CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

Republicado a pedido

Cartaz de Unforgiven – Os Imperdoáveis – (1992)

OS IMPERDOÁVEIS (1992)) foi, talvez, o último filme de faroeste digno desse gênero clássico genuinamente americano, onde eram apresentados, na tela grande, os mocinhos e os bandidos do velho oeste sem glamour.

Nesse faroeste Clint Eastwood vive um ex-pistoleiro, viúvo e pobre. Cria dois filhos pequenos num rancho até se ver forçado a voltar à ativa por convite de um principiante querendo se firmar na “profissão” e ganhar dinheiro.

O filme reverencia o gênero ao mesmo tempo em que desmistifica o Velho Oeste, retratado como lugar sujo e brutal. Realizado em fabulosas locações em Alberta, Canadá. No final, o filme é dedicado aos mentores de Clint Eastwood como os diretores Sérgio Leone e Don Siegel, que com certeza ficariam muito orgulhosos de seu discípulo e assinariam embaixo seus feitos.

Três homens em busca de uma recompensa. Não se engane. Este não é um filme previsível. Pelo contrário, nos surpreende a cada instante. Clint Eastwood mais uma vez consegue nos envolver. Os mil dólares oferecidos, na verdade, representam a busca de três homens pelo real sentido da vida.

OS IMPERDOÁVEIS é uma desconstrução do gênero western. Os matadores de sangue frio do Velho Oeste selvagem, sempre mostrados nas telas do cinema como atiradores perfeitos, que nunca erram o tiro, como na Trilogia dos Dólares de Sergio Leone. Nesse western, vemos algo diferente. Um homem alterado pelo tempo e pela sua consciência, que não consegue montar no próprio cavalo, nem atirar direito. Seu amigo, Ned Logan, (Morgan Freeman), por exemplo, não tem mais o sangue frio do matador cruel, Frank (Henry Fonda), de ERA UMA VEZ NO OESTE, obra-prima de Leone, nem mais dar um tiro letal, mesmo contra o suposto homem que teria retalhado, ou ajudado a retalhar o rosto de uma prostituta. O terceiro sofre com sua primeira morte como qualquer mortal sofre, além de ter uma visão deficiente, fazendo desses um trio de mercenários um tanto quanto humano e bem dos problemáticos.

No núcleo do filme, ver-se um xerife que humilha um homem que era conhecido como uma lenda, suas histórias estavam sendo passadas para o papel por seu escritor particular, segundo suas versões. Desmascarado, ver-se que a famosa frase “The Man Who Shot Liberty Valance” (O Homem que atirou em Liberty Vavence) se aplica aqui. “Quando a lenda se torna fato, publique-se a lenda.” Mas a lenda é desmistificada e o ídolo do escritor se mostra uma fraude.

Outro elemento interessante e importante do filme é como as histórias podem ser exageradas ao se passarem de boca em boca. Uma prostituta teve o rosto cortado, e, em seguida espalha-se que todo corpo dela foi cortado, menos a vagina. Impressionante como os boatos acumulam falácias em suas versões mais recentes, conforme vão passando de boca em boca no tempo. Esse pode ser um dos elementos de criação de lendas de personalidades que realizaram feitos exorbitantes no oeste, ou em outras épocas. Às vezes, nem mesmo a própria pessoa que faz tais feitos, deve saber o que fez, por estar bêbada no momento ou por fazer muito tempo e ela acaba se tornando a lenda.

Disse o personagem Lette Bill, num dos diálogos do filme, depois de perguntado por seu alvo:

“Você é William Munny, assassino que matou mulheres e crianças!”

Resposta: “Isso mesmo, já matei mulheres e crianças e quase tudo o que se rasteja, e estou aqui para matar você.”

Voltando ao filme, o final trás uma ressurreição do velho Willian Munny ao saber que seu amigo foi morto pelo xerife. Gratificação, é o que se sente ao ver Munny dar de garra da garrafa de whisky, tento-a negado o filme todo. Sua raiva e seu desejo de sangue e vingança agora são maiores do que qualquer controle. O whisky traz de volta sua mira, sua habilidade de montaria, tudo, o whisky traz de volta sua alma de matador. Ele traz de volta o oeste sanguinário que vivia adormecido em Munny, sem o oeste, sem sua alma verdadeira, ele seria incapaz de fazer tais feitos. Ele estava tão fundo em seu novo “eu”, o Willian Munny moldado por sua esposa, Anna Levine, no papel de Delilah Fitzgerald, que ele era um assassino ineficiente. Agora, o whisky foi apenas a chave para aflorar tudo aquilo que estava adormecido nele.

Clint Eastwood retornou ao gênero depois de tanto tempo sem atuar. Ele queria marcar com sua volta com algo palpável. E marcou com a maior obra-prima do western revisionista por ser exatamente um filme de não cowboys de mira perfeita e sangue frio, mas tornando as lendas do oeste, entre elas a maior delas, Clint Eastwood, mais humanos, menos super heroico, e mais realista. Deve-se aceitar, pois afinal de contas, nossos heróis envelhecem, mas as lendas não morrem.

a) Trailer Oficial de Os Imperdoáveis

b) Um Olhar Sobre Os Imperdoáveis

12 pensou em “OS IMPERDOÁVEIS (1992) – “O ÚLTIMO GRANDE FAROESTE?”

    • Caríssimo José Roberto,

      Nunca é tarde para agradecer umas palavras efetivadas, escritas sobre algo relevantemente necessário.

      Sim! “Os Imperdoáveis” foi sem dúvida o último grande filme de faroeste lançado nas telonas, pelo discípulo do genial Sergio Leone, que revolucionou o mode de se fazer “Far West.”

      Saudações fraternais, amigo. E obrigado pelo comentário respeitoso.

    • Coincidência das coincidências… Ontem também vi o Filme “Cry Macho”.

      Cabras machos e bons esses Benis, Matts, Ciços e Clints (as lendas não morrem.)

      • Mestre Sancho Panza.

        Cababom na formulação dos argumentos.

        Apesar dos mais de 90 o velho jovem Clinti ainda conserva o cérebro produtivo, mesmo com o corpo não mantendo mais o equilíbrio da época dos “dólares” de Leone.

    • Caríssimo Beni Tavares,

      Sem hesitação.

      Considero “Os Imperdoáveis” o último filme de faroeste depois do apogeu dos anos 30, 40, 50, 60 e 70, épocas em que se produziam filmes para ficarem na história.

      Hoje a tecnologia não deixa mais o cineasta pensar. Já está tudo pronto sobre o comando de um robô que é herói e vilão ao mesmo tempo.

      Lamentável!

      Forte abraço, estimado comentarista e brigadão pela curtida.

  1. E importante notar que esse texto não é apenas uma resenha sobre o importante
    filme Os Imperdoáveis. É muito mais, posso afirmar com conhecimento de causa, pois já escrevi dezenas de resenhas sobre filmes de todos os gêneros, que um texto como esse , nos leva literalmentge dentro do cenário e personagens do filme, com todos os vivenciamentos acontecidos e mostrados com genialidade pelo ator e diretor Clint Eastwood, no que resultou no último e talvez definitivo filme do
    gênero Western, talvez porque nenhum outro diretor deseja sua obra ser comparada com essa obra prima westerniana.
    O interessante é que esse filme foi premiado com o Oscar de melhor filme do ano
    e um outro grande filme do gênero também foi premiado como o melhor filme
    dois anos antes, o belíssimo filme Dança com lobos
    do consagrado ator e diretor Kevin Costner, Não sei porque, depois desses dois grandes triunfos do gênero western, nada mais relevante foi produzido
    o que tem deixado uma grande lacuna na produção cinematográfica atual.
    Felizmente, temos grandes redatores que nos mantém atualizados sobre os
    grandes produções do cinema atual, com grande conhecimento do assunto
    retratado.
    Obrigado amigo Cícero, por mais essa prova de amor ao cinema de filmes
    bang bang , que nos relembram à nossa infância que nos traz saudades das
    inolvidáveis matinês de domingo.

    Abraços westernianos.

    • Estimadíssimo D.Matt.,

      Seus comentários têm a grandeza de um script à era uma vez no oeste, que foi desenvolvido a seis mãos, por isso mesmo foi que se tornou um western eterno, uma obra-prima, uma clássico, um monumento.

      Obrigado, amigo, pelo inteligente comentário, que acresceu mais subsídios a essa obra extraordinária do discípulo de Sergio Leone.

    • Seus cumprimentos sinceros valem ouro, mestre Brito.

      “Os Imperdoáveis” é eterno. Não vai existir outro.

      Talvez seja mesmo o último grande faroeste. Hoje, numa maquete de programação de computação o diretor e a equipe de colaboração desenvolvem um duelo à Era Uma Vez No Oeste, mas sem sentimento, sem suor, sem sol, sem poeira, sem cinema.

      Uma pena! A tecnologia acabou com a virilidade johnfordiana, leoneana…

  2. O Mestre Cícero nos brinda com o antológico filme do ramo faroeste.

    Este filme sempre vai valer a pena ver de novo.

    Parabéns!!!

  3. Valeu o comentário, mestre Marcos André M. Cavalcanti, que só fez enriquecer esse que já nasceu eterno: “Os Imperdoáveis.”

    Brigadão, amigo!

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