CARLOS EDUARDO SANTOS - CRÔNICAS CHEIAS DE GRAÇA

Brônquios de um peixe semelhante à baleia

Certa feira, na década de 70, fizemos uma visita a João Pessoa, onde fomos ver a suposta “pesca da baleia”, a pedido de amigos do Rio de Janeiro.

Era inverdade o que diziam algumas agências de turismo. Não deveriam promover a Paraíba daquela maneira, pois, o que se veria não era a pesca propriamente dita, mas a chegada dos animais abatidos e sua industrialização, o que se tornou para mim um espetáculo, tenebroso.

O que se chamava “caça às baleias” era a visão de uma atividade industrial desenvolvida no distrito de Costinha, proximidades de João Pessoa.

O auge da industrialização aconteceu quando a Copesbra – Cia. de Pesca Norte do Brasil, fábrica de capital japonês, estabeleceu uma base naquele distrito, em 1958, que na verdade era uma subsidiária da Nippon Reizo KK, onde só se via japonês trabalhando.

Segundo registros oficiais a Copesbra havia pescado 793 baleias até 1974. O óleo e a carne eram exportados para o Japão.

Depois de um giro na acolhedora capital da Paraíba, fomos à praia de Costinha, para ver a chegada das baleias capturadas. Esperamos até o começo da madrugada quando o primeiro dos dois navios chegou.

Lá já estavam vários grupos de turistas. Participei de um espetáculo que jamais desejei ver novamente. Os animais serviam como partícipes de um espetáculo de horrores.

Era madrugada quando um pequeno navio pesqueiro japonês aportou, trazendo penduradas pelos lados de fora da embarcação, quatro baleias. Começa o desembarque, iniciando-se em amplo pátio próximo ao cais, o drama. Homens e máquinas começam a processar a industrialização, cortando o animal em pedaços.

Eu e as outras pessoas que me acompanharam jamais havíamos visto de perto um daqueles animais, e por isso a grande curiosidade. Sabíamos que as baleias não eram animais agressivos e isto aumentou a angústia das pessoas que estavam comigo.

Um guindaste retira do navio a primeira baleia, que é jogada em cima de um grande tablado de piso metálico, onde a serra elétrica cortava a parte da cabeça, enquanto outros operários especializados – todos japoneses – vão conduzindo mangueiras d’água de grande potência, que afastavam o sangue.

Dentro de 30 minutos só havia pedaços, que eram colocados em caixotes de plásticos que depois seguiriam para o porto em caminhões frigoríficos, com destino aos mercados do exterior.

Saímos logo que vimos o primeiro sacrifício. Todos os turistas estavam tristes. Na rua, numa loja comercial, ao lado havia uma vasta quantidade de material que os visitantes compravam para servir como peças de enfeite.

Fascinado, comprei uma guelra de baleia, fim de decorar a parede de nossa sala.

O vendedor transformava as guelras que eram postas à venda, prendendo-as com um grampo, de forma que ela tomava um jeito arredondado e encantador.

Mantive o adorno em casa por algum tempo, mas depois me livrei dele, porque todas as vezes que o apreciava me lembrava do sofrimento das baleias.

17 pensou em “OS BRÔNQUIOS DA BALEIA

    • Caro Elton,

      Todas as vezes que pessoas como nós vemos uma covardia assim, nos vem à mente a única maneira de traduzir nossa revolta: o amargo silêncio.

      Grato pela leitura de m. crônica.

      Bom domingo.

  1. Acho que você sentiu o que eu sentiria naquele momento na Copesbra . Um gosto amargo de fel e um nojo de tudo aquilo.
    O Japão tem uma tradição de séculos de caça às baleias. Após a Segunda Guerra Mundial, enquanto o país lutava para alimentar sua população, a carne de baleia se tornou um alimento básico da mesa japonesa.
    Felizmente, por mais de 30 anos, os pescadores não tiveram permissão para caçar baleias na costa do Japão. O país se inscreveu na Comissão Baleeira Internacional (IWC) após décadas de sobre pesca que levou as populações de baleias à beira da extinção.
    Infelizmente, em julho de 2019, os baleeiros japoneses partiram mais uma vez, apesar da queda na demanda pela carne. E justificam ser “cultura e o modo de vida que serão repassados para a próxima geração”. Mesmo sabendo que grande parte da população japonesa considera que esse animal uma dádiva do oceano.
    Ainda bem que o Brasil acordou e proibiu a prática de pesca de baleias em 1985, através da Lei Gastone, do então deputado federal Gastone Righi, e em 2008 foi assinado um decreto que determina toda a zona costeira como santuário de baleias e golfinhos.

