MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

No ano da graça de 1969 este humilde escrivinhador que agora fuxica com vossuncê estava em Vitória, capital do Espírito Santo, trabalhando no Porto de Tubarão, à época o maior porto exportador de minério de ferro do mundo (hoje, se não me falha o bestunto, é o segundo). Em todas as rotas de navegação marítima do planeta o porto de Tubarão é destaque no mapa do Brasil.

Certo dia de manhã, cuja determinação precisa se perdeu no nevoeiro do passado, um pequeno navio inglês atracou no cais do porto de Tubarão para carregamento de minério de ferro da Companhia Vale do Rio Doce, com a inusitada situação de não ter a bordo o chamado “Chief Mate”, ou o Primeiro Oficial, o segundo homem em comando no navio, substituto do Comandante e responsável pelo carregamento. A operação de carregar o minério naquele pequeno navio levaria umas 4 horas.

O que se assucedeu bem assucedido é que no dia da saída do navio da Inglaterra o dito Primeiro Oficial, por alguma razão que ignoro, perdeu a hora de embarcar. Como o navio vinha vazio o Comandante resolveu partir assim mesmo, sem seu precioso auxiliar, ficando combinado que nos próximos dias nosso personagem voaria com destino ao Brasil e se juntaria à tripulação para retomar suas obrigações no carregamento e retorno à Inglaterra.

Até aí as cousas estavam sob controle. Ficou acertado com uma agência de viagens inglesa que o Primeiro Oficial tomaria um avião em Londres para chegar em Tubarão no dia anterior ao carregamento do navio.

A funcionária da agência londrina, certamente uma ruivinha cheia de sardas, não teve nenhuma dificuldade em localizar Tubarão no mapa do Brasil – no caso, a simpática e acolhedora cidade de Tubarão, em Santa Catarina. Sem aeroporto na cidade, a esperta moçoila também identificou que Florianópolis era o destino aéreo mais próximo de Tubarão, a apenas 140 km de distância.

Levantou a bola e deu a raquetada! Comprou a passagem só de ida Londres – São Paulo – Florianópolis e não alugou carro para nosso diligente oficial se deslocar de Florianópolis a Tubarão já que, sacudida e arretada que era, constatou que no Brasil se dirigia pela mão errada, segundo seu conceito, e um cidadão inglês acostumado a dirigir pela esquerda poderia ter dificuldades na terra dos caingangues.

Isso não seria problema. No aeroporto em Florianópolis se providenciaria um táxi. Também foi reservado um hotel em Tubarão para que nosso nauta descansasse à noite para pegar no batente no dia seguinte na parte da manhã.

Tudo funcionou com perfeição britânica: o Primeiro Oficial desembarcou em Florianópolis no meio da tarde e com a ajuda de funcionários da companhia aérea contratou um táxi até Tubarão, mostrou o endereço do hotel onde ficaria e foi descansar da longa viagem e da diferença de fuso horário.

No dia seguinte de manhã bem cedinho pediu à recepcionista do hotel que solicitasse um táxi para levá-lo ao porto para embarcar em seu navio. Foi aí que o dragão da confusão arreganhou seus dentes!

Em Tubarão, Santa Catarina, não há porto e, claro, nem navios, o mar fica a mais de 35 km de distância e não há nenhuma atividade ligada a minério de ferro na região.

Sem falar nada da língua portuguesa a não ser as tradicionais frases “señorita, ¿cuanto és?” e “una cerveza gelada, por favor”, sabidas por todos os gringos viajores, as sinapses de nosso “Chief mate” sofreram um curto circuito e deram um nó arretado nos neurônios. Ficou então sabendo que o porto de Tubarão, seu verdadeiro destino, ficava a 1.800 km de distância!

Após o pânico, e com a ajuda do pessoal do hotel, um táxi o levou de volta a Florianópolis, onde comprou uma passagem aérea de Floripa a Vitória. Chegou ao Porto de Tubarão no final da tarde.

