PERCIVAL PUGGINA

Tive a felicidade de conhecer o Rio de Janeiro no tempo em que seus morros eram expressões do capricho paisagístico de Deus no ato da Criação. Entre as preciosidades dessa estética divina destaco as agulhas pétreas dos Alpes e dos Andes, que vi como inspiração gelada do gótico que tanto fascínio exerce sobre mim.

No Rio é diferente. Aliás, é o oposto. A mão de Deus moldou, ali, curvas tropicais, sensuais, grávidas de vida. A beleza da cidade costumava atrair um qualificado turismo nacional e internacional. De lá para cá, morros se tornaram ameaça soturna a pesar sobre a “cidade a seus pés”. Regiões inteiras tornaram-se palco de uma guerra sem fim, focos de insegurança, sedes de estados paralelos, casamatas de organizações criminosas, ocupações viciosas do espaço urbano que expandiram seu modelo pelos outros grandes centros do país.

Quinta-feira, 6 de maio, a favela do Jacarezinho foi palco de uma ação policial que deixou 25 mortos. Aliciamento de crianças e adolescentes para o tráfico, roubo de cargas, homicídios, sequestros de pessoas e de trens são alguns dos ramos de negócios da quadrilha que atua na região. Desconheço os detalhes da operação, mas não vejo como aceitável que ações criminosas mesmo quando eventuais, fiquem sem resposta policial, judicial e penal.

Mesmo acostumada a dormir ouvindo o espocar dos tiroteios e o matracar das metralhadoras, mesmo habituada a contar, toda manhã, cadáveres abandonados pelos criminosos, o número de vítimas dessa operação ganhou manchetes em todo o país.

O que se colhe no Rio de Janeiro nestas últimas décadas é rescaldo da tolerância. Contaminadas pela corrupção, sua política, sua justiça, sua polícia foram sendo moldadas por um estilo de vida que zombou da virtude e se foi deixando encantar por seus demônios. Enquanto isso, parte da sociedade aderiu a uma falsa virtude que pretende combater o crime com pombas brancas, flores e pulsantes coraçõezinhos feitos com as mãos.

O saneamento de uma região conflagrada com ações de atenção social não prescinde da ação policial contra a criminalidade, nem do revide quando bandidos, armados, disparam contra a polícia. Nenhuma sociedade civilizada pode tolerar que criminosos ajam impunemente e atirem contra a polícia que expõe a própria vida para protegê-la.

O que se vê no Rio é um microcosmo compactado da realidade nacional. Não difere do que se observa no Brasil, nesse combate com objetivos revolucionários, multilateral, aos valores e princípios cujo abandono nos tem custado tão caro. Tão caro que “império da lei” mais parece nome de escola de samba.

Um comentário em “POR QUE “IMPÉRIO DA LEI” PARECE NOME DE ESCOLA DE SAMBA?

  1. Prezado Percival,

    Temos que distinguir tráficantes de milicianos

    O domínio das favelas por traficantes remonta ao governo Brizola, que para se eleger prometeu que a polícia não subiria aos morros. (Não sei se é lenda urbana, mas é o que circula por aí). Ele depois se reelegeu e ao sair do governo as favelas já estavam tomadas.

    Depois vieram as milícias: maus policiais vislumbraram uma boa fonte de renda sem competir com traficantes. Os traficantes vendiam drogas e os policiais (inicialmente na zona oeste) vendiam proteção, licenças para comerciar, gatonets, bujões de gás, aluguel em construções irregulares (Muzema, Rio das Pedras), etc. Depois montaram “escritórios do crime” como Adriano de Oliveira e outros.

    Com o poder consolidado, o que fazer?

    Com os traficantes, usar a inteligência e a PF, no sentido de estancar o fornecimento de armas ilegais e levar o poder público para dentro das comunidades (já foi tentado, mas abandonado).

    Mas e com a milícia? São policiais e ex-policiaismilitares (em sua maioria) aos quais a PM não ousa combater porque… quem sabe do desejo de um policial militar de fazer parte do bando? Parece o Congresso nacional: bandidos protegendo bandidos.

    Repito, para os traficantes há solução, mas para milicianos, acho que só intervenção das Forças Armadas, que não estão comprometidas. Mas isso já foi tentado. Poderia -se usar táticas diferentes,, mais centradas nas milícias?

    Confesso minhas perplexidades. Como no final de uma Animal Farm Orwelliana, jão não sei quem são animais e quem são humanos

    Abraços

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