Paulo Emílio Vanzolini nasceu em São Paulo, em 25/4/1924. Cientista (zoólogo) e compositor (sambista) dos mais renomados nas duas áreas. Uma combinação peculiar, inusitada e, talvez, única no mundo, se considerarmos o talento e suas contribuições em tão distintas atividades. Seu nome consta em 15 denominações científicas de répteis e anfíbios. Compôs clássicos da música popular brasileira, como Ronda, Volta por cima, Juízo final, Praça Clóvis, Na boca da noite entre outras. Nunca gostou de ir à escola e já confessou que em toda sua vida de estudante “para ser mais sincero, nos quatro anos de primário, cinco de ginásio, dois de pré-médico, seis de medicina e três de Harvard, nunca assisti às aulas com gosto”. Já pensou, se gostasse!
Mesmo assim, impulsionado pelos subornos com presentes dados pelo pai, o engenheiro e professor da Escola Politécnica da USP, Carlos Alberto Vanzolini, concluiu o curso primário no Colégio Rio Branco e o ginásio em escola pública. Se entrasse aí com uma boa colocação, ganharia uma bicicleta. Ganhou e, aos 10 anos, no primeiro passeio, foi até o Instituto Butantan. Ficou apaixonado pelos bichos e alí decidiu o que queria ser quando crescesse. Aos 14 anos, conseguiu um estágio no Instituto Biológico e deu início a profissão de zoólogo. Não queria ser médico, mas o amigo de seu pai, André Dreyfus, criador da genética no Brasil, disse-lhe: “Olhe, se você quiser fazer zoologia de vertebrados, vá para a Faculdade de Medicina onde vai estudar anatomia, histologia, embriologia e fisiologia num curso básico de primeiro nível. O resto você rola com a barriga”.
Em 1942 ingressou na Faculdade de Medicina da USP. Na mesma época sua vida tomou um caminho que não indicava, de modo algum, o futuro cientista. Passou a frequentar as rodas boêmias com os amigos universitários e compor os primeiros sambas. Dois anos após, deixou a casa dos pais, mudou-se para um apartamento no Prédio Martinelli e foi trabalhar com o primo, Henrique Lobo, na Rádio América, num programa comandado por Cacilda Becker. Pouco depois foi convocado para o Exército, interrompeu os estudos, retomou o curso de medicina após dois anos, foi lecionar no Colégio Bandeirantes e começou a trabalhar no Museu de Zoologia. Como se vê, o artista surgiu primeiro que o cientista, que tomou um impulso logo em seguida. Em 1947 foi diplomado médico e, no ano seguinte, casou-se com Ilse, secretária da Reitoria da USP. Mais um ano e o casal embarca para os EUA, onde concluiu o doutorado em Zoologia pela Universidade de Harvard.
Uma vez pronto o cientista, é hora de dar vazão ao artista. Começando pela poesia e por insistência do amigo Geraldo Vidigal, publicou o livro Lira de Paulo Vanzolini, em 1951, pelo Clube de Poesia, reduto boêmio e literário de São Paulo. No mesmo ano compôs o samba-canção Ronda, considerado sua obra-prima musical, que veio a ser gravada, por acaso, em 1953, por Inezita Barroso. Ele e a esposa eram amigos da cantora e acompanharam-na até a o estúdio da RCA Vitor, para realizar sua primeira gravação: “Marvada pinga”. Como ela não tinha escolhido outra música para o lado B do disco de 78 rpm, optou por Ronda naquele instante. O estrondoso sucesso do lado A deixou a samba-canção na penumbra e só veio a ficar conhecido, de fato, e fazer sucesso anos depois na voz da cantora Márcia. Em 1953 foi trabalhar na TV Record, produzindo programas musicais, como o de Araci de Almeida. Fez amizade com muitos cantores e compositores, entre eles Adoniran Barbosa, bom de papo e copo. Os dois planejaram uma parceria musical que nunca aconteceu. Quase sempre compunha sozinho, mas chegou a formar parceria com Toquinho em meados dos anos 1960, pouco antes dele se juntar a Vinicius de Moraes. Frequentador assíduo da casa dos Buarque de Holanda, quando esta família residia no bairro de Pinheiros, foi um dos primeiros a conhecer o compositor Chico Buarque ainda jovem, quando compôs Pedro Pedreiro. Ouviu o samba, observou a letra e exclamou, dirigindo-se à Sergio, seu pai: “Esse menino é um gênio!”.
Em 1963 foi nomeado diretor do Museu de Zoologia e lançou outro grande sucesso: Volta por cima, gravado por Noite Ilustrada. A música já era conhecida nas boates paulistanas como “o samba do Vanzolini”. Ficou tão conhecida e caiu no gosto do público de tal modo, que a expressão “dar a volta por cima” passou a ser utilizada por todos como “superar uma situação difícil”. Em fins de 1967, Luís Carlos Paraná, compositor e dono da boate “Jogral”, e Marcus Pereira, publicitário e depois dono de uma gravadora, resolveram produzir seu primeiro LP com suas músicas inéditas, conhecidas apenas pelos amigos: “Paulo Vanzolini: onze sambas e uma capoeira”, interpretadas por diversos cantores, entre os quais Chico Buarque. “Jogral” era um celeiro de sambistas em São Paulo, tendo lançado grandes nomes, como Jorge Ben e Martinho da Vila. Como se não bastasse, foi também cantor. Em 1981, o Estúdio Eldorado lançou o LP “Paulo Vanzolini por ele mesmo”
Até aqui tudo bem, mas cadê o cientista? Bem, não é à toa que seu nome denomina 15 espécies de bichos. Ralou bastante para merecer tais homenagens. Além disso, ajudou na criação da FAPESP-Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em 1962, na condição de membro do Conselho Superior. Enquanto diretor do Museu de Zoologia, aumentou a coleção de répteis de 1,2 mil para 230 mil exemplares. Em termos científicos p.p. dito, adaptou a “Teoria dos Refúgios” a partir de um trabalho em conjunto com o prof. Aziz Ab’Saber e com o norte-americano Ernest Williams. “Refúgio” foi o nome dado ao fenômeno detectado nas suas expedições pela Amazônia, quando o clima chega ao extremo de liquidar com uma formação vegetal, reduzindo-a a pequenas porções. Assim formam-se espaços vazios no meio da mata fechada. Quando se aposentou em 1993, continuou trabalhando no Museu de Zoologia até pouco antes de falecer. Recusou-se a deixar o trabalho: “É a única coisa de que gosto, a única coisa que sei fazer”. Só parou em 28/4/2013, quando veio a falecer.
As “Escolas de Samba” foram as primeiras a homenageá-lo ainda em vida. A “Mocidade Independente de Padre Miguel” desfilou em 1985 com o tema “Ziriguidum 2001, um carnaval nas estrelas” sobre um imaginário corso de sambistas no espaço sideral, e Vanzolini estava lá. Foi enredo da “Mocidade Alegre”, em 1988, onde foi exaltada sua dupla personalidade de cientista e poeta do samba. Em 2005, foi a vez da “Vai-Vai”, com o enredo “Eu também sou imortal” discorrendo sobre sua atuação no samba e na boêmia de São Paulo. Em 2013, quando soube de seu falecimento, a “Mocidade Alegre”, anunciou seu enredo para o carnaval de 2014, com um tema referente aos 90 anos do boêmio paulista. Foi premiado pela Fundação Guggenheim, em Nova Iorque (2008); condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico e promovido a Grande Oficial da Ordem do Ipiranga (2010). Em março de 2013, recebeu o Prêmio APCA-Associação Paulista de Críticos de Arte, pelo conjunto da obra. Sua vida foi retratada no cinema em três documentários, dirigidos por Ricardo Dias. Dois sobre o zoólogo e um sobre o sambista: Um homem de moral, lançado em 2009 no 13º Cine Pernambuco.
No seu legado encontram-se, também, uma valiosa contribuição à ciência no livro An annoted bibliography of the land and fresh-water reptiles of South America (1758-1975), em dois volumes, lançado em 1975-77 pelo Museu de Zoologia. Outro legado substancial foi a doação de sua biblioteca com mais de 25 mil livros ao Museu, em 2008. Uma de suas últimas aparições no palco, se deu no Rio de Janeiro em 2003, quando foi lançada sua antologia de 52 sambas numa caixa com quatro CD’s: “Acerto de contas”. As músicas tiveram como intérpretes quase todos seus amigos mais próximos: Paulinho da Viola, Chico Buarque, Elton Medeiros, Carlinhos Vergueiro etc. Na ocasião, seu amigo Ricardo Cravo Albin, elaborou uma série de quatro programas radiofônicos, transmitidos pela Rádio MEC para todo o Brasil, além de uma longa entrevista. Numa de suas últimas entrevistas, foi-lhe perguntado que conselho daria aos novos cientistas. Sua resposta foi concisa: “O primeiro conselho é que não sigam os conselhos de ninguém e que se apliquem e façam bem feito e com amor o seu serviço”.
Poxa, fiquei feliz por você citar meu pai! Realmente, eram grandes amigos. Pra mim, era o tio Paulinho. Abraço!