JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Juliano Moreira nasceu em Salvador, BA, em 6/1/1872. Médico psiquiatra e pioneiro ao incorporar a teoria psicanalítica no ensino da medicina. Reconhecido como “fundador da psiquiatria brasileira” por ter revolucionado as concepções e métodos da psiquiatria no Brasil. A revista alemã “Psychiatrische Neurologische Wochenschritf” nº 27, de out./1910, publicou a galeria dos grandes psiquiatras do mundo, onde ele foi o único americano participante.

Filho do português Manuel Moreira do Carmo Jr. e da descendente de escravos Galdina Joaquim do Amaral, empregada doméstica do Barão de Itapuã -Luís Adriano Alves de Lima Gordilho-, renomado médico baiano. São escassas as informações sobre sua infância, mas sabe-se que desde o nascimento conviveu com a família do Barão, um dos diretores da FAMEB-Faculdade de Medicina da Bahia. Na condição de “afilhado” do Barão, pode ingressar no curso de medicina aos 14 anos. No 5º ano (1890) foi interno da Clínica Dermatológica e Sifilográfica e no ano seguinte graduou-se com a tese “Sífilis maligna precoce”, divulgada e elogiada no exterior, no “Journal des Maladies Cutanées et Syphilitiques” e nos “Annales de Dermatologie e Syphiligraphie”. Foi o primeiro pesquisador a identificar a leishmaniose cutâneo-mucosa,

No período 1893-1903 foi alienista e médico-adjunto do Asilo São João de Deus, vinculado à Santa Casa. Em 1896 participou do concurso para professor da FAMEB, enfrentando uma banca examinadora composta de escravocratas. Sob aplausos, apresentou sua tese oral “Disquinesias Arsenicais” e o texto sobre “Meopatias Progressivas”. As provas foram acompanhadas com a presença maciça de estudantes que temiam algum ato que o impossibilitasse de vencer o concurso. No dia do resultado do concurso, o Terreiro de Jesus fervilhava de gente à frente dos portões da Faculdade. Quando viram o resultado, ele obteve 15 notas máximas. Com apenas 24 anos superou concorrentes poderosos e tornou-se o mais jovem professor da FAMEB. A festa de comemoração do mérito sobre o preconceito se estendeu até o Pelourinho.

Participou da “Escola Tropicalista da Bahia” e contribuiu por 10 anos na redação da revista “Gazeta Médica da Bahia”. Liderou uma turma de jovens médicos na fundação da Sociedade de Medicina e Cirurgia e da Sociedade de Medicina Legal da Bahia, numa luta constante conta o “racismo científico”. Acreditava-se que a miscigenação era a causa da degeneração do brasileiro; que essa mistura e o clima tropical eram causadores das doenças, incluindo as mentais. Juliano combatia tais ideias evolucionistas dominantes, afirmando a necessidade de eliminar preconceitos de cor e casta, e promover um trabalho de higienização mental dos povos. Chegou a ter duros embates com seu colega Nina Rodrigues, que seguia o pensamento vigente. Defendia suas ideias de forma educada e cortês utilizando a ciência em defesa das minorias excluídas, sem o sentimento de inferioridade que sua mestiçagem pudesse sugerir. Mantinha um ritmo de trabalho intenso além de contribuir com diversas revistas nacionais e estrangeiras especializadas.

No período 1895-1902 fez uma série de viagens à Europa para tratar de uma tuberculose crônica, aproveitando a ocasião para alguns estágios e visitas à clinicas psiquiatras e manicômios. Em 1900 participou do Congresso Médico Internacional, em Paris, e no ano seguinte foi eleito, mesmo ausente, Presidente de Honra do IV Congresso Internacional de Assistência aos Alienados, em Berlim. Em 1903, tendo Rodrigues Alves como presidente, foram empreendidas profundas reformas no País. O baiano José Joaquim Seabra foi nomeado Ministro do Interior e Justiça; o Barão do Rio Branco assume a pasta das Relações Exteriores. O País passava por mudanças estruturais.

