Mário Raul de Morais Andrade nasceu em 9/10/1893, em São Paulo, SP. Escritor, poeta, administrador, cronista, musicólogo, fotógrafo, crítico de literatura e de arte, pesquisador do folclore, agitador cultural… “Eu sou 300, sou 350”, disse no poema Remate dos males. Foi protagonista do “Movimento Modernista” (1922), pioneiro no estudo da “etnomusicologia” e na preservação da memória nacional com a criação do IPHAN-Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1937.
Nascido numa aristocrática família paulistana, teve os primeiros estudos em casa e foi considerado um pianista pródigo na infância, quando lia em francês e estudava história da arte como autodidata. A educação formal veio apenas aos 18 anos, quando ingressou no Conservatório Dramático de Musical de São Paulo. Em 1913, seu irmão mais novo faleceu, causando-lhe um profundo choque. Retirou-se, para tratamento, numa fazenda da família em Araraquara e teve que deixar o piano devido a um tremor das mãos. Passou a estudar canto e teoria musical com a intenção de se tornar professor de música, ao mesmo tempo em que se interessou, também, pela literatura.
Ao se formar, em 1917, publicou seu primeiro livro de poemas – Há uma gota de sangue em cada poema -, com o pseudônimo Mário Sobral, considerado hoje raríssimo e disputado entre os bibliófilos. Em seguida, passou a viajar pelo interior do Brasil realizando meticuloso trabalho de documentação da música e folclore local ao mesmo tempo em que publicava ensaios na imprensa paulista. Duas destas viagens (1919 e 1924) foram nas cidades históricas de Minas Gerais, e viu “que Aleijadinho não copiou, mas inventou, fundiu o barroco com o rococó e criou uma identidade na sua obra”, conforme Ângelo Oswaldo. Em 1928 publicou o ensaio O Aleijadinho no livro Aspectos das artes Plásticas no Brasil, imprimindo nova visão sobre a obra do escultor e redimensionando sua importância em âmbito internacional. Pode-se dizer que é a partir daí que Aleijadinho adquire o prestígio que veio a ter na arte brasileira.
Escrevendo e lecionando piano no Conservatório, angariou grande número de amigos, jovens artistas e escritores antenados como a cultura europeia. Em 1920, comprou uma escultura – Busto de Cristo – de seu amigo Victor Brecheret, um Cristo brasileiro de cabelos trançados, que deixou a família chocada. Aborrecido, retirou-se para o quarto, e da varanda pôs-se a observar a praça “sem realmente vê-la. Ruídos, luzes, as brincadeiras ingênuas dos taxistas: todos flutuaram até mim. Eu estava aparentemente calmo e não pensando em nada em particular. Não sei o que de repente aconteceu comigo. Fui até minha mesa, abri um caderno e anotei um título que nunca havia passado pela minha cabeça: Pauliceia Desvairada!”.
O título inesperado deu origem ao segundo livro, anunciando a “Semana de Arte Moderna”, com verso livre, transgressões sintáticas, valorização da fala brasileira e ausência da solenidade poética, entre outras inovações que marcaram a ruptura com o “parnasianismo”. Enquanto trabalhava na edição do livro, preparava junto ao “Grupo dos Cinco” (Ele, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Menotti del Picchia e Tarsila do Amaral) a “Semana de Arte Moderna”. No evento leu o “Prefácio extremamente interessante” do livro como o clímax da “Semana”. Em seguida as viagens pelo interior do País foram intensificadas, ampliando o estudo a cultura e o folclore, bem como as dimensões sociais da música. Tais viagens renderam um diário, que resultou numa coluna no jornal “O Diário Nacional”, seguido do livro O turista aprendiz, em 1927, um documentário (com fotos) do Brasil. No mesmo ano lançou o romance Amar, verbo intransitivo, a história de uma alemã, cuja profissão era iniciar sexualmente os jovens. Ou seja, mais uma transgressão literária.
No ano seguinte veio a grande obra – Macunaíma -, consagrando o romancista e seu envolvimento com a cidade. Tal envolvimento resultou na organização do Departamento de Cultura, em 1935, com o empenho do prefeito Paulo Duarte, cuja função era resgatar e divulgar a cultura brasileira e não apenas paulista. Um dos principais legados do Departamento foi a criação da biblioteca municipal, que em 1960 recebeu seu nome e tornou-se a segunda maior do País, além do sistema de bibliotecas públicas, contando hoje com 51 bibliotecas em quase todos os bairros da cidade. Criou também parques públicos e fundou a Discoteca Municipal, um dos maiores e melhores acervos organizado sobre música do hemisfério. Nessa época e na condição de diretor do Departamento pôde ajudar Claude Lévy-Straus em suas pesquisas para o livro Tristes trópicos, que viria publicar em 1955.
