JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Henrique da Rocha Lima nasceu no Rio de Janeiro em 24/11/1879. Médico sanitarista, patologista, bacteriologista, cientista e descobridor da bactéria Rickettsia prowazekii (causadora da doença tifo). Junto com Oswaldo Cruz, Adolfo Lutz e Carlos Chagas, entre outros, ajudou a criar a Fundação Oswaldo Cruz. Dirigiu o Instituto Biológico (SP) e foi o principal incentivador das relações médico-científicas entre o Brasil e a Alemanha. Considerado o “Embaixador da Medicina Brasileira” na Europa, projetou o Brasil no cenário científico internacional.

Filho do famoso médico Carlos Henrique da Rocha Lima, um dos fundadores da Policlínica do Rio de Janeiro; estudou no Colégio Brasil-Alemão, em Petrópolis e graduou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1901, com a tese “Esplenomegalia nas infecções agudas”. Ainda estudante conheceu o Instituto Soroterápico; foi seduzido pelo carisma de Oswaldo Cruz e pela “Revolução Pasteuriana”, com o advento do microscópio. Em 1903 foi estagiar na Alemanha, no Instituto de Higiene de Berlim, nas áreas de microbiologia e anatomia patológica. Na volta, foi trabalhar no Instituto Soroterápico, em 1903, e tonou-se o principal colaborador de Oswaldo Cruz, que acumulava o cargo de Diretor Geral da Saúde Publica. Nesse período, enquanto Cruz se digladiava com os políticos no combate à epidemia de febre amarela, ele substitui-o na direção do Instituto nas suas ausências. Lembremos que em 1904, deu-se a “Revolta da Vacina”

Em 1906 voltou à Alemanha e ficou sabendo do Congresso Internacional de Higiene e Demografia, à realizar-se em 1907. Convenceu Oswaldo Cruz a levar o Instituto Soroterápico para participar do Congresso e conquistou mais espaço e melhor apresentação junto aos organizadores do Congresso. Assim, o Brasil foi premiado com a “Medalha de Ouro” na exposição. Não foi fácil para Oswaldo Cruz conseguir recursos para a participação junto ao governo brasileiro, nem para ele convencer os alemães, que tinham uma visão pouco satisfatória dos avanços da medicina no Brasil. Tal participação fez com que o Brasil ficasse conhecido no exterior por suas realizações em saúde publica e pesquisas científicas na área médica, projetando o Instituto Soroterápico no cenário internacional. A premiação foi crucial para que o governo brasileiro visse o Instituto com outros olhos e conseguisse os recursos necessários para sua restruturação e ampliação, que andavam emperradas na burocracia estatal. Logo após a reforma, em 1908 a entidade passou a chamar-se “Instituto Oswaldo Cruz”. Em tais condições Rocha Lima pode dedicar-se mais ao estudo da febre amarela, permitindo o diagnóstico da doença pos-mortem e a criação de um quadro histopatológico, posteriormente denominado “Lesão de Rocha Lima”, utilizado nas viscerotomias em casos suspeito.

Em 1909 foi convidado para lecionar na Universidade de Jena e pouco depois foi convidado pelo Prof. Stanislas von Prowazeki para trabalhar no Instituto de Moléstias Tropicais de Hamburgo, onde lecionou por 18 anos. Em 1914 foi designado, junto com Prowazeki, para estudar o tifo epidêmico na Turquia. Os dois foram contaminados e só ele sobreviveu. De volta a Hamburgo, prosseguiu nas pesquisas sobre o tifo e descobriu seu agente causador, em 1916, que recebeu o nome de Ricketsia prowazeki em memória de Howard Ricketts e Prowazeki, dois cientistas vitimados pelo tifo. Apresentou a descoberta no Congresso Alemão de Medicina Interna em maio de 1916 e passou a ser melhor considerado entre os colegas alemães. Mais tarde, em 1928, retornou ao Rio, em companhia do Prof. Alfons Jakob, que veio ministrar um curso de histopatologia do sistema nervoso no Instituto Oswaldo Cruz. Em seguida, foi convidado pelo Governo de São Paulo para dirigir uma Divisão do Instituto e 5 anos depois assume a direção geral até 1949. Imprimiu um ritmo de trabalho no estilo alemão; reestruturou sua organização e fez do Instituto uma entidade modelar em termos de desenvolvimento científico nas áreas agrícola e pecuária, alavancando o progresso do Estado de São Paulo e do País nestas áreas. Além de renomado cientista, teve destacada atuação na criação de instituições dedicadas às ciências: SBPC-Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Escola Paulista de Medicina (atual UNIFESP) e Faculdade de Medicina da USP.

Foi homenageado com diversas horarias: “Cruz de Ferro”, concedida pelo Imperador Guilherme II, por iminente perigo de vida em prol da Ciência. “Medalha de Benemerência” do Papa Pio XI, “Medalha Bernard Notch”, do Instituto de Moléstias Tropicais de Hamburgo, “Insígnias de Honra da Cruz Vermelha Alemã” e “Cavaleiro da Ordem da Águia Alemã”. No Brasil, as homenagens foram escassas, mas a Sociedade Paulista de História da Medicina, no cinquentenário da descoberta do tifo, conseguiu do governador Adhemar de Barros, em 1966 com o decreto nº 46.088, a criação da “Medalha Cultural Rocha Lima”, outorgada anualmente aos médicos destacados na ciência. Outra homenagem foi seu nome atribuído ao Centro Acadêmico e Associação Atlética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP).

