JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Gaspar de Oliveira Vianna nasceu em Belém, PA, em 11/5/1885. Médico sanitarista e cientista descobridor da cura da leishmaniose. Foi um dos primeiros jovens pesquisadores, arregimentado por Oswaldo Cruz na criação do Instituto Soroterápico, que resultou na FioCruz. Devido as circunstâncias em que veio a falecer, é considerado mártir da ciência.

Filho de Manoel Gomes Vianna e Rita Nobre Vianna, ficou órfão de pai ainda criança. Teve sólida formação educacional e aos 15 anos já havia concluído os cursos primário e secundário no colégio São José e no Lyceu Paraense. Mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1903, a fim de estudar medicina e encontrou a cidade envolta em duas “revoluções” que se alimentavam reciprocamente: uma urbanística e outra sanitária. Uma sob o comando do prefeito Pereira Passos e outra comandada pelo médico Oswaldo Cruz, ambos designados pelo presidente Rodrigues Alves

Concluiu o curso, em 1909, com a apresentação da tese “Estrutura da célula de Schwann nos vertebrados”, estudo pioneiro na área de pesquisas histolológicas sobre “neurofibrilas”. Durante o curso chamou a atenção do professor de histologia Eduardo Chapot Prévost, tornando-se seu assistente informal, ajudando os colegas em dificuldades na matéria. Lá encontrou seu conterrâneo Bruno Álvares da Silva Lobo, com quem publicou o livro “Estrutura da célula nervosa”. No 4º ano do curso abriu, junto com o irmão, um laboratório de análises próximo â Santa Casa, cuja enfermaria passou a frequentar e realizar necropsias em seu laboratório. Em 1906, quando Rocha Lima deixou o Instituto Soroterápico e voltou à Alemanha para aprofundar seus estudos, ele foi convidado por Oswaldo Cruz para remediar esta ausência, trabalhando na Seção de Histopatologia.

No ano seguinte ingressou, por concurso, no Hospital Nacional de Alienados, dirigido por Juliano Moreira. Logo após a formatura, foi promovido a chefe da Seção de Anatomia Patológica do Instituto Oswaldo Cruz e prosseguiu na carreira acadêmica. Conquistou o título de Livre Docência em Anatomia Patológica, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1913, e passou a reger a cadeira de Histologia Normal da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária do Ministério da Agricultura.

Em 1909, foi convidado por Carlos Chagas para fazer a caracterização histopatológica do recém-descoberto Trypanosoma cruzi. Tal estudo da anatomia patológica da doença de Chagas era essencial para a confirmação do quadro clínico da doença e sua aceitação como nova entidade nosológica. A importância desse estudo ficou na penumbra devido ao sucesso da descoberta da Doença de Chagas. Mas, felizmente, foi publicado em 1911 e até hoje permanece como exemplo de descrição minuciosa ainda atual no estudo do sistema nervoso central na fase aguda da doença.

Pesquisou, também, os Trypanosoma gambiense, T. equinum, T. equiperdum e T. congolense. Com base nestas pesquisas, descreveu uma nova espécie de Leishmania, denominando-a braziliensis, em 1911, responsável pela úlcera de Bauru ou leishmaniose tegumentar americana. Em 1912, propôs um tratamento específico pela injeção venosa do tártaro emético ou antimonial, que era eficaz para conter a enfermidade, abrindo caminho para o uso da substância também no granuloma venéreo e na esquistossomose. Com isto se deu o início da quimioterapia anti-infecciosa. O trabalho foi publicado em alemão e teve repercussão mundial. Em sua tese de livre docência – Moléstia de Posadas-Wernicke. Lesões apendiculares -, descreveu a “blastomicose brasileira” ou paracoccidioidomicose (doença de Lutz, Splendore & Almeida) e não a coccidioidomicose (doença de Posadas & Wernocke), numa época em que o próprio Adolfo Lutz (1908), incorrera neste engano, ao descrever a doença. Pela primeira vez, ele traçou todo o quadro clínico e anatomopatológico da doença de Lutz.

Como se vê, era um jovem e promissor cientista. Em apenas 6 anos (1908-1914) publicou 23 trabalhos científicos de envergadura nas áreas: histologia, protozoologia, zoopatologia, microbiologia e anatomia patológica, micologia e quimioterapia. Em abril de 1914, enquanto fazia necropsia do cadáver de uma vítima de tuberculose, fez uma incisão no tórax em ponto onde, ele não sabia, havia grande quantidade de líquidos contaminados sob grande pressão torácica. Aberta a incisão, um jato contaminado atingiu sua boca, causando grave infecção tuberculosa que evoluiu para granulia e meningite, vindo a falecer 2 meses depois em 14/6/1914, aos 29 anos.

Em Belém, um decreto estadual celebrou o seu nascimento, 5 de maio, como “Dia de Gaspar Vianna” e, em 2001, nas comemorações do 25º aniversário da TV Liberal, de Belém, ele foi eleito “Paraense do Século XX”, pela descoberta da cura da Leishmaniose, que ajudou a salvar milhões de pessoas em todo o mundo. Em âmbito nacional, a “Revista do Hospital das Clínicas de São Paulo” inscreveu-o em uma lista dos dez maiores nomes da medicina brasileira no século XX, após enquete entre entidades médicas, científicas e educacionais. Em maio de 2016, a Assembleia Legislativa do Pará em parceria com a Fundação Hospital de Clinicas Gaspar Vianna, lançou um selo postal em comemoração ao seu aniversário. Na ocasião foi lançada, também, uma revista em quadrinhos contando sua curta e profícua trajetória – “Gaspar Vianna: legado de um herói” – para distribuição aos alunos de ensino médio. Um breve ensaio biográfico – “Opera Omnia de Gaspar Vianna – foi escrito por Edgar de Cerqueira Falcão e publicado, em 1962, pela Empresa Gráfica Revista dos Tribunais.

13 pensou em “OS BRASILEIROS: Gaspar Vianna

  1. Quinzena passada (12/6) publiquei o último dos “sonhos tropicais”, biografias de uma turma de médicos envoltos na saga de Oswaldo Cruz no combate às epidemias no início do século passado: Rocha Lima.
    Antes disso publiquei aqui breve ensaio reunindo os 5 primeiros nomes: “Sonhos tropicais na pandemia: os cabras da peste”.
    O nome foi sugerido pelo meu filho, ex-aluno da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, cuja Associação Atlética homenageia o médico. Fiquei surpreso ao saber que Rocha Lima foi um dos mais importantes colaboradores de Oswaldo Cruz e fundamental no desenvolvimento posterior do que viria a ser a FioCruz em âmbito internacional. Conclui o relato citando o ensaio biográfico escrito por Santos Moraes, intitulado “Dois cientistas brasileiros (Rocha Lima e Gaspar Vianna)”, publicada em 1968, pela Edições Tempo Brasileiro.
    Fui verificar quem foi Gaspar Vianna e deparo com outra surpresa: foi um dos primeiros jovens talentos arregimentados por Oswaldo Cruz, que substituiu Rocha Lima, quando este voltou à Alemanha para aprofundar seus estudos Gaspar Vianna faleceu aos 29 anos numa circunstância que lhe rendeu o justo epiteto de “Mártir da Ciência”.
    Um bom nome para encerrar esta homenagem aos pioneiros cuidadores da saúde, caso não surja outro. Enquanto isso, vamos prosseguir homenageando os cuidadores da saúde mental. Próxima quinzena teremos Juliano Moreira, que desembarcou no Rio de Janeiro no exato momento em que Oswaldo Cruz iniciava sua cruzada sanitária.

    • Carlos
      É o que tenho dito e repetido: Este Pais é grande não só pela própria natureza, como cantado no hino .
      Grato pelo estímulo e vamos levantando nomes mais ou menos esquecidos.

  2. Bom dia Sr. José Domingos,ler seu artigos biográficos aos domingos, é sempre gratificante, nosso país é “especialista” em esquecer seus filhos ilustres e “conhecer” grande brasileiro Rocha Lima, me enche de orgulho.

  3. Caro Marcos Pontes

    Eu também me encho de orgulho ao conhecer tantos brasileiros fantásticos e mais ou menos esquecidos em nossa memória coletiva. Parece que sina dos brasileiros é não valorizar suas riquezas, sejam naturais ou humanas.
    Próxima quinzena vamos conhecer um nome -Juliano Moreira- que despontou entre os maiores psiquiatras do mundo numa revista alemã no incio do século XX, que nós lhe demos o título de “patrono da psiquiatria”, mas pouco sabemos quem foi e o que fez no exato momento em que Oswaldo Cruz desbravou a Medicnia.

  4. Mestre Brito,

    Os grandes cientistas brasileiros do Século XX estavam aguardando um estudo aprofundado de sua importância e contribuição às descobertas científicas que salvaram muitas vidas.

    Você não imagina o quando me sinto feliz em ter no nobre memorialista um regatador de homens abnegados que deram suas vidas às descobertas da cura de tal ou tais doença.

    Hoje está comprovado que o mundo precisa e muito dos seus cientistas, pessoas dedicadas a descoberta da cura dos males que afligem a humanidade.

    Por que será que no Brasil áreas sociais sem importância nenhuma à saúde do povo tem mais importância do que um cientista, biólogo, sanitarista?…

    Gaspar de Oliveira Vianna faz parte dessa galeria de mártir que deu a vida para salvar vidas!

    • Cícero
      Acredita, eu também fiquei surpreso e agradecido ao meu filho por ter conhecido Rocha Lima e, através deste, Gaspar Vianna

  5. Os grandes brasileiros estavam órfãos de alguém que os apresentasse a nossos olhos. para isso surge Brito, não o botinudo zagueiro de meu Vasco, mas o fubânico Domingos (não o da Guia, outro craque) que aos domingos é Brito, um fora-de-série em descobrir talentos brasileiros.
    Domingueiro abraço, caríssimo

  6. Prezado José Domingos de Brito,
    É a primeira vez, que eu lhe escrevo, aqui de Belém do Pará, pois também sou fã das suas colunas aqui no JBF.
    E que homenagem você nos deu, com esse belo texto sobre a vida deste grande paraense. Aqui em Belém há varias homenagem ao Gaspar Vianna, como as que você citou, porém um texto desses sempre ajuda a divulgar e a manter viva a memória, especialmente aos mais jovens, deste filho tão nobre da nossa terra. Agradeço, em especial, ao excelente vídeo, que desconhecia, e que também vou divulgar.
    E aproveito para lhe deixar o link de um vídeo sobre Oswaldo Cruz, caso você não tenha, do qual eu gosto muito, em especial por tão bem retratar o Brasil, na verdade, o Rio de Janeiro, do início do século passado.
    https://www.youtube.com/watch?v=vLhiOq07KRc
    Um forte abraço, dessas terras amazônicas.

    • Caro Rômulo

      Grato pela sua manifestação Gostei muito de saber que o texto, saído de São Paulo, chegou até Belém do Pará. Espero que tenha alcançado o sudeste brasileiro, onde Gaspar Vianna é um ilustre descohecido.

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