.

Quando o estado é quem deve, como aconteceu comigo nas duas vezes que citei, ele simplesmente manda o credor para uma fila chamada “fila dos precatórios” e diz “pago quando puder”. De vez em quando, ou “de vez em sempre”, aparece uma conta muito grande, e como dinheiro sobrando na conta é coisa rara em se tratando de governo, acontece da fila ficar parada por meses ou até anos. No meu caso, nas duas questões que ganhei, o dinheiro só chegou depois de uns cinco anos, isso sem contar o tempo do julgamento, que deve ter sido mais uns cinco. Traduzindo: o governo me tomou um dinheiro contrariando as leis que ele mesmo faz, e eu levei dez anos para receber o dinheiro de volta, sem juros, sem multa, apenas com uma correção que às vezes nem compensa direito a inflação, porque os índices também são feitos pelo governo de acordo com os seus interesses.

Vejo agora que a tal da opinião pública está tratando os precatórios como algo “do mal”, um problema que atrapalha o governo e prejudica o país. Consequentemente, muita gente está vendo como positiva a nova PEC que cria mecanismos para atrasar ainda mais os pagamentos e diminuir ainda mais a correção dos valores. A opinião pública não percebe que é ela mesma quem está pagando, porque o dinheiro que o governo cobrou ilegalmente não volta: já foi gasto, com muita rapidez e agilidade. Depois, quando a justiça manda devolver, o que o governo faz é tirar de outro lugar para atender, com toda a má-vontade do mundo, a tal fila dos precatórios.

No fundo, é uma metáfora da nossa sociedade. Não vemos os políticos como empregados da sociedade, mas sim como patrões a quem devemos obediência. Quando muda o governante, o brasileiro se vê como um boi que trocou de dono, e se o novo dono usa o relho com mais força, resta apenas lamentar a sorte.

5 pensou em “PRECATÓRIOS

  1. Marcelo,

    Pelo brilhantismo do seu texto e por ser empresário cocoleiro, sofrendo muitas das agruras citadas em seu texto, rendo ao paranaense cronista meu aplauso.
    E, como não poderia ser diferente, com o perfeito fecho: “Não vemos os políticos como empregados da sociedade, mas sim como patrões a quem devemos obediência. Quando muda o governante, o brasileiro se vê como um boi que trocou de dono, e se o novo dono usa o relho com mais força, resta apenas lamentar a sorte.”

    Como diminuiria em muito o poder de políticos e governantes, só me cabe gritar neste espaço: PRIVATIZA SAPORRA TODA, BOLSONARO!!!!!

    Governo é igual absorvente em menstrução; não há muito o que fazer além de “trocar” o inconveniente produto, após cumprir a finalidade. Sou contra reeleições e só votarei no Bolsonaro em 2022 em virtude da lista dos prováveis adversários só trazer assombração.

      • E era contra privatizações – antes de conhecer por dentro os monstros estatais. Hoje já fala até em privatizar a PETROBRÁS.

        “Triste não é mudar de ideia. Triste é não ter ideias para mudar.” Barão de Itararé

        • Na minha infância, esta frase, um pouquinho diferente (“Mudar de idéia não é vergonha, vergonha é não ter idéia para mudar”) estava gravada em uma tabuleta ao lado da churrasqueira, (Casa de gaúcho tem que ter churrasqueira).

          Ao lado dela havia outra, com um versinho:
          “Casamento é como bonde
          Sem cordão de campainha
          Quem pegar o bonde errado
          Têm que ir ao fim da linha”

    • Uma pergunta: O que a privatização tem a ver com os precatórios?

      Também defendo a privatização, porém, sei que os recursos das vendas e concessões serão mal gastos como qualquer outra receita. A privatização pode resolver, pelo menos temporariamente, ao cidadão ter um serviço melhor, porque governo e eficiência são duas coisas que nunca combinaram, nem em governo de esquerda nem de direita.

      O pior dessa PEC, se é que tem algo que preste, é a insegurança que gera na sociedade. Mais uma demonstração que para o Governo vale tudo, nem a Constituição garante nada, eles mudam as regras de acordo com a conveniência.

      Eu não defendo governo incompetente e corrupto nem de direita nem de esquerda.

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