    • Caro amigo Deco,

      Numa rápida pincelada para a História v. deu u’a mostra do que os animais sofrem na unha do homem.

      Grato pela leitura e comentário.

      Bom domingo,

      Carlos Eduardo

  2. Felizmente nunca tive o desprazer de presenciar tal barbaridade. Imagino o quão desagradável foi tua experiência.

    Graças a Deus isso está proibido em quase todo o mundo.

    Me permita uma possível correção: baleias são mamíferos; possuem pulmões e respiram oxigênio quando vêm à superfície. Não tem guelras.

    Se eu estiver errado, por favor me desculpe.

    Um abraço

    • Caro Pablo,

      Seu espírito aguçado exibe uma afirmativa real. Baleias não tem guelras.

      Meu erro consistia na informação errada que recebi no local – e são decorridos mais de 40 anos – quando o homem me vendeu a peça como sendo guelra, que no título da crônica usei brônquios.

      Grato pela aula.

      Bom domingo!

  3. Meu Senhor, esquartejar vivos esses pobres e magníficos animais já foi considerado “turismo”?! Isso é caso de Ponerologia. É um circo tétrico de horrores, a antessala do calabouço do demônio.

    O autor do texto foi nobre ao se desfazer de seu macabro “souvenir”.

    • Caro Nijolai

      Estamos bem afinados quanto aos procederes espirituais a respeito do tratamento que damos aos nossos irmãos dotados de inteligência e meios de comunicação direta conosco.

      Por mim estaríamos todos comendo frutos.

      Já pensou o que é matar boi, animal tão manso, que pouco mal faz à natureza… Sem falar nuns peidinhos discretos que fodem a camada de ozônio?!

      Infelizmente fui inserido numa sociedade que procede de modo criel.

      Bastaria “comer” as “gatas”…

      Bom domingo e obrigado por sua leitura e comentário.

      Carlos Eduardo

  4. Parabéns pela perfeição do texto, prezado colunista Carlos Eduardo Santos.

    Eu também não teria estômago, para presenciar esse tipo de cena…

    Lembrei-me de uma frase muito verdadeira, em defesa dos animais:

    “Quando o homem mata o tigre, é esporte. Quando o tigre mata o homem, é ferocidade.”
    (George Bernard Shaw)

    Grande abraço, e um feliz fim de semana!

    • Estimada Violante,

      junto ao raciocínio de Shaw, adiciono um do notável Olavo de Carvalho:

      “Um tigre pode matar outro tigre. Mas qual tigre conseguiu jamais matar milhões de tigres?”

      Eu nunca vi sentença que pudesse nos distinguir tão claramente.

      • Essa máxima, do genial Olavo de Carvalho, também é muito verdadeira.

        Como diz o velho ditado popular: “Uma andorinha só, não faz verão.”

        Obrigada, prezado Nikolai, e um excelente final de semana!

    • Caríssima Violante.

      Tenho resistido às crônicas de pouco significado social e muita alegria, para aliviar um pouco estes momentos de tanta tristeza e isolamento.

      Mas preciso enfocar partes da vida – cujos episódios assisto há quase 85 anos – e esta foi uma das experiências que a ninguém recomendaria.

      Preciso trabalhar pelo próximo, tornando-me a “lanterna de popa” do barco “Vida”, que ilumina os que me sucedem, como diria o grande Pedro Nava.

      Grato pelo prestígio da leitura de tão ilustre e querida colega.

      Desejo um domingo de paz junto aos seus e às notícias péssimas que inundam as tvs.

      Carlos Eduardo

  5. Sr. Carlos Eduardo.
    Mais um belo texto de sua coluna: “Crônicas cheias de graça”. Com todo respeito e sem crítica alguma, por favor.
    Essa não teve tanta graça, né verdade? Desculpe, foi só pra não perder a oportunidade de brincar um pouco, mesmo sendo um assunto tão sério.

    Se naquela época era permitida essa caça-matança. Felizmente pouco tempo depois, nossos dirigentes, bem mais informados e acompanhando os diversos projetos e reivindicações mundiais, para cessarem à caça indiscriminada desse gigante mamífero dos oceanos. Aderiram aos tratados de proibição dessa pesca predatória.

    Queria dizer-lhe, também. Que mais ou menos nessa época, na década de 70. Acho que foi no ano de 1975. Estávamos, eu e meus primos, daí de João Pessoa. Saboreando churrasco e bife de carne de baleia. Muito saboroso por sinal. Bem aí, na cidade de Cabelo.

