ARISTEU BEZERRA - CULTURA POPULAR

Uso maior rapidez
Nas cordas da minha lira,
Que cada número é
O brilho de uma safira;
Os cinco anos de seca
Que um ano de chuva tira.

Ivanildo Vila Nova

No calor do meio-dia,
Escutar uma peitica,
Deitado em colchão de folha
Debaixo da oiticica,
Quanto mais o sol esquenta
Mais bonito o sertão fica.

Sebastião da Silva

Eu comparo esta vida
À curva da letra S:
Tem uma ponta que sobe
Tem outra ponta que desce
E a volta que dá no meio
Nem todo mundo conhece.

Pinto do Monteiro (1895 – 1990)

Passei em todas as provas,
Aprendi novas histórias;
Nunca entreguei minhas mãos
A pregos, nem palmatórias;
Se tive algumas derrotas
Não conto mais as vitórias.

Nonato Costa

Ser poeta é viver sempre
Nutrindo os próprios valorres
Cantando as mágoas alheias
Alimentando os amores
Expressando a dor dos outros
Pra esconder suas dores.

Rubens do Valle

11 pensou em “POESIA PURA DOS POETAS DO SERTÃO

  1. Fazia muito tempo que não via uma seleção de estrofes tão lindas dos repentistas nordestinos. Senti-me muito emocionada com a sextilha de Pinto do Monteiro, uma lenda do repente, cujos versos estão na memória de quem admira a poesia pura: Eu comparo esta vida/À curva da letra S:/Tem uma ponta que sobe/Tem outra ponta que desce/E a volta que dá no meio/Nem todo mundo conhece.

    • Helena,

      Muito obrigado por seu comentário sobre Pinto do Monteiro (1895 – 1990). A naturalidade e rapidez de improviso na construção dos versos eram características marcantes na cantoria de Pinto do Monteiro. Cognominado “A Cascavel do Repente”, o repentista era ágil, certeiro, veloz, e também venenoso e mortífero, se provocado não tinha papas na língua nem conveniências. E o contendor era obrigado a recuar porque, com sua peculiar fertilidade de versejar, era capaz de fazer uma segunda sextilha antes que o outro se refizesse do choque da primeira resposta.

      Compartilho com a prezada amiga trecho do repente de Pinto do Monteiro em que explica porque deixou de cantar

      POR QUE DEIXEI DE CANTAR

      Recebi mais de um poema
      Fazendo interrogação
      Por que eu da profissão
      Mudei de rumo e sistema
      Resolverei um problema
      De não poder tolerar
      Muita gente a perguntar
      Ansiosa pra saber
      Em verso vou responder
      Por que deixei de cantar.

      Deixei porque a idade
      já está muito avançada
      A lembrança está cansada
      O som mesmo da metade
      Perdi a falicidade
      Que em moço possuía
      Acabou-se a energia
      Da máquina de fazer verso
      Hoje eu vivo submerso
      Num mar de melancolia.

      Minha amiga e companheira
      Eu embrulhei de molambo
      Pego nela por um bambo
      Para tirar-lhe a poeira
      Hoje não tem mais quem queira
      Ir num canto me escutar
      Fazer verso e gaguejar
      Topar no meio e no fim
      Canto feio, pouco e ruim
      Será melhor não cantar…

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  2. É necessário para entender a estrofe do repentista Sebastião da Silva saber o significado da palavra peitica. A peitica é o nome de um pássaro, o Empidonomus varius, que algumas tribos indígenas do Brasil consideravam de mau agouro. Quando ouviam o seu canto, suspendiam as atividades e regressavam às suas malocas. Considero a sextilha do talentoso Sebastião Dias a mais criativa desse artigo, sem desmerenciar as demais estrofes, senão vejamos: No calor do meio-dia,/Escutar uma peitica,/Deitado em colchão de folha/Debaixo da oiticica,/Quanto mais o sol esquenta/Mais bonito o sertão fica.

    • José Carlos,

      Grato por seu comentário do meu artigo, principalmente, por explicar o significado da palavra peitica; muito comum nas cidades do interior nordestino, entretanto desconhecida de grande parte da população de outros estado do imenso Brasil.

      Sebastião da Silva nasceu em Pilõezinhos, em 1945. Iniciou no repente no final dos anos 1950. Começou a cantar com os seus primeiros mestres, os poetas Oscar Bento de Freitas, José Júlio do Nascimento, José Xavier e José Crispim. Passou 31 anos trabalhando em dupla com o poeta Moacir Laurentino. Conseguiu mais de 200 primeiros lugares em festivais por todo o Brasil. Atualmente reside no município de Caicó (RN).

