JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

José Antonio Lutzenberger nasceu em 17/12/1926, em Porto Alegre, RS. Engenheiro agrônomo, cientista, escritor, filósofo, ambientalista e pioneiro na luta em defesa do meio ambiente. Trocou uma próspera carreira, como técnico e executivo de empresas multinacionais, pela organização do movimento ecológico na década de 1970, com a publicação do “Manifesto Ecológico Brasileiro”.

Filho do artista plástico Joseph Franz Seraph Lutzenberger e Emma Kroeff, imigrantes alemães, desde criança mantinha contato e encanto pela natureza. Estudou no Colégio Farroupilha e do Rosário, com interesse em química e física. Após o serviço militar, entrou na Faculdade de Agronomia, da UFRGS e demonstrava temperamento combativo. Era visto como excêntrico pelos colegas. Diplomado em 1950, passou 2 anos nos EUA fazendo pós-graduação na Universidade de Louisiana em agroquímica. De volta à Porto Alegre, empregou-se na Companhia Riograndense de Adubos, onde trabalhou por 4 anos e transferiu-se para a Sulpampa Agropastoril, no cargo de intérprete de línguas do diretor da Basf, empresa associada. Em 1957 foi convidado para trabalhar na Ciba-Geigy, na Alemanha, na área de agrotóxicos. Em seguida mudou-se para a Venezuela, atuando como técnico e executivo na área de adubos da Basf. Pouco depois, já casado e com 2 filhas, foi transferido para o Marrocos, em 1966. Na condição de executivo bem sucedido, conheceu diversos países.

Na Venezuela esteve em contato com o cientista Leon Croizat, aprofundando os estudos em biogeografia. O interesse nos problemas causados pelo agrotóxico foi despertado com a leitura do livro Silent Spring (1962), de Rachel Carson, com quem manteve contato. Discordava dos ataques que a cientista sofria dos empresários da indústria química e passou a se interessar pela ecologia. A “crise existencial” ou profissional iniciou quando a Basf passou a produzir agrotóxicos. O dilema foi resolvido com o pedido de demissão, em 1970. Ano seguinte fundou a AGAPAN-Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, a primeira “Ong” ecológica do País. Logo tornou-se líder do movimento com o lançamento do “Manifesto Ecológico Brasileiro: o fim de futuro?”, numa tiragem de 46 mil exemplares. Em seguida foi impresso em papel jornal e formato “pasquim” de 22 páginas e foi vendido em bancas de jornal. Assim o movimento ecológico tomou as ruas. Com o manifesto, tornou-se importante líder no movimento ambientalista internacional, recebendo cumprimentos do cientista Konrad Lorenz, Prêmio Nobel de Medicina.

Antes do “manifesto” já havia publicado muitos artigos denunciando o desastre ecológico e viajou pelo mundo dando palestras e conquistando adeptos. Se em alguns setores da sociedade era tratado como gênio e pioneiro, noutros era tido como louco e fanático. Denunciava a poluição do lago Guaíba, a perseguição aos morcegos de Porto Alegre, o desmatamento e a redução das áreas verdes urbanas, o uso de agrotóxicos e da energia nuclear etc. Com o empenho e as lutas da AGAPAN, obteve conquistas como a criação do Parque Delta do Jacuí, do Parque Estadual de Itapuã e da Reserva Biológica do Lami. Mas a luta mais notória que enfrentou foi contra a produtora de celulose “Borregaard”, que poluía o ar e as águas do rio Guaíba. Para muitos foi “uma das mais importantes lutas ecológicas da história”, inaugurando um inédito processo de revisão de métodos produtivos. Em fins de 1973, a fábrica foi interditada.

O movimento ecológico torna-se mais expressivo em termos políticos com a criação dos “partidos verdes” em todo o mundo. A entrada de novos atores na AGAPAN, afastou-o da entidade em 1987. “Aconteceu que surgiu um grupo de guris que não sabia nada de nada e que transformou a Agapan em política partidária. E aí eles perderam, inclusive, a penetração nos meios de comunicação. Eles não tinham nada a dizer”. Ao deixar a AGAPAN, criou a Fundação Gaia, dedicada a promoção de um modelo de vida sustentável. A fundação atua na área de educação ambiental e na promoção de tecnologias socialmente compatíveis, tais como a agricultura regenerativa, o manejo sustentável dos recursos naturais, a medicina natural, a produção descentralizada de energia e o saneamento alternativo. Presta, também, consultoria ambiental para auxiliar municípios e estados a implantar o desenvolvimento sustentável. Seu envolvimento com a questão ambiental rendeu-lhe o prestigioso “The Right Livelihood Award 1988”, conhecido como o Prêmio Nobel Alternativo na área de ecologia, em Estocolmo.