    Depois de uma pesca meio frustrada, de quase um dia inteiro. Onde, o que mais fizemos foi passear de barco. Tomar uns talagaços. Atrapalhar a pesca de pescadores profissionais, nos enganchando com o barco nas redes de espera dos mesmos e tivemos que sair corridos do local. Pura aventura.

    Na volta pra casa, como tava todo mundo solteiro. Não podíamos decepcionar as compreensivas patroas. Né verdade? Então nesse local vendiam-se peixes de todas as espécies e tamanhos. Escolhemos os mais vistosos. Pescador que se preza, não importa se foi comprado, tem que levar o melhor peixe pra sua mulher. Tratar, limpar e cozinhar. Fazendo a sua melhor receita. Concorda?
    Lá também vendia a carne de baleia. Se a pessoa quisesse eles faziam na hora. Por isso podemos experimentar.
    Bem acebolada. Fresquinha e bem vermelha. Sem gordura. Foi nosso aperitivo para algumas saideiras.

    Na chegada triunfal dos exímios pescadores e suas fartas pescarias. Entre mortos e feridos salvaram-se todos.
    Esse negócio de reclamar de tudo é coisa de mulher, não tem jeito. Mas, nóis num veve sem elas. Né mesmo?

    Forte abraço Sr. Carlos Eduardo. Perdão por ter tomado o seu tempo com essas minhas lembranças.
    Não dizem que recordar é viver?
    Agradeço imensamente ao senhor. Porque com sua crônica de hoje. Me fez lembrar e recordar de todos esses momentos maravilhosos junto aos nossos parentes em uma terra abençoada por Deus.
    Bom final de semana.

  6. Recife, 27.03.2021.

    Caro Luiz Carlos,

    A paga a um pseudo-escritor como eu, se faz pelos comentários sobre o que foi publicado.

    Aliás, é a gratificação maior.

    Portanto, quando o escrito atinge o coração do leitor e desperta-lhe a sensibilidade e as lembranças, não há felicidade maior.

    Tenho com a Paraíba – João Pessoas e cercanias, em particular – uma relação de afeto, como se homem e terra gente fossem da mesma cepa.

    Trabalhei alguns anos como auditor do Grupo Preserve, de segurança e transporte de valores, e todas às quintas-feiras eu rolava os pneus de uma velha Brasília e ali ficava até os sábados para conferir a movimentação da semana, orientando a moçada e discretamente “fiscalizando” os bens do patrão, que hoje está com 102 anos e bem vivo.

    Criei amor à terra e às gentes do lugar.

    Cometi alguns “pecados masculinos” leves, hospedando-me bem acompanhado, durante parte de certas noites, com criaturas admiráveis. Já viu!…

    De outras feitas, como jornalista, fiz incursões para reportagens; uma delas na Cia. de Construções Navais do Nordeste S.A., onde a Paraíba se iniciava naquele tipo de indústria, que infelizmente não prosperou face à pressão dos “trusts”.

    De outras, em regime particular, fiz turismo levando amigos do Sudeste para apreciar um passeio de barco até uma ilhota que se formava quando a maré estava cheia, numa das praias de sua magnífica orla; e ficamos bebericando no famoso “Bar de Onaldo”.

    Aliás, nome depois avacalhado por outro estabelecimento que se instalou à beira da estrada. um pouco antes, e teve a audácia de fixar uma placa muito chamativa: “Badionaldo”, a fim de confundir e atrair os turistas que para lá se dirigiam, um pouco antes do mais antigo e que fez História.

    Deu um bolo danado, indo a querela até a Justiça que de tão injusta – como se sabe – não deu ganho de causa ao legítimo Onaldo.

    Fico feliz em ter feito você retirar das gavetas dos seus tempos algumas lembranças adoráveis, oportunidade que aproveitei para desengavetar as minhas, dessa mesma fase de tempo.

    Grato por sua crônica, comentário que muito me anima a continuar escrevendo e despertando tudo quanto for bom em cada pessoa.

    Bom domingo, amigão!

    Carlos Eduardo

  7. Somos sempre alimentados de experiências e aprendizados ao longo de nossas vidas.
    Elas é que farão, sem dúvida, nos tornarmos sêres humanos melhores ou imprestáveis.

    O senhor ainda vai além, pois, nos convida, através das suas crônicas, textos e histórias.
    Para esse passeio etéreo pelas nossas existências, descortinando para todos nós, como num passe de mágica, mesmo que um pular de cerca e até perigosa, como aconteceu aí, comigo também. Torne-se, tudo,
    um mar de lembranças infinitas, cheias de encantos, inocências, bondades e de querermos revivê-las sempre.