      Além de um extraordinário repentista é também um grande cancioneiro e autor de vários poemas e canções. Em 2015, esse ilustre cantador sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) que o deixou sem cantar, mas sua história e suas canções nunca serão apagadas de nossa memória.

      Compartilho com o prezado amigo uma estrofe de Sebastião da Silva com a temática sobre a dor:

      Já passei por sofrimento,
      Por tristeza e ameaça,
      Pelas queixas e as dores
      E herança da nossa raça;
      Porém cantando repente,
      Todo sofrimento passa.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  3. É sempre uma boa surpresa acessar o Jornal da Besta Fubana e encontrar um artigo com ótima seleção de versos dos nossos repentistas. Suponho ser uma tarefa difícil de executar a escolha entre tantas estrofes bonitas aquelas que mais se destacam. Impressionou-me bastante a sextilha do genial repentista Ivanildo Vila Nova: Uso maior rapidez/Nas cordas da minha lira,/Que cada número é/O brilho de uma safira;/Os cinco anos de seca/Que um ano de chuva tira.

    • Cristina,

      Agradeço suas considerações sobre a poesia pura dos poetas do sertão. Confirmo a dificuldade de selecionar estrofes em um celeiro muito grande de estrofes versos de qualidade nos diversos gêneros do admirável mundo do repente.

      Ivanildo Vila Nova é natural de Caruaru (PE), e é um dos grandes nomes da cantoria de viola e do repente. Participou em mais de 500 congressos, cantorias e torneio de cantadores. Ele foi um dos responsáveis para profissionalizar a atividade cultural. O poeta é o autor da canção Nordeste Independente em parceria com Braulio Tavares. Ele possui mais de 15 discos gravados, entre eles, um disco gravado com o Jomaci Dantas Nóbrega. Apresentou-se em seis países da Europa e também. ao lado de Oliveira de Panelas, nas Torres Gêmeas, em Nova Iorque, uma semana antes do atentado de 11 de setembro.

      Compartilho a famosa canção de Ivanildo Vila Nova e Braulio Tavares com a prezada amiga:

      NORDESTE INDEPENDENTE
      (Ivanildo Vilanova e Braulio Tavares)

      Já que existe no Sul este conceito
      que o Nordeste é ruim, seco e ingrato,
      já que existe a separação de fato
      é preciso torná-la de direito.
      Quando um dia qualquer isso fôr feito
      todos dois vão lucrar imensamente
      começando uma vida diferente
      da que a gente até hoje tem vivido:
      imagine o Brasil ser dividido
      e o Nordeste ficar independente.

      Dividindo a partir de Salvador
      o Nordeste seria outro país:
      vigoroso, leal, rico e feliz,
      sem dever a ninguém no exterior.
      Jangadeiro seria o senador
      o cassaco de roça era o suplente
      cantador de viola o presidente
      e o vaqueiro era o líder do partido.
      Imagine o Brasil ser dividido
      e o Nordeste ficar independente.

      Em Recife o distrito industrial
      o idioma ia ser “nordestinense”
      a bandeira de renda cearense
      “Asa Branca” era o hino nacional
      o folheto era o símbolo oficial
      a moeda, o tostão de antigamente
      Conselheiro seria o Inconfidente
      Lampião o herói inesquecido:
      imagine o Brasil ser dividido
      e o Nordeste ficar independente.

      O Brasil ia ter de importar
      do Nordeste algodão, cana, caju,
      carnaúba, laranja, babaçu,
      abacaxi e o sal de cozinhar.
      O arroz e o agave do lugar
      a cebola, o petróleo, o aguardente;
      o Nordeste é auto-suficiente
      nosso lucro seria garantido
      imagine o Brasil ser dividido
      e o Nordeste ficar independente.

      Se isso aí se tornar realidade
      e alguém do Brasil nos visitar
      neste nosso país vai encontrar
      confiança, respeito e amizade
      tem o pão repartido na metade
      tem o prato na mesa, a cama quente:
      brasileiro será irmão da gente
      venha cá, que será bem recebido…
      imagine o Brasil ser dividido
      e o Nordeste ficar independente.

      Eu não quero com isso que vocês
      imaginem que eu tento ser grosseiro
      pois se lembrem que o povo brasileiro
      é amigo do povo português.
      Se um dia a separação se fêz
      todos dois se respeitam no presente
      se isso aí já deu certo antigamente
      nesse exemplo concreto e conhecido,
      imagine o Brasil ser dividido
      e o Nordeste ficar independente.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  4. Parabéns, Aristeu, pela excelente postagem,
    POESIA PURA DOS POETAS DO SERTÃO!

    Gostei imensamente da seleção de poetas, como também de todos os versos em bonitas sextilhas.

