Há quem sonhe com um entendimento entre a direita e a esquerda, pretenda uma conta de chegar, acredite em uma aproximação.
É que pensam, não sei se muitos ou poucos, que ambas as facções têm coisas boas, de modo que a direita poderia assimilar pensamentos e políticas de esquerda e vice-versa.
Exemplifica-se com o fato de governos de direita virem mantendo ou adotando políticas praticadas inicialmente pelas esquerdas, como é o caso, no Brasil, da manutenção pelo atual governo do programa Bolsa Família.
E há, mesmo, quem afirme que neste caso o presidente Bolsonaro foi mesmo capaz de aprimorar o Bolsa Família, instituindo uma espécie de “décimo-terceiro salário”.
O fenômeno científico eventualmente engana o pesquisador, de modo que mesmo nas ciências exatas por vezes se toma causa por efeito e efeito por causa. E basta uma leve variável nos métodos para que os resultados sejam diferentes.
Nas ciências humanas, as variáveis são mais elásticas, dado que nelas as relações de causa e efeito são menos exatas, do que decorre mesmo a classificação das ciências como naturais e sociais.
Digo isso para significar que, embora a aparência, neste exemplo concreto, seja de que a direita assumiu em sua filosofia e prática um posicionamento da esquerda, essa “mistura” é apenas aparente: o conteúdo do pensamento de direita, mesmo quando se utiliza de tais recursos alheios a sua ideologia, permanece inalterado, e a prática, ainda nesse caso, é adotada apenas como uma forma de sobrevivência no poder.
Imaginem que no primeiro dia de Bolsonaro ele informasse que extinguiu o Programa Bolsa Família! Poderia continuar pensando em 2022? Claro que não.
Mas, não se perde por esperar. Água e óleo não se misturam. Agitados os dois líquidos em conjunto, as gotículas se entremeiam, mas basta parar o movimento e a separação volta a ser total.
Assim é na política: aos poucos, vai-se comendo pelas beiradas. Se não em quatro anos, em oito ou doze, a manutenção da direita no poder deverá mostrar totalmente a sua cara, por enquanto apenas vislumbrada.
Estas elucubrações me vêm à mente no momento em que assisto pela TV a uma reunião emergencial do presidente da república com governadores do Norte do Brasil para o enfrentamento do desmatamento e do fogo na floresta amazônica (que de resto afeta outras regiões, como a mata atlântica e o cerrado).
Então, no decorrer da reunião, enquanto Bolsonaro deixava claro que mantém seu entendimento de que esse negócio de ter de entregar territórios a índios só atrapalha o desenvolvimento nacional, uma pessoa defensora das políticas direitistas expressou ao meu lado, assistindo a TV, sua filosofia em voz alta, indagando:
– Para quê os índios querem mais terra?
Preferi não entrar em debates. Definitivamente, óleo e água não se misturam.