Em 1937 elaborou a lei de criação do SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e passa a ter problemas políticos com a volta do Governo Vargas. No ano seguinte criou, junto com o antropólogo Lévi-Strauss, a Sociedade de Etnografia e Folclore. Por essa época, perdeu o cargo na Prefeitura de São Paulo. O prefeito Prestes Maia estava mais interessado em abrir grandes avenidas na cidade e não via tanto interesse no Departamento de Cultura, que acabou em terceiro plano. Segundo seu amigo Rubens Borba de Moraes, Mário passou por uns perrengues, ficou desanimado e em 1938 foi incentivado pelos amigos Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Rodrigo Melo Franco e o ministro Gustavo Capanema a viver no Rio de Janeiro, onde ocupou o cargo de diretor do Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal. Na ocasião, dirigiu o Congresso da Língua Nacional Cantada, importante conferência de folclore e música folclórica.
No Rio sua vida sofreu grande transformação. Não obstante continuar escrevendo e participando da vida cultural da cidade e fazer projetos para o ministro Capanema, passou a sentir certo vazio, “não se ambientava, não conseguia fazer sua vida, trabalhar direito. Tudo lhe parecia tão inútil e fútil. Não conseguia equilibrar-se de novo”. No encontro que teve com o amigo Rubens Borba de Moraes, revelou: “Sabe, dei para beber. Tomo bebedeiras! Caí na farra…” O fato é que no Rio caiu numa roda de jovens literatos e boêmios e fez o que não fizera quando moço. Em 1942, retornou à São Paulo, mas não era o mesmo. Mais tarde, Rubens encontrou-o num bar da Rua Líbero Badaró. “Estava magro, esverdeado, acabado e queixando-se da saúde. Suas moléstias indefinidas eram psicossomáticas: resultado dessa vontade de viver. Não tinha ânimo para reagir, deixou-se morrer”. (Moraes, Rubens Borba de Testemunha ocular – recordações). Brasília, Briquet de Lemos Livros, 2011). Foi vitimado por um ataque cardíaco em 25/2/1945.
10 anos após foram publicados seus Poemas completos (1955), marcando o início de sua “canonização” na cultura brasileira. Deixou um considerável legado, tanto na produção literária, com 58 livros, como na institucionalização e no cuidado com a memória, criando o SPHAN, e com a cultura, criando o Departamento de Cultura (SP). Atualmente, depois de Machado de Assis, é o autor mais estudado da literatura brasileira. Foi o autor que mais praticou a “literatura epistolar“ no Brasil. Manteve correspondência com centenas de cartas à quase todos os escritores e artistas conhecidos. Muitos dos quais deixaram livros publicados sobre essa troca de correspondência. Sua vida e legado foi registrado em diversos ensaios, artigos e biografias. As duas últimas publicadas: Eu sou trezentos: Mário de Andrade – Vida e obra, (2018), de Eduardo Jardim e Em busca da alma brasileira: biografia de Mário de Andrade (2019), de Jason Tércio, apresentam amplo e documentado panorama de sua trajetória.
Mestre Brito trás à baila um dos maiores expoente da Semana de Arte Moderna (1922), manifestação artístico-cultural que ocorreu no Theatro Municipal de São Paulo entre os dias 13 a 18 de fevereiro de 1922.
O evento reuniu diversas apresentações de dança, música, recital de poesias, exposição de obras – pintura e escultura – e palestras…
O episodio marcou o início do modernismo no Brasil e tornou-se referência cultural do século XX. A Semana de Arte Moderna representou uma verdadeira renovação de linguagem, na busca de experimentação, na liberdade criadora da ruptura com o passado e até corporal, pois a arte passou então da vanguarda para o modernismo.
Mas o mais importante mesmo na Semana de Arte Moderna foi a ruptura da linguagem arcaica para a linguagem do povo, como pregava Manuel Bandeira:
“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada”
(BANDEIRA, 1993:135)
Parabéns Mestre Brito por mais essa minibiografia desse gênio que se encantou tão jovem.
Grande Cícero
Grato pela lembrança do nosso conterrâneo Manuel Bandeira, que apenas citei, reconhecido como “São João Batista” do Movimento Modernista de 1922, devido a a relevância que teve nos contatos mantidos com Mario de Andrade. Já ouvi falar aqui em SP: “Quem anunciou (e batizou) o Modernismo em São Paulo foi (uma) Bandeira, lá do Recife”.
Mário de Andrade, um verdadeiro expoente da cultura brasileira.
Grato, Maurino, pela visita.
Temos pela frente alguns nomes destacados na cultura e na história brasileira, sem esquecer aqueles menos badalados e/ou pouco divulgados.
Eu tenho um livro, que foi produzido pela Fundação Bradesco, contendo as fotobiografias de três grandes expoentes da nossa Literatura: Mário de Andrade, Manoel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Uma obra magistral.
Muito bom. Como sempre. Viva José Domingos.
Caro colunista, ótima leitura de domingo!
Comentários deste tipo, vindos de leitores qualificados e de longe, como Salamanca, levantam o moral da coluna