No entanto, sofreu algumas frustrações na carreira científica: sua descoberta das lesões hepáticas da febre amarela não foi devidamente reconhecida pelos próprios colegas do Instituto Oswaldo Cruz. Mesmo sua descoberta do causador do tifo epidêmico foi preterida num congresso realizado em Varsóvia, cujo tema central era a etiologia dessa doença. Ele e H. Topfer estavam inscritos para falar da descoberta e embora seu trabalho figurasse em primeiro lugar no programa, coube a Topfler fazer antes sua comunicação. Coube a ele fazer apenas breve resumo sem projeções ilustrativas. Indignado, pediu ao presidente do congresso a retirada de seu trabalho. O pedido não foi aceito e publicaram na íntegra sua comunicação nos anais do congresso.

Mas a maior decepção se deu em 1928, quando o prêmio Nobel de Medicina foi atribuído a Charles Nicole, que também estudou o transmissor do tifo, sem que ele fosse citado. Toda a comunidade científica considerou a premiação injusta e que ele deveria, ao menos, partilhar o prêmio com Nicole. Tal como ocorreu com Carlos Chagas e a descoberta da tripanossomíase americana, o Brasil foi mais uma vez prejudicado pelos critérios de julgamento da Fundação Nobel. Sobre este episódio, ele declarou num artigo publicado em 1951: “Mesmo na literatura científica, mesmo nessa atmosfera em que se pressupõe um sacerdócio voltado exclusivamente à procura da verdade nem sempre a verdade histórica é encontrada pura e livre da máscara convencional falseadora imposta pela influência das preponderâncias pessoais, regionais ou internacionais”.

Na tese de doutoramento (menção honrosa da Capes em 2012) “A trajetória científica de Henrique da Rocha Lima e as relações Brasil-Alemanha (1901-1956)”, o historiador André Felipe Cândido Silva afirma que, não obstante a importância de Rocha Lima na Ciência, ele permanece praticamente desconhecido da maior parte dos brasileiros. “Sua identificação com a Alemanha e ligação com a medicina germânica num momento em que ela se ligou às terríveis atrocidades do nazismo pode ter contribuído para esse ‘silenciamento’”. Vale dizer que não se tem notícia alguma de seu envolvimento com a politica alemã e que seu único “crime” foi ter recebido das mãos do próprio Hitler a medalha de “Cavaleiro da Ordem da Águia Alemã”, em 1938. Pagou caro por ter nascido num meio “germanófilo” e ter desenvolvido sua carreira científica na Alemanha. Por tal ato involuntário, sua descoberta da causa da doença tifo e contribuição decisiva para tornar a FioCruz o que é hoje, também caíram no esquecimento dos brasileiros logo após o falecimento em 26/4/1956. Sua vida e legado foram descritas na biografia escrita por Santos Moraes Dois cientistas brasileiros (Rocha Lima e Gaspar Viana), publicada em 1968, pela Edições Tempo Brasileiro.

15 pensou em “OS BRASILEIROS: Rocha Lima

  1. Prezado José Domingos,

    Parabéns pela maravilhosa série de biografias.

    Nosso país está precisando muito que sejam honradas estas pessoas maravilhosas que nos antecederam, e que fizeram nosso país ser o que é, apesar da infame invasão de pústulas morais que estamos vivenciando.

    Muito obrigado e grande abraço.

  2. Prezado José Domingos, li todas as biografias postadas por voce,e afirmo, isto deveria ser “ensinado” nas escolas, o brasileiro tem o direito e o dever de conhecer seus heróis, dizem que temos a memória curta, não é verdade, apenas desconhecemos nossos heróis e afirmo, aprendi muitos com suas publicações. Obrigado!

    • Marcos
      Fico contente com sua manifestação. Tens razão: nossos nomes ilustres têm sido relegados ao limbo da história. Vamos resgatá-los. Vamos reiterar: O Brasil não é grande apenas pela sua própria natureza, como diz o hino

  3. Com Carlos Chagas e Cesar Lattes, são três os brasileiros merecedores de Nobel mas que foram preteridos por meras circunstâncias políticas, vida que segue ! gostei de conhecer esse nome através do seu texto, caro Britto

    • Jessian

      César Lattes está cotadíssimo para entrar no Memorial. Aguarde mais um pouco.
      grato pela manifestação

  4. Êita que o Brito mandou bem em todas as biografias. Tal material deveria ser encaminhado ao ministro da Educação, pois o brasileiro que frequenta a escola desconhece os brasileiros que fizeram a história do Brasil.
    Copiei tudinho, imprimi, plastifiquei e coloquei em minha pasta intitulada “gente nossa”.
    Isso é JBF, orgulho danado dessa gente fubânica maravilhosa.

    • Betty
      É uma alegria esfuziante ver você como leitora da coluna.Leitores especiais alavancam o ânimo em mantê-la
      Muito grato e abraços

  5. Caro colunista:

    Excelente a série de biografias e tão importante nos dias de hoje! Pena que a maioria dos brasileiros não tenha o mais mínimo conhecimento a respeito dos biografados.

  6. Miriam
    Me agrada saber que agora você comenta também sobre os brasileiras. e não apenas as brasileiras. Porem elas continuam abrilhantando este Memorial.

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