Além de manter a Fundação, conduzia uma empresa de reciclarem de resíduos industriais. Em 1990, o presidente Fernando Collor, interessado em melhorar a imagem do Brasil no exterior e tendo em vista a realização da CNUMAD-Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento ou “Rio-92”, convidou-o para assumir a pasta do Meio Ambiente e comandar os preparativos para a grande conferência. Sua ideia era que o Brasil deveria encaminhar uma proposta em que os países possuidores de florestas de grande porte fossem recompensados, através de um fundo internacional, pelo prejuízo de não explorá-las. Defendia ainda que a diplomacia brasileira deveria adotar uma legislação internacional sobre florestas e no estabelecimento de metas precisas para evitar o desmatamento. Em termos políticos p.p. dito, dizia: “Li Marx de ponta a ponta no original, em alemão. Ele é tão tecnocrata quanto os capitalistas; Hitler e Mussolini também diziam ser socialistas, como Fidel. Essa palavra e ser de esquerda não significam mais nada”.

Sua permanência no governo durou mais que o previsto (março/1990-março/1992), tendo em vista o temperamento direto e pouco dado às conveniências políticas. Foi demitido antes mesmo da Rio-92, logo após denunciar a corrupção no IBAMA, que ele acusava de ser uma “sucursal de madeireiros”. Nos 2 anos como ministro realizou algumas conquistas, como a demarcação de terras indígenas, em especial a dos Ianomâmis, em Roraima; a definição do conceito de Área de Proteção Ambiental na nova legislação; a decisão do Brasil de abandonar o projeto da bomba atômica e a assinatura do Tratado da Antártida e da Convenção sobre a Diversidade Biológica. Já fora do governo, fez um importante pronunciamento na Rio-92, quando foi homenageado e recebeu convite de Dalai Lama para uma conversa privada. No mesmo ano participou do “Simpósio Internacional sobre questão da Ética na Política”, organizado pelo Instituto Goethe.

Seu último trabalho no governo foi de consultor ambiental no estado do Amazonas, em 1997. Faleceu em 14/5/2002 e foi sepultado no bosque da Fundação Gaia do modo como pediu: nu envolto num lençol e sem caixão para não deixar marcas. Suas ideias e legado ficaram registrados em centenas de artigos e livros, dos quais vale destacar: Pesadelo atômico (1980), Ecologia: do jardim ao poder (1985) e Gaia, o planeta vivo (1989). Em termos biográficos, temos Sinfonia inacabada: a vida de José Lutzenberger (2005), de Lilian Dreyer e Lutz – A história da vida de José Lutzenberger, o grande ambientalista do Brasil (2019), de Amauri Antonio Confortin e outros autores. Recebeu títulos de “Doutor honoris causa” de diversas universidades no Brasil e no exterior e foi agraciado com uns 80 prêmios, homenagens e condecorações.

8 pensou em “OS BRASILEIROS: José Lutzenberger

  1. José Lutzenberger era um naturalista que nasceu em berço esplêndido (sorte dele), pais liberais artistas. Como todo descendente de alemão, teve que estudar e buscar seu espaço. Engenheiro, trabalhou para grandes multinacionais do Agro, viajou o mundo e amealhou conhecimentos.

    Um belo dia deve ter acordado e dito: “vou parar de trabalhar para estas indústrias malvadas e vou salvar o planeta”. Deve ter sido quando largou tudo o que tinha feito nas multinacionais e foi ser ambientalista naturalista. Bonita história. Só que, se aas ideias dele prevalecessem, o mundo estava passando fome.

    Admiro muito mais o ex ministro do Presidente João Figueiredo Alisson Paulinelli (ainda vivo), também um agrônomo privilegiado que também resolveu salvar o planeta. Este não admitia ver o Brasil, com vastas áreas de plantio, tendo que importar os principais alimentos que consumia. Resolveu investir em tecnologia de solo e novas variedades de plantas e fez do cerrado Brasileiro no Centro Oeste o maior celeiro do mundo, com plantação em áreas degradadas.

    Já foi indicado ao prêmio Nobel da Paz, pois produzir alimentos é gerar a paz. Provavelmente não irá receber a láurea, pois para multiplicar por 5 a produção agrícola brasileira em 40 anos investiu também na evolução dos defensivos agrícolas e sementes geneticamente modificadas. Salvou muitas vidas com isso.

    • Caro João Francisco
      Veja bem bem que “sua ideia era que o Brasil deveria encaminhar uma proposta em que os países possuidores de florestas de grande porte fossem recompensados, através de um fundo internacional, pelo prejuízo de não explorá-las”.
      Mantendo a floresta em pé, O mundo não estaria passando fome, particularmente o Brasil, que tem a maior dela

      • Caro Brito, a proposta de que países ricos e poluidores deveriam pagar para o BR preservar sua floresta e deixá-la intocada já existe e foi proposta há muito tempo.

        Primeiro que países como a China, os EUA e a UE nunca pagaram tal fundo.

        Segundo, se pagassem tal fundo iriam exigir a posse da Amazônia e suas riquezas. Mesmo sem pagar nada já exigem a AM.

        Terceiro, mesmo sem receber nada e sendo o celeiro do mundo em alimentos, o BR ainda tem 87% da Amazônia preservada e 60 % do seu território preservado. Isso nenhum país do mundo tem.

        Então, eu enxergo o que o alemão queria como parte da internacionalização de nossas florestas.

  2. Mais um agrônomo que modificou nosso modo de pensar sobre o desenvolvimento. parabéns Brito por nos trazer mais um grande personagem. abraços!!

Deixe um comentário para João Francisco Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *