JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Mário Dias Ferreira dos Santos nasceu em Tietê, SP, em 3/1/1907. Advogado, jornalista, escritor, professor, e filósofo criador de um sistema denominado “Filosofia Concreta”. Filho do português Francisco Dias Ferreira dos Santos, dono de uma companhia teatral itinerante, em Pelotas, RS, e um dos pioneiros do cinema. Realizou o filme mudo “Os óculos do vovô” (1913), o filme brasileiro mais antigo que se tem notícia, tendo o próprio Mário como ator infantil.

Os primeiros estudos se deram no Ginásio Gonzaga, instituição jesuíta de Pelotas. O ateísmo do pai não impediu seu desejo de entrar nesta Ordem religiosa aos 14 anos, mas foi desaconselhado pelo padre: “Deves ir para o mundo, teus caminhos serão outros, porém mais tarde sei que voltarás a nós”. Em 1925 ingressou na Faculdade de Direito de Porto Alegre e diplomou-se 1930. Passou a escrever em jornais de Pelotas e no “Diário de Notícias” e “Correio do Povo” de Porto Alegre. Participou da Revolução de 1930, ocasião em foi preso devido as críticas feitas ao novo regime. Em 1940 foi contratado pela Livraria do Globo como tradutor de latim, grego, alemão e francês.

Foi tradutor de diversos filósofos: Aristóteles, Pitágoras, Nietzsche, Kant, Pascal, Tomás de Aquino, Duns Scott, Henri-Frédéric Amiel e o poeta Walt Whitman. Em 1945 mudou-se para São Paulo e continuou o trabalho de tradutor na Editora Flama. Criterioso, procurava manter-se fiel ao ritmo, ao estilo e às modalidades da expressão Nietzscheana, colocando-se na posição de sentir como Nietzsche escreveria “Zaratustra” em português. Pode-se dizer que foi ele quem trouxe Nietzsche para o Brasil, com os livros “Vontade de potência” e “Assim falava Zaratustra”.

Passou a escrever sobre filosofia utilizando-se de pseudônimos e em 1946 publicou dois livros: Teses da existência e da inexistência de Deus e Se a esfinge falasse. No ano seguinte dedicou-se unicamente à filosofia vivendo fora do meio acadêmico, motivo pelo qual foi ignorado no meio intelectual. Vivia exclusivamente de sua advocacia, do magistério particular e como empresário editorial. Com dificuldades para publicar seus livros, fundou suas próprias editoras, a Logos S.A. e a Matese S.A. e foi pioneiro no sistema de venda de livros a crédito, de porta em porta. Escreveu vários livros sobre Filosofia, Psicologia, Oratória, Ontologia, Lógica etc.

Sua obra é composta por mais de 50 livros, alguns de grande sucesso editorial, contribuindo efetivamente para a popularização do estudo da filosofia no Brasil. Seu Dicionário de filosofia e ciências culturais, em 4 volumes (1963) chegou a 4ª edição em 3 anos. Era um pedagogo por excelência e esforçava-se em escrever obras de iniciação e referência: Filosofia concreta (3 volumes, 1956), Sociologia fundamental e ética fundamental (1957), Métodos lógicos e dialéticos (3 volumes, 1959), Tratado de economia (2 volumes, 1962), Filosofia e história da cultura (3 volumes, 1962), Análise de temas sociais (3 volumes, 1962) etc.

A “Filosofia Concreta” é baseada na lógica, não havendo possibilidade de discordância de seus pressupostos, a que chamou “Teses”. A primeira tese é a fundamentação de toda a sua filosofia: “Alguma coisa há, e o nada absoluto não há”, da qual extraiu outras teses, passando pelos principais tópicos da filosofia através dos métodos da Filosofia da matemática. Cario Beraldo, no verbete que dedicou à filosofia de Mário Ferreira na Enciclopédia Filosófica do Centro di Studi Filosofia di Gallarate, definiu sua filosofia como uma síntese “ao mesmo tempo tradicional e pessoal”. Seu trabalho vem sendo elogiado por sua forma e rigor de análise. Ele parte de pressupostos aparentemente simples para chegar na resolução de problemas de ordem maior. Seu biógrafo, Luís Mauro Sá Martino, conta que “Havia um problema: praticamente não existiam livros sobre os assuntos aos quais ele se referia. Filosofia era um produto importado e caro. As obras filosóficas principais não estavam traduzidas e os textos em circulação, em sua maioria, eram precários.”