Pereira Passos, prefeito do Rio, iniciou uma “revolução” urbanística e sanitária na Capital Federal, tendo Oswaldo Cruz na linha de frente, impondo a vacinação obrigatória, que resultou na “Revolta da Vacina” em 1904. Foi nesse contexto que ele esteve no Rio de Janeiro e não voltou mais à Salvador. Numa articulação de Afrânio Peixoto com o Ministro Seabra, foi convidado, aos 30 anos, para dirigir o Hospital Nacional de Alienados. Dá inicio a uma nova fase na história da saúde mental no Brasil. Enquanto Oswaldo Cruz comanda uma “revolução” na saúde contra as epidemias, ele comanda outra na saúde mental contra o tratamento desumano praticado nos asilos. Sua primeira providência foi mudar a vetusta sala do Diretor para uma simples sala no térreo e passa a morar no Hospital. Recebia todos que o procuravam, sem cerimônia. Em 1914 recebeu um paciente famoso -o escritor Lima Barreto-, de quem recebeu o comentário: “Na 2ª feira, antes que meu irmão viesse, fui à presença do Dr. Juliano Moreira. Tratou-me com grande ternura, paternalmente, não me admoestou, fez-me sentar a seu lado e perguntou-me onde queria ficar. Disse-lhe que na seção Calmeil. Deu ordens ao Santana e, em breve, lá estava eu.”

Como medida institucional, manteve contatos com o Ministro Seabra no intuito de garantir assistência aos necessitados. Com isto foi promulgado o Decreto nº 1132, de 22/12/1903, (Lei Federal de Assistência a Alienados). No âmbito interno do hospital, promoveu mudanças significativas: retirou grades das janelas e eliminou as camisas de força; implantou oficinas artísticas; construiu um pavilhão dedicado ao trabalho dos internos; organizou uma biblioteca para uso dos pacientes e funcionários; mudou o foco da psiquiatria francesa, copiada integralmente, para a alemã, adaptada à nossa cultura etc. Com dedicação integral e intensa ao trabalho, descuidava-se de sua saúde comprometida por uma tuberculose crônica.

Em 1905, junto com Afrânio Peixoto e outros, fundou a revista “Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins”. 2 anos após, junto com 40 colegas, fundou a Sociedade Brasileira de Neurologia Psiquiatria e Medicina Legal, cujo objetivo era “fazer uma grande propaganda em favor da melhora da sorte dos alienados”. Em seguida representou o Brasil no Congresso de Medicina de Portugal, onde manteve contatos com Julio Dantas, médico que defendeu a tese “Pintores e Poetas Rilhafoles”, inspirado nas manifestações artísticas dos pacientbes em hospitais psiquiátricos. Trouxe estas experiências para o Brasil, que mais tarde viriam incentivar os trabalhos de Nísia da Silveira.

Participou de diversos congressos médicos na Europa: Milão (1907), Ansterdam (1908), Viena (1908), Londres (1909) Budapeste (1910) Em 1911 foi nomeado diretor da Assistência Médico-Legal de Alienados e na sua gestão (acumulada com a direção do Hospital) criou o Manicômio Judiciário e envidou esforços para a aquisição do terreno, construção e fundação da Colônia Juliano Moreira. Em 1925 comandou uma comitiva recepcionando Albert Einstein em Visita ao Hospital. Em 1928 foi convidado por 4 universidades japonesas para fazer conferências e foi condecorado com a “Ordem do Tesouro Sagrado” pelo Imperador Hiroito. No mesmo ano criou a Seção Rio de Janeiro da Sociedade Brasileira de Psicanálise, fundada em 1927 pelo Neuropsiquiatra Franco da Rocha, em São Paulo

Impressionante sua capacidade de trabalho, mesmo doente. Dirigiu o Hospital durante 27 anos, até 1930 e ainda encontrou tempo para fundar e dirigir a Academia Brasileira de Ciências no período 1926-29. Com a instauração do “Estado Novo”, em 1930, foi destituído da direção do hospital e aposentado. Seu legado é de 112 artigos científicos publicados no âmbito nacional e internacional, comprovados na dissertação de Vera Portocarrero “Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria” (2003) e na pesquisa realizada pelo IFB-Instituto Franco Basaglia “Fontes primárias e secundárias relativas a Juliano Moreira”. Faleceu em 2/5/1933, pobre, contando com ajuda de amigos na tentativa de sobreviver a doença que o castigara durante anos. Em sua homenagem, o Governo da Bahia criou em 1936 o Hospital Juliano Moreira, onde é mantido um projeto de museu dedicado à sua memória: “Memorial Prof. Juliano Moreira”.