    O senhor, pode ser comparado ao Mágico de Oz. Onde todos nós aqui nos colocamos como o espantalho, o homem de lata e o leão e sermos agraciados com o cérebro, o coração e a coragem advindos dos seus escritos.

    Uma boa noite para o senhor e um excelente Domingo.

  8. Desculpe. Esqueci de dizer. Não tem tanta importância.
    Mas, acabei conhecendo, em épocas diferentes. Tanto o “Bar
    de Onaldo” como o “Badionaldo”. As pessoas falavam sôbre esse entrevero.

    Aproveitando, parabéns pela abençoada idade do senhor que foi seu patrão.
    Parabéns ao senhor também, pelos momentos aí vividos. Em suas incursões tanto profissionais como turísticas.

    Não tem dinheiro mais bem gasto do que em viagens, em passeios, etc. E quando a gente une o útil ao agradável. Trabalhar, responsabilidade em primeiro lugar, lógico. E passear depois.
    O mesmo aconteceu comigo. Como eu tinha e tenho parentes aí em João Pessoa e Recife. Quando ía trabalhar pelo Nordeste, eu vibrava.

    Em João Pessoa, minha tia não admitia que eu ficasse em hotel nenhum. Se não fosse pra casa dela, meu tio e primos. Eles já reclamavam. Não tinha alternativa, mas eu adorava. Poder ficar junto aos meus parentes, matando as saudades. Não tinha preço.
    Primeiramente acertava com a empresa o não pagamento de hotel. Questão de princípios, né! Ficando apenas com as diárias de praxe.

    A outra situação é lidar com pessoas, em diversas áreas, o público de um modo geral.
    Relações de trabalho e negócios. A gente aprende muito. Lida com inúmeras correntes de pensamentos, estratégias e administração de empresas e de pessoas. É uma coisa cativante e desafiadora.

    Lembro-me, para ficar por aí mesmo pela Paraíba. Fomos fazer uma visita à pedido dos colegas representantes da nossa empresa aí em João Pessoa. O cliente era uma construtora de estradas. Cojuda era o nome e o dono da mesma era o Sr. Pedro Julião.
    Eles já avisaram com antecedência, que colegas também de outras praças e até da matriz já tinham ido e nada acontecera. O sinal verde, como demonstração de algum interesse comercial e financeiro. Seria o Dr. Pedro Julião convidar o visitante para comer um bode em sua fazenda.
    Sr. Carlos Eduardo. Não queira saber o que aconteceu.
    Nas despedidas formais da nossa saída da empresa.
    O Sr. Pedro Julião me falou, lembro até hoje, pois marcou muito, “se o senhor ficar por aqui no final de semana, está convidado para comer um bode na minha fazenda”. Foi a glória! Depois, eu e os colegas, ainda atordoados e impactados com o convite. Vibravámos iguais crianças. Infelizmente não pude comparecer, agradeci demais, porque tinha que seguir meu roteiro. No dia seguinte embarcaria para Natal e depois Fortaleza. Mais dois dias em cada cidade.
    E é isso Sr. Carlos Eduardo. Vivemos o presente para fazer o futuro com as experiências e aprendizados do passado. Não é verdade.
    Mais uma vez um bom domingo e abençoado por Deus.

  9. Recife, 29.03.2021

    Caro Luiz Carlos

    No comentário complementar à sua crônica, escrita em saudação à publicação que fiz nesta verdadeira Academia de Letras que é o Jornal da Besta Fubana,, observei seu caráter retilíneo ao dispensar a inclusão dos custos de hotel na Prestação de Contas de Viagem.

    Isto por ser um detalhe mas anuncia a maravilha do seu comportamento ético e moral.

    Depois, sua assertiva:

    “Vivemos o presente para fazer o futuro com as experiências e aprendizados do passado.”

    Notei que nossas lembranças estão postas num mesmo saco. Tudo o que passamos ficou gravado, é lembrado e relembrado em oportunidades que se apresentem, deixando exemplos magníficos para a posteridade e procurando orientar as pessoas.

    E no supra-sumo de seus comentários nota-se o domínio do vernáculo, quando apresenta frases encantadoras:

    “Um mar de lembranças infinitas, cheias de encantos, inocências e bondades, querendo revivê-las sempre.”

    Finalizando, receba meus cumprimentos acrescentando que sou-lhe sumamente agradecido pelo respeito e palavras tão enternecedoras.

    Cordialmente,

    Carlos Eduardo.

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