No início da década de 1950, ele arquitetou uma obra de larga escala, a “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”, na qual trataria da base filosófica de todas as áreas do conhecimento. Outros filósofos se preocupavam apenas com a formulação dos pensamentos, enquanto ele pretendia ser lido e compreendido por todos. A Enciclopédia tinha uma clara intenção social. Seu objetivo primordial era levar conhecimento ao povo e estimular o pensamento filosófico. Como não havia livros suficientes com os conceitos principais da filosofia, foi preciso começar do zero, construir as bases de um pensamento filosófico e, em seguida, expor sua filosofia original. Todo seu esforço foi voltado a escrever filosofia para o grande público, buscando afirmar nossa independência e capacidade para desenvolvimento de uma inteligência filosófica brasileira. Sua crença baseava-se no fato que o brasileiro era um povo apto para uma Filosofia de caráter ecumênico, que corresponda ao verdadeiro sentido com que foi criada desde o início.

Tinha convicção que o brasileiro era um povo receptor de ideias filosóficas vindas de todas as partes, sem encontrar um caminho para si mesmo. Acreditava que nós deveríamos criar este caminho e que sem esta visão positiva e concreta da Filosofia não seria possível solucionar os inúmeros problemas vitais próprios de nossa cultura. Apesar de uma prolífica obra, seu trabalho não encontrou grande difusão na academia brasileira ou estrangeira, e permanece pouco citado ou debatido. O Ph.D Stanislavs Ladusãns, um dos primeiros divulgadores de sua filosofia, o classificou como “o homem que ainda não foi descoberto no Brasil”. De acordo com o Prof. Carlos Aurélio Mota de Souza, doutor pela USP, ainda há muitas obras inéditas de Mario Ferreira que permanecem desconhecidas do grande público. O PhD. pela Universidade de Stanford, João Cézar de Castro Rocha, atribui esse ostracismo à década de 1950, pois, durante esse período, havia o desejo de incutir a pesquisa nas universidades, ambição que se chocava diretamente com o autodidatismo de Mário.

Faleceu em 11/4/1968 e ainda hoje é possível encontrar sua Enciclopédia de Filosofia (14 volumes) em algum sebo. Atualmente a editora “É Realizações” tem 10 de seus livros publicados e adquiriu os direitos de toda sua obra. Um ensaio biográfico e uma entrevista com o filósofo podem ser encontrados nos links:

http://www.tirodeletra.com.br/ensaios/VidadeMFS.htm

http://www.tirodeletra.com.br/ensaios/MarioF.Santos

Entrevista.htm

5 pensou em “OS BRASILEIROS: Mário Ferreira dos Santos

  1. Li a biografia e fiquei cm a nítida impressão de que as dificuldades que o autor sentiu no meio acadêmico foi pela falta de pagamento de pedágio à seita esquerdista que sempre dominou os ditos intelectuais.

    Uma pena, mas isto mostra o porquê o Brasil é tão irrelevante mundialmente no meio filosófico.

  2. Caro, Brito.
    Magnífico resgate.
    Principalmente pelo link http://www.tirodeletra.com.br/ensaios/VidadeMFS.htm, que é mais completo que o excelente perfil que você ora nos brinda.
    Mário Ferreira é um homem raro, em qualquer época e em qualquer lugar, espero que um dia num futuro muito distante o Brasil possa fazer por merecê-lo.
    Saliento ao amigo que recentemente, final de 2023, foi publicado um estudo sobre o Mário, de autoria de Elvis Amsterdã, com o título de “Uma Introdução Vida e Obra de Mário Ferreira dos Santos”, pela editora Danúbio, de Curitiba-PR.
    Abraços e Obrigado.
    Airton

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