No dia seguinte ao falecimento, o Jornal do Brasil publicou o necrológio “O Brasil (…) não pode avaliar o que perde com o desaparecimento, ontem, do sábio Juliano Moreira. Grande entre os maiores psiquiatras do país, com um renome e uma fama que ultrapassaram as fronteiras brasileiras para fulgurar nos centros científicos mais adiantados do mundo. Juliano Moreira devotou à ciência toda a sua vida e toda a sua dedicação (…) mais tarde, teremos então ideia de quanto perdemos com a sua morte”. Nas biografias que temos publicado aqui, é comum reclamarmos a falta de uma filmografia sobre os ilustres brasileiros. No caso de Juliano Moreira, reclamamos, também, a falta de uma biografia.

9 pensou em “OS BRASILEIROS: Juliano Moreira

  1. Concluímos as homenagens aos “7 cabras da peste” (Oswaldo Cruz, Vital Brasil, Carlos Chagas, Adolfo Lutz, Emílio Ribas, Rocha Lima e Gaspar Vianna), os pioneiros cuidadores da saúde, cujos trabalhos estão agora ajudando a nos salvar dessa pandemia.

    Naquele mesmo instante. princípios do século passado, surgiram também os cuidadores da saúde mental, iniciando com Juliano Moreira e continuando com Franco da Rocha na próxima semana.

    Assim prosseguimos nos “Sonhos Tropicais” do médico e escritor Moacyr Scliar. Solicitamos aos leitores enviar sugestões de nomes para esta galeria.

    • Brito, seu trabalho não se pode pesar.

      Tem valor histórico de trazer às gerações de hoje o que foram os grandes brasileiros e este Dr. Juliano Moreira, somente por haver sido o pioneiro ao incorporar a teoria psicanalítica no ensino da medicina, já merecia o nome da Colônia em sua homenagem.

      Continuo aprendendo com seus escritos.

      Continue nos ensinando..

      E receba u’a mensagem coletiva que fiz para este dia em que minhas costelas já estão ardendo com os quatro abraços recebidos, com distanciamento e tudo:

      Que as mensagens hoje recebidas consigam servir de estímulo à compreensão de que os pais lutaram para conduzir seus filhos por trilhos e não trilhas.

      E que o momento seja para louvar – como se santos fossem – aqueles que já se foram.

      Portanto, cumprimentemos dentro dos ditames da lei, aqueles que participam conosco do espetáculo fantástico de uma existência digna e generosa.

      Carlos Eduardo

      • Grande Carlão

        Grato pelos cumprimentos, elogios e vou quebrar-lhe a 5ª costela com um abraço pelo Dia dos Pais

  2. Só o Jornal da Besta Fubana possui esses caras grandiosos como Brito, nossa “britadeira fubânica”, que a cada ação, esculpe, diante de nossos olhos, brasileiros fantásticos que fizeram a história do Brasil.
    Porra, Bolsonaro!! Manda o ministro da Educação dar uma visitada à redação do JBF para aprender com nossos colunistas o que é EDUCAÇAO E CULTURA.
    Brito para ministro da Educação. punto e basta, porra!!!!!

    Em tempo: a coluna de Brito tem que ser encadernado e encaminhada para o MEC, para fazer parte do currículo escolar do ensino fundamental e médio.

    Menos Paulo Freire e mais, muito mais José Domingos Brito. Nossos alunos merecem aprender.

    • Sancho, apesar de comumente criticar seus textos, desta vez tenho que tirar o chapéu, pois realmente o MEC precisa fazer alguma coisa.
      Quanto ao colunista Brito… Bom domingo para o Brito, que escreve muito bem sobre nossos irmãos brasileiros
      Beijinho em todos,
      Natércia

    • Caro e Fiel Escudeiro
      Grato pela indicação para o Ministério da Cultura. Peça ao presidente para reativá-lo e diga-lhe que já tem ministro rsrsrsrrs .

  3. Caro Brito,

    Considero fundamental este trabalho por si realizado de recuperação da memória dos grandes homens que construíram a nação brasileira.

    Hoje, quando nos vemos arrodeados de anões morais, faz´se ainda mais importante esta recuperação da memória de um tempo que, infelizmente, está sendo rapidamente esquecido. Tempo em que contávamos com verdadeiros gigantes nos liderando.

    Bendita obra! Que Deus o abençoe.

  4. Caro Adôniis

    Estás coberto de razão. Atravessamos um deserto de homens e mulheres exemplares num país que não é rico só pela própria natureza. A história está aí para nos relembrar disto. Vamos continuar levantando, revelando e elevando os nomes.
    Grato pelo estímulo

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