O navio já havia partido de volta para a Inglaterra seis horas antes!

Despacharam o bravo súdito de Sua Majestade britânica em um avião para São Paulo com destino a Londres.

Não tenho nenhuma ideia de como foi sua reintegração à tripulação do navio, mas olhando o acontecido pelo lado positivo, seguramente nosso desavisado gringo e a ruivinha sardenta tiveram um notável aumento de seus conhecimentos sobre a geografia do Brasil.

17 pensou em “ONDE FICA TUBARÃO?

  1. Além do notável aumento de seus conhecimentos sobre a geografia do Brasil o desavisado gringo e a ruivinha sardenta certamente tiveram um abalo na reputação ante seus chefes ingleses. Garanto que na próxima vinda do navio à costa brasileira, o gringo irá direto ao Espírito Santo ao invés de fazer turismo desnecessário em Santa Catarina.

    • Grande e Glorioso Xico: seguramente o primeiro oficial deve ter levado uma britânica enrabada, o que, dependendo do ecletismo de suas preferências pessoais, pode ter sido agradável!!!
      Tenha um excelente final de semana. Um abraço.

  2. Caro Manovaldo,

    Tua coluna me fez lembrar de um episódio vivido por mim no início dos anos 1990, quando eu era representante comercial de uma empresa de equipamentos médicos; semelhante mas bem mais prosaico e regional:

    Na ocasião tive que visitar alguns clientes na pequena e belíssima cidade de Santa Rita do Passa Quatro – SP, terra de Zequinha de Abreu.

    Fui de ônibus e, após algumas baldeações, embarquei em Ribeirão Preto rumo ao meu destino final.

    Chegando na cidade passei a procurar o primeiro endereço e, após muito perguntar, (naquela época também não tinha GPS) descobri, para minha imensa vergonha, que tinha ido parar em Santa Rosa de Viterbo!

    O jeito foi ir pra rodoviária e pegar o primeiro ônibus para Ribeirão Preto. Ao menos conheci a também belíssima Santa Rosa.

    Acontece…..

    Grande abraço.

    • Ih, meu caro Pablo: se fosse contar minhas trapalhadas daria para encher os comentários do JBF por 17 meses!
      Quando morava em São José dos Campos, fui visitar meu irmão no Rio de Janeiro, em um novo endereço na Tijuca. Meu irmão me disse para encontrar-nos em um outro endereço, onde haveria a festa de casamento de uma parenta de sua esposa por nome de Elizabeth. Não sabia o nome da rua, mas o número da casa, e deu as explicações necessárias: era a terceira rua depois da avenida tal, perpendicular à Avenida Brasil, a entrada do Rio, logo depois da concessionária Ford, etc. Avisei que deveria chegar por volta das 18 horas. Fiz tudo direitinho. Cheguei lá na rua, e vi a festa do casamento. Entrei no meio da festa e, para certificar-me, conferi o nome da noiva: Elizabeth. Disse que era o cunhado da Cristina. Ninguém falou nada, só aqueles sorrizinhos sem graça. Comi, bebi, cumprimentei os noivos, mas nada de meu irmão. Quando, após as 20 horas, meu irmão não apareceu, achei que havia acontecido algo e resolvi procurar seu novo endereço na Tijuca com a cara e a coragem. Achei. Meu irmão já estava apavorado, achando que havia acontecido algum acidente comigo: “pô, rapaz, que aconteceu com você? Fiquei o tempo todo esperando por você na festa e nada!”
      Bem, o caso é que errei de rua. Entrei uma rua antes. Por coincidência havia um casamento também de uma moça chamada Elizabeth em uma casa com um número parecido.
      Pelo menos me diverti um pouco.
      Tenha um excelente final de semana.

  3. Magnovaldo, quase me estouro de rir. Caramba. Lembra os alemães, eu acho, que compraram passagens pra Salvador, na época da copa, e foram para em Ele Salvador..

