MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

Caravan, da General Motors

Em 1989, fui visitar meus pais em Caicó, RN, e aproveitar para mostrar a meus filhos o sertão do nordeste do Brasil, a terra de nossos antepassados. Para essa viagem me acompanharam os dois menores, Alexandre e Letícia. Foram quatro dias de São Paulo a Caicó, rodando pelas precárias estradas do interior do Brasil com uma Caravan e um mapa da Quatro Rodas.

No terceiro dia da viagem meu projeto era alcançar Garanhuns, Pernambuco, e buscar algum hotel onde passar a noite.

Nosso papo estradento versava sobre Lampião, natural daquele formoso estado, e nos intervalos da conversa cantávamos a famosa música “Maria Bonita”, nome da companheira do gentil, delicado, meigo e piedoso rei do cangaço (observação pessoal: imagino que ninguém do bando de Lampião cantava Maria Bonita). Lá chegamos por volta das 19 horas com o tanque quase na reserva e nosso primeiro objetivo foi procurar um posto, já que o racionamento de combustível então vigente no país determinava o fechamento dos postos às 20 horas.

Paramos no primeiro posto na entrada da cidade. Os jovenzinhos saíram para esticar as pernas enquanto a brava Caravan estava sendo abastecida. Em não mais que dois minutos a pequena Letícia, indicada várias vezes para o Prêmio Nobel da Curiosidade e Teimosia, voltou correndo para mim com os olhos esbugalhados e visivelmente assustada:

– Pai, há um homem ali com uma espingarda na mão!

Olhei na direção indicada e meus olhos não acreditavam no que viam: um sujeito mal encarado, todo suado, barba mal feita, atarracado, cabeça chata encimada por um chapéu sertanejo estilo Luiz Gonzaga, calmamente extraindo catoca do nariz, portando uma carabina e olhando de um lado para outro. Dir-se-ia (êta língua a nossa!) que era a própria reencarnação do cangaceiro “Mão-de-Grelha” (Marculino, cabra de Sinhô Pereira).

Alertei o frentista:

– Senhor, olhe, há um homem armado ali no canto.

O frentista não se abalou, continuou tranquilamente a abastecer o carro e buscou sossegar minha aflição:

– Não se aperreie não, dotô, aquele cabra arretado é o vigia do posto.

– Mas ele está com uma carabina nas mãos.

– É assim mesmo. Acontece que aqui ninguém arrespeita revórve. Em Garanhuns um três-oitão é arma de moça.

Um hotel de Garanhuns deixou de receber três hóspedes naquela noite. Engatei uma quarta, a Caravan cantou os pneus, e saímos dali o mais rápido possível.

Fomos dormir num hotel em Pesqueira para alcançar Caicó no dia seguinte.

4 pensou em “O VIGIA DO POSTO

  1. Magnovaldo, meu colega de Cabaré do Berto, às quartas-feiras, saudações. Ao acelerar sua Caravan para ir dormir em Pesqueira, você e sua prole perderam a oportunidade de dormir na Suiça Pernambucana. Terra boa, da gôta serena, onde tive o privilégio de vir à vida, a cerca de 79 anos atrás. Em 2018, ano em que conheci nosso amigo em comum Luiz Berto, pessoalmente, cheguei ao Recife de avião, aluguei um carro e fui visitar o padre que me casou, em 1970, atualmente residindo em Patos (PB). De lá desci para Maceió, passando, por Caruaru e Garanhuns, onde pernoitei e fiz uma visita nostálgica à cidade, que ainda mora no meu coração.
    P.S. Não cruzei com o guardião do posto.

    • Prezado Helio:
      Obrigado pelos seus comentários.
      Ainda tenho no meu coração que tenho duas dívidas com cidades de Pernambuco: Garanhuns e Caruarú, onde acontece a famosa feira.
      Se Deus permitir, ainda vou pagar essas dívidas.
      Um grande abraço,
      Magnovaldo

  2. Magno Explêndido Valdo,

    A boa prosa de sempre, onde o texto magno nos leva a fechar os olhos e “ver” o vigia do posto, as moças todas com três oitão nas delicadas maõs e a ´magna família em fuga (pernas para que te quero, no caso trocaram as pernas pela brava Caravan).
    Eita texto saboroso… tão saboroso como Thornedor ao café relojoeiro – filé alto, recheado com queijo gorgonzola, molho de café com ervas finas, acompanhado de penne com manjericão e batata gratinada (servido no Restaurante o Relojoeiro, lá de Garanhuns). ..

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