Das Utopias
Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
Relógio
O mais feroz dos animais domésticos
é o relógio de parede:
conheço um que já devorou
três gerações da minha família.
Envelhecer
Antes todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm
A casa é acolhedora, os livros poucos,
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
Como perdoar aos inimigos
Perdoas… és cristão… bem o compreendo…
E é mais cômodo, em suma.
Não desculpas, porém, coisa nenhuma,
Que eles bem sabem o que estão fazendo…
Da condição Humana
Se variam na casca, idêntico é o miolo.
Julguem-se embora de diversa trama:
Ninguém mais se parece a um verdadeiro tolo
Que o mais sutil dos sábios quando ama.
O Gato
O gato chega à porta do quarto onde escrevo.
Entrepara… hesita… avança…
Fita-me.
Fitamo-nos.
Olho nos olhos…
Quase com terror!
Como duas criaturas incomunicáveis e solitárias
Que fossem feitas cada uma por um Deus diferente.
Mário Quintana (1906 – 1994) foi um poeta, tradutor e jornalista brasileiro. Mestre da palavra, do humor e da síntese poética, em 1980 recebeu o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras (ABL) pela obra total. Em 1981, foi agraciado com o prêmio Jabuti de Personalidade Literária do Ano. Sua biografia é tão singela quanto seus poemas: não casou, não teve filhos, viveu boa parte da vida em quartos de hotéis, passeava pelas ruas de Porto Alegre como qualquer anônimo e da cidade constituiu uma figura lendária. Faleceu na capital gaúcha no dia 5 de maio de 1994, aos 87 anos, em decorrência de problemas cardíacos e respiratórios, deixando uma inestimável e singular contribuição para a literatura brasileira.
A homenagem a Mário Quintana faz justiça a quem foi considerado um dos maiores poetas do século XX. Considero a obra Caderno H o melhor livro de Mário Quintana. Ele reuniu poemas em prosa, alguns longos e outros curtos, mas com dimensão e densidades poéticas e geralmente irônicos. Os poemas desse ótimo artigo são todos bons, entretanto Como perdoar aos inimigos é o meu preferido: Perdoas… és cristão… bem o compreendo…/E é mais cômodo, em suma./Não desculpas, porém, coisa nenhuma,/Que eles bem sabem o que estão fazendo…
Marina,
Agradeço as suas considerações sobre Mário Quintana (1906 – 1994), principalmente, sobre o livro Caderno H. Saiba que ao ler os versos do poeta gaúcho Mário Quintana sendo motivo de análises pelos leitores fubânicos me deixa feliz.
Aproveito a oportunidade para compartilhar um poema do brilhante poeta e inesquecível poeta do Rio Grande do Sul com a prezada amiga:
Seiscentos e Sessenta e Seis
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
Saudações fraternas,
Aristeu
O artigo de hoje sobre os poemas curtos de Mário Quintana está fazendo um tributo a um grande poeta. Um episódio que vale a pena descrever é a tentativa de Mário Quintana em entrar para a Academia Brasileira de Letras. Por três vezes, O poeta gaúcho tentou fazer parte da ABL. Jamais perdoou os acadêmicos da desfeita. No dia 25 de agosto de 1966, Mário foi saudado na sessão da Academia por Augusto Mayer e Manuel Bandeira, que lê um poema de sua autoria. Convidado para se candidatar pela quarta vez, Mário recusou o convite. O meu poema preferido dessa seleção de poemas curtos de Mário Quintana é o que faz uma reflexão sobre envelhecer: Antes todos os caminhos iam./Agora todos os caminhos vêm/A casa é acolhedora, os livros poucos,/E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
Edmilson,
Grato pelo comentário muito bom sobre o grande poeta gaúcho e, principalmente, por contar a circunstância da tentativa de acesso de Mário Quintana (1906 – 1994) na Academia Brasileira de Letras. Acredito que nossa ABL perdeu a chance de ter entres seus membros um poeta cujo legado literário é atemporal, e continua fazendo sucesso com leitores de todas as idades.
Compartilho um poema do grande poeta Mário Quintana (1906 – 1994) com o prezado amigo:
O pobre poema
Eu escrevi um poema horrível!
É claro que ele queria dizer alguma coisa…
Mas o quê?
Estaria engasgado?
Nas suas meias-palavras havia no entanto uma ternura mansa como a que se vê nos olhos de uma criança doente, uma precoce, incompreensível gravidade
de quem, sem ler os jornais,
soubesse dos sequestros
dos que morrem sem culpa
dos que se desviam porque todos os caminhos estão tomados…
Poema, menininho condenado,
bem se via que ele não era deste mundo nem para este mundo…
Tomado, então, de um ódio insensato,
esse ódio que enlouquece os homens ante a insuportável
verdade, dilacerei-o em mil pedaços.
E respirei…
Também! quem mandou ter ele nascido no mundo errado?