    Destaco os versos do poeta Rubens do Valle, que diz:

    “Ser poeta é viver sempre
    Nutrindo os próprios valores
    Cantando as mágoas alheias
    Alimentando os amores
    Expressando a dor dos outros
    Pra esconder suas dores.”

    Uma ótima semana, com saúde, inspiração e paz!

    • Violante,

      Grato por suas consideraçõe sobre essa seleção de estrofes dos nossos cantantadores nordestinos. Saiba que recebo com muita alegria seu incentivo através de palavras com energia do mais alto padrão. Vejo no Jornal da Besta Fubana uma vitrine para mostrar ao leitor toda beleza da poesia popular e do maravilhoso universo do repente.

      Rubens do Valle é filho do genial João Paraibano (1952 – 2014).É um talento que tem DNA nas veias e está fazendo seu nome no admirável universo do repente. Compartilho o seguinte mote glosado por Rubens do Valle:

      Sem Papai hoje estou me alimentando
      Das migalhas que encontro na saudade.

      O desejo de ter o seu abraço
      Me conduz ao porão das emoções
      Impotente não tenho condições
      De trazê-lo no tempo e no espaço
      Coração já não bate no compasso
      Me alimento do tempo sem vontade
      Contudo o espírito em liberdade
      Lhe abraça quando eu estou sonhando
      Sem Papai hoje estou me alimentando
      Das migalhas que encontro na saudade

      Desejo uma semana plena de paz, saúde e alegria!

      Aristeu

      • Obrigada, Aristeu, por compartilhar comigo este lindo mote e belíssimas e emocionantes glosas do grande poeta Rubens do Valle, filho do genial repentista João Paraibano (1952 – 2014).
        Estou encantada com a poesia de Rubens do Valle!

        Desejo também a você, uma semana plena de saúde, inspiração, alegria e paz!

  5. A cantoria, também conhecida como repente, é uma arte poético- musical comum no Nordeste brasileiro, bem como em locais que receberam grandes contingentes de migrantes nordestinos, como São Paulo e o Distrito Federal. Acompanho há muito tempo essa modalidade poética.

    Seus praticantes são chamados de repentistas, cantadores ou violeiros e cantam sempre em dupla, alternando-se na composição de estrofes de acordo com parâmetros rígidos de métrica, rima e coerência temática. Há um conjunto de regras formuladas nesse sentido, mas os repentistas improvisam seus versos a partir de fundamentos práticos como o ritmo poético incorporado. O improviso coloca o repentista em relação com modelos estéticos como o ritmo da poesia, os padrões melódicos e as regras da cantoria, ao mesmo tempo em que o põe em diálogo com o outro cantador e com as demandas e reações da platéia.

    Escolher uma dessas estrofes seria uma injustiça quando temos tantos versos maravilhosos. Deixo, aqui, meu agradecimento pela publicação que, com certeza, irá fazer os leitores se interessarem pela magia do repente.

    • Vitorino,

      É gratificante receber um admirável comentário de quem conhece e acompanha o repente desde sua mais tenra idade. Você já teve oportunidade de assistir os melhores cantadores de viola de mais de uma geração. O seu texto nesse espaço democrático me orienta quanto as minhas postagens porque o nosso desejo constitui tornar os repentistas visíveis para um público cada vez sedento da poesia de boa qualidade, beleza e conhecimento.

      Compartilho com o prezado amigo uma história de um dos irmãos Batista.
      Otacílio Batista Patriota (1923-2003), o mais novo dos famosos irmãos Batista (completando a tríade temos Lourival, conhecido por Louro do Pajeú, e Dimas), foi convidado pela Arquidiocese de Fortaleza para cantar em homenagem ao Papa João Paulo II (1920 – 2005) no dia 9 de julho de 1988.

      O Papa João Paulo II celebrou uma missa no estádio Castelão. Otacílio Batista aproveitando ser o Ano Internacional da Criança fez um apelo em nome das crianças carentes e disse estas duas estrofes que emocionarm o Sumo Pontífice:

      No ano internacional
      A criança continua
      Apodrecendo na rua
      Num sofrimento geral
      Sem leito, sem hospital
      Apanhando pelo chão
      Alguns farelos de pão
      Que o burguês da casa rica
      Joga fora quando fica
      Sobrando para o seu cão.

      É a santa poesia, a mensageira
      Da pobreza mais pobre do país
      É pequeno o poeta que não diz
      Quanto sofre a criança brasileira
      Ninguém pode viver dessa maneira
      Sem um teto, sem lar, sem pão, sem nome
      Quem é filho de rico bebe e come
      Quem é filho de pobre não escapa
      As crianças sem papa pedem ao Papa
      Santo Papa dê papa a quem tem fome.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

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