    • Assuero, é bom deixar claro que já fiz das minhas. Quando me mudei para os Estados Unidos em 1999 fui morar em Phoenix, Arizona. Logo nos primeiros meses me enviaram para trabalhar na cidade de Springfield, no estado de Massachussetts, que é a maior cidade daquela região. Por pura ignorância comprei a passagem para Springfield, capital do estado do Illinois que, como capital, era a primeira que aparecia na lista da American Airlines. Depois dessa “cgd” fiquei sabendo que há 34 cidades chamadas de Springfield em 24 estados neste país.
      Um grande abraço.
      P.S.: Vai demorar muito chegar à próxima sexta-feira!

  4. Magnovaldo,

    A magna figura certamente com sua “prosa” tubaronística me fez lembrar imensos casos em minha jornada de caminhoneiro, na época em que os modernos gps de hoje não existiam; erros “quitais” levavam meu caminhão por estradas tão distantes como a confusão gerada por um TUBARÃO em seu texto.

    Eu, que tenho um “fraco” por ruivas, fiquei com dó da ruivinha sardenta. kkkkk

    Brigadão por me transportar ao passado…

    Abraçação de Sancho.

    • Sancho, você deve ser uma enciclopédia histórico-literária-filosófica ambulante.
      Por favor, publique seus contos para nossa alegria!
      Um abraçaçação!

  5. Eita, Valdo! Rindo até umas horas, como se diz por aqui em Recife.

    É muita cabeça pra pouco chapéu, nessas cucas malucas britânicas. Imagine se o gringo viesse procurar o município de Bom Jesus.

    Ele iria ter que Procurar no Piaui, Paraíba, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte. Não ia ser bom pra ele. ..

    • Pois é, meu caro Marcos. Na ocasião me deu pena do britânico nauta, mas depois também não me furtei a dar umas sonoras risadas. Até hoje me lembro da situação.
      Tenha um lindo final de semana junto aos seus queridos.

  6. Parabéns pelo excelente texto “ONDE FICA TUBARÃO?”, prezado cronista Magnovaldo Santos!

    Já dizia o “Velho Guerreiro” e “filósofo” Abelardo Chacrinha: “quem não se comunica se trumbica”.

    A história é hilária. Ninguém imagina o que pode sair da cabeça de uma pessoa incompetente, no exercício de uma função de responsabilidade!.

    Assim surgem as trapalhadas! rsrs

    Bom final de semana!

  7. Estimado Magnovaldo+dos+Santos,

    Mais uma vez o mestre nos presenteando com uma crônica magnífica: “ONDE FICA O TUBARÃO.”

    Os incompetentes, quando ocupam o poder para assumirem responsabilidades, são capazes de tudo, menos de sensibilidade.

    Abraçaço de coração no amigo.

    • Grande Cícero: essa “cgd”, para nós, foi hilária. Certamente não foi assim para os envolvidos. Imaginemos então quantas idiotices foram feitas pelos que têm poder e nos custaram muitíssimo caro. Ainda tenho algumas guardadas em meus alfarrábios, que publicarei em breve.
      Obrigado pelo seu gentil comentário. Tenha uma excelente semana.
      Grande abraço,

      • Magnovaldo, estimado cronista dos melhores que a gente só encontra aqui no JBF,

        Que venham novas histórias hilárias vividas pelo mestre e que estão armazenadas nesse cérebro privilegiado.

        Também possuo milhares, mas só de sacanagem presenciadas na profissão de corretagem, e que na medida das minhas possibilidades laborativas, narrarei para nossa alegria nesse espaço bertiano.

        Abraço forte, amigo! Saiba que o admiro e muito.

        • Nossa, já fiquei todo molhado com seu elogio e em saber que em breve teremos novidades sacanativas vindas do ilustre amigo.
          Abraços,

Deixe um comentário para Sancho Pança Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *