JOSÉ DOMINGOS BRITO - MEMORIAL

Adolfo Lutz nasceu no Rio de Janeiro, em 18/12/1855. Médico sanitarista, zoologista, cientista e pioneiro da medicina tropical e saúde pública brasileiras. Junto com Oswaldo Cruz, Vital Brasil, Emílio Ribas e Carlos Chagas, entre outros, estabeleceu as bases de combate às epidemias e doenças urbanas, bem como a criação de sólidas instituições de pesquisas na área da saúde.

Criado numa tradicional família de Berna, Suíça, seu avô –Friedrich Bernard Jacob Lutz- chefiou o serviço médico do exército da Confederação Helvética. Seus pais –Gustav Lutz e Mathilde Oberteuffer chegaram ao Rio de Janeiro em 1850, no auge de uma epidemia de febre amarela. Em 1855, a cidade, passou por outra epidemia, agora, de cólera. Tanto o pai, que trabalhava no comércio, como a mãe eram grandes empreendedores. Dona Mathilde abriu uma escola, que veio a se tornar o Colégio Suiço-Brasileiro, no bairro Botafogo. Na época, o Rio era conhecido como o “túmulo dos imigrantes”. Isto fez com que a família voltasse à Suíça 2 anos depois. Mas, em 1864, os pais retornaram ao Rio, devido aos negócios, e deixaram os 3 filhos maiores em Basiléia para concluir os estudos. Adolfo contava com 9 anos e desde cedo demonstrava certa precocidade e segurança ao afirmar, aos 6 anos, que queria dedicar-se ao estudo da Natureza. Aos 13 anos já era leitor habitual da bíblia da biologia moderna: A origem das espécies, de Charles Darwin. Graduou-se médico na Universidade de Berna, em 1879 e, no ano seguinte, aos 25 anos, doutorou-se com tese sobre Os Efeitos Terapêuticos do Quebracho. Em seguida, fez cursos de especialização em medicina experimental em Londres, Viena, Praga e Paris, onde foi aluno de Louis Pasteur.

Retornou ao Brasil, em 1881, e foi trabalhar em Limeira (SP), como clínico geral por 6 anos. Interessado na área de pesquisa médica, foi estudar na Alemanha, especializando-se em doenças infecciosas e medicina tropical. Trabalhou junto a Paul Gerson Unna, “papa” da Dermatologia, e publicou seu primeiro trabalho sobre o micróbio da lepra (1886) na conceituada revista (atual) “Dermatologische Wochenschrift”. Foi uma grande contribuição ao caráter não contagioso da doença, motivo pelo qual foi convidado para o cargo de diretor do Hospital Kahili, no Havaí. onde passou a estudar in loco a hanseníase. Aí conheceu Amy Marie Gertrude Fowler, enfermeira inglesa voluntária, destacada pelo destemor com que entrava em contato com os leprosos. Trabalharam duro para demonstrar que a lepra não era uma doença contagiosa. Ao enfrentarem o preconceito dos colegas, suas afinidades se ampliaram e vieram a casar em 11/4/1891. Após breve período na Califórnia (EUA), foi convidado pelo governador de São Paulo, em 1893, como diretor interino do Instituto de Bacteriologia, que mais tarde foi rebatizado com seu nome. O instituto foi criado para estudar e combater as epidemias, endemias e epizootias mais comuns no estado. Com uma pequena equipe, ele foi a alma, o cérebro e a força de trabalho do instituto. Com sua dedicação, foi efetivado no cargo de diretor em 1895, onde permaneceu por 15 anos.

Por essa época, a cidade de Santos sofreu uma grande epidemia de peste bubônica e ele foi para lá junto com outros dois jovens médicos: Emílio Ribas e Vital Brasil, de quem ficou amigo e deu-lhe suporte às pesquisas sobre antídotos para picadas de cobra. Suas pesquisas tornaram-no o primeiro cientista latino-americano a confirmar os mecanismos de transmissão da febre amarela pelo Aedes aegypti, o mosquito vetor dessa doença. Sua dedicação à saúde pública, levou-a pesquisar várias epidemias, como a cólera, peste bubônica, febre tifoide, malária, ancilostomíase, esquistossomose e leishmaniose. Além de pioneiro na área da Entomologia, pesquisou as propriedades terapêuticas das plantas brasileiras. Como zoologista, descreveu várias espécies de insetos e anfíbios. Nesta área, sua filha, a bióloga Bertha Lutz (1894-1976) tornou-se conhecida com a descoberta de 10 espécies de anfíbios e famosa como pioneira na luta pelo voto da mulher. Em 1899, ingressou como membro honorário na Academia Nacional de Medicina. Seu nome passou a ser uma referência nacional na área da bacteriologia, que adquiria papel fundamental na saúde pública, com os surtos de cólera, febre tifoide, disenterias, febre amarela etc.

Neste período publicou dezenas de artigos nas principais revistas do mundo e mantinha contato com diversos cientistas em âmbito internacional. No contato profissional com os brasileiros, seu estilo alemão encontrou algumas dificuldades. Certa vez reclamou que os principais obstáculos não residiam nas condições externas e sim no caráter do brasileiro: “A pontualidade, solidez e sinceridade científica lhe são estranhas, e ele se sente completamente satisfeito em manter as aparências. As antipatias e simpatias pessoais frequentemente tomam o lugar da lei e do direito. O protecionismo e nepotismo são quase um cancro que não se pode exterminar.” Aposentado em 1908, aos 53 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro e foi ajudar seu amigo Oswaldo Cruz a erguer o Instituto de Manguinhos. Aí encontrou espaço para se dedicar integralmente à sua vocação de cientista. Pode, enfim, retomar as pesquisas em zoologia e botânica que não puderam ser realizadas a contento enquanto esteve em São Paulo.

Era um homem mais afeito ao trabalho solitário de laboratório e não um líder ou chefe aglutinador e formador de talentos. Não apreciava a publicidade inerente à condição de homem público. Mesmo em São Paulo, sempre deixou à Emilio Ribas o encargo, e louros, das grandes ações públicas. Dizia-se que não era um timoneiro do porte de Oswaldo Cruz. Certamente a união dos dois foi determinante para o sucesso da empreitada em fazer da FioCruz uma instituição respeitada na ciência mundial. Após a morte de Oswaldo Cruz, em 1917, continuou em estreita ligação com o novo diretor -Carlos Chagas- dotando o instituto de uma excelência técnica até 6/10/1940, quando veio a falecer. Em menos de um mês foi inaugurado o Instituto Adolfo Lutz (29/10/1940), a partir de uma fusão do Instituto Bacteriológico com o Laboratório Bromatológico, localizado ao lado da Faculdade de Medicina da USP.

Trata-se de uma das mais renomadas instituições cientificas no mundo. Conta hoje com 11 laboratórios regionais no interior do Estado e foi credenciado pelo Ministério da Saúde como Laboratório Nacional em Saúde Pública e Laboratório de Referência Macroregional. É também o Centro Controlador da OPS-Organização Pan-Americana de Saúde, nas áreas de arbuvírus e vírus influenza. É reconhecido como o principal centro de controle de qualidade de alimentos, bebidas, águas, medicamentos, cosméticos, produtos de higiene etc. Quanto ao legado, toda sua obra (21 livros) foi compilada e organizada pelo historiador Jaime Benchimol e pela bióloga Magali Romero Sá, editada em 4 volumes pela FioCruz em 2004. O mesmo autor escreveu também extenso esboço biográfico, publicado na revista da FioCruz “História, Ciências, Saúde-Manguinhos”, em 2003. Para acessar basta clicar aqui.

Sua filha Bertha Lutz se empenhou na preservação de sua memória e legado ao ponto de projetar um Museu no Rio de Janeiro, com apoio de instituições internacionais, mas não foi concluído. Em 1955 foram realizadas as celebrações do centenário de seu nascimento, registradas no documento “Comissão do centenário de Adolfo Lutz. Adolfo Lutz: vida e obra do grande cientista brasileiro, publicado pelo Conselho Nacional de Pesquisas, em 1956. Seu sobrenome foi homenageado com a denominação científica de uma espécie de perereca (Aplastodiscus lutzorum) e de um mosquito (Anopheles lutzi).]

8 pensou em “OS BRASILEIROS: Adolfo Lutz

    • É isso, Caro Jesus
      Vamos relembrar nossos pioneiros cuidadores da saúde enquanto durar essa pandemia .Já tivemos Oswaldo Cruz, Vital Brasil, Carlos Chagas, Adolfo Lutz e o próximo é Emílio Ribas.
      Grato pelo estímulo

  1. Pelo seu belo trabalho biográfico, completo com inúmeros detalhes
    esclarecedores, inclusive o trabalho conjunto com o grande cientista
    Oswaldo Cruz de grata memória, notamos a grande falta que faz
    HOJE no Brasil um cientista renomado com grande qualificação
    e pronto para se dedicar a combater este convid 19. Tenho certeza que se tívéssemos cientistas da qualidade daqueles citados no seu artigo, todos
    de enorme projeção internacional, não ficaríamos, como estamos,
    dependentes de pesquisas estrangeiras , que ao invés de nos
    auxiliar prontamente, fazem mais chantagens politicas, pouco se
    importando na verdade com a situação trágica que estamos passando e também em outros países de todos os continentes.
    Hoje, infelismente tudo é política, e os políticos são mais virulentos e perigosos
    do que todos os vírus até hoje encontrados

    Brito, peço desculpas por politizar o seu belo trabalho,
    mas é impossivel ficar calado diante de tanta safadeza do governadores
    e prefeitos que usam a pandemia como instrumento de ladroagem
    e proveito político. São todos uns monstros sugando o nosso sangue e
    cuspindo na nossa cara ostensivamente e amanhã eles vêm
    cinicamente pedir os nossos votos.

    Abraços. Seu aluno d,matt.

    • Caro d. matt
      Não precisa se desculpar. Estás coberto de razão. Só acho que ao citar apenas governadores e prefeitos, você deixou um peixe grande fora da rede.

  2. “[…] As antipatias e simpatias pessoais frequentemente tomam o lugar da lei e do direito. O protecionismo e nepotismo são quase um cancro que não se pode exterminar.”

    Adolfo Lutz disse tudo!!!

  3. Cara Miriam

    Você descobriu uma nova face de Adolfo Lutz, que a biografia não disse: Ele foi também um grande cientista social.
    Grato pela pertinente observação

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