Saudações fraternas,
Aristeu
O escritor gaúcho Mario Quintana tem sua importância como poeta modernista; a predileção por uma escrita coloquial, mas, ao mesmo tempo, sensível e profunda. O seu trabalho como tradutor foi responsável pela primeira tradução de autores como Voltaire, Virginia Woolf e Marcel Proust no Brasil. Esse meu conhecimento vem do fato de ser uma fã e leitora da sua obra. Gosto tanto dos seus poemas que estou sempre relendo e tendo uma visão diferente a cada releitura. Os poemas selecionados para o artigo me deixaram encantada e me agradou bastante o que fala sobre utopias: Se as coisas são inatingíveis… ora!/Não é motivo para não querê-las…/Que tristes os caminhos, se não fora/A presença distante das estrelas!
Dione,
É gratificante saber que você é uma leitora e fã do poeta Mário Quintana. Os livros desse escritor gaúcho estão na minha biblioteca e são lidos por prazer e para pesquisar artigos com a finalidade de publicar no Jornal da Besta Fubana. Muito obrigado, cara amiga, por lembrar o trabalho de tradutor desse magnífico poeta.
Compartilho um soneto de Mário Quintana (1906 – 1994), construído a partir de uma linguagem simples e informal, com a prezada amiga:
A Rua dos Cataventos
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meus cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arrancar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
Saudações fraternas,
Aristeu
Mário Quintana não se casou nem teve filhos. Solitário, viveu grande parte da vida em hotéis: de 1968 a 1980, residiu no Hotel Majestic, no centro histórico de Porto Alegre. Mário Quintana era genial. Certa vez, um jornalista perguntou ao poeta: “Por que o senhor nunca se casou? ” Ele respondeu: “Sempre preferi deixar dezenas de mulheres esperançosas do que uma só desiludida”. Os poemas curtos do artigo dispensam comentários, mas um deles – Da condição humana – chamou a minha atenção e faço questão de transcrever: Se variam na casca, idêntico é o miolo./Julguem-se embora de diversa trama:/Ninguém mais se parece a um verdadeiro tolo/Que o mais sutil dos sábios quando ama.
Fernando,
Gostei demais da conta do acontecido quando um jornalista perguntou ao poeta: “Por que o senhor nunca se casou? ” Mário Quintana (1906 – 1994) respondeu de forma inteligente e bem humorada. Ele era um homem de bem com a vida, e seu bom humor pode ser apreciado nos seus versos. Sou suspeito de comentar sobre esse poeta gaúcho, pois sou leitor voraz dos seus livros e fã incondicional da sua arte de viver.
Aproveito a oportunidade desse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar um poema de Mário Quintana (1906 – 1994) com o prezado amigo:
Confissão
Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece…
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!
Saudações fraternas,
Aristeu
Parabéns, Aristeu, pela excelente postagem, “POEMAS CURTOS DE MÁRIO QUINTANA”!
Gostei imensamente.
Mário Quintana (1906 – 1994), poeta, tradutor e jornalista brasileiro, foi mestre da palavra, do humor. e da síntese poética. Foi agraciado, em 1980, o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras (ABL) pela obra total. E em 1981, com o prêmio Jabuti de Personalidade Literária do Ano.
Não casou, não teve filhos, e viveu boa parte da vida em quartos de hotéis.
Passeava pelas ruas de Porto Alegre como qualquer anônimo.
Faleceu aos 87 anos, em decorrência de problemas cardíacos e respiratórios, deixando uma grande lacuna no cenário literário brasileiro…
Destaco este belo poema curto de Mário Quintana:
“Das Utopias
Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!”
Uma ótima semana, com muita saúde e Paz!
Violante,
É muito prazeroso ler o seu comentário com palavras generosas a respeito dessa seleção de poemas curtos de Mário Quintana (1906 – 1994). Aproveito a oportunidade para compartilhar um poema do talentoso poeta gaúcho cujo título é “Canção do dia de sempre”.
O poema é um convite ao leitor para se sentar ao seu lado com a finalidade de refletir sobre a vida.
Já no primeiro verso somos orientados a viver um dia de cada vez, extraindo beleza de cada instante e vivendo-o como se fosse único. Conseguindo encontrar encanto no cotidiano a vida fica mais fácil, é o que assegura o poeta.
Outra imagem habitual na poesia de Quintana é a presença do rio como algo em permanente mudança e que nunca é capaz de ser capturado. O rio é considerado, portanto, uma metáfora da vida, em constante transformação…
Canção do dia de sempre
Tão bom viver dia a dia…
A vida, assim, jamais cansa…
Viver tão só de momentos
Como essas nuvens no céu…
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência… esperança…
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…
Desejo uma semana de paz, saúde e harmonia
Aristeu
Obrigada, Aristeu, por compartilhar comigo este belíssimo poema “Canção do dia de sempre”, do grande poeta gaúcho, Mário Quintana!
Gostei muito da sua análise do poema, quando diz:
“Outra imagem habitual na poesia de Quintana é a presença do rio como algo em permanente mudança e que nunca é capaz de ser capturado. O rio é considerado, portanto, uma metáfora da vida, em constante transformação”
Uma ótima semana para você também, com paz, saúde e harmonia!