MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

O sr. Bráulio era um competente funcionário de uma empresa petroquímica que tinha suas instalações industriais em Ribeirão Pires, nas cercanias de São Paulo. Deveria ter por volta dos seus quarenta e cinco anos de idade quando o conheci em 1966 e era responsável pela Contabilidade na sede administrativa da empresa na capital. No mesmo andar do prédio, e vizinha da área financeira, ficava a seção de Transportes, onde estive estagiando por dois meses quando cursava o quarto ano de Engenharia.

O sr. Bráulio, um tiozão com a aparência mais séria deste mundo, condizente com sua função de Contador, faria qualquer cidadão desavisado o ter na mais alta consideração entre todos os mortais do planeta. Entretanto, por trás daquela solene figura estava o maior tirador de sarro de toda a América do Sul, e essa característica era conhecida por todos os seus colegas de trabalho. Se o Jornal da Besta Fubana existisse naquela época, seguramente o sr. Bráulio seria um exímio e assíduo colaborador desse admirado veículo do pensamento político-literário da sociedade brasileira.

A Contabilidade da empresa ficava em uma sala comprida, com 6 mesas dispostas em fileira, e ao final dela estava a sala do Gerente Financeiro, o sr. Osvaldo, um cabra meio seco e antipático, apesar de respeitado pela sua competência profissional. A mesa do sr. Bráulio era a primeira da sala.

Um belo dia pintou na área um cidadão elegantemente bem vestido, gravata borboleta e colete, usando óculos pince-nez e que lembrava o Machado de Assis. Dirigiu-se ao sr. Bráulio de maneira extremamente refinada:

– Bom dia, cavalheiro. Por acaso tenho a honra de falar com o sr. Osvaldo?

Ora, a primeira coisa que passou pela cabeça do sr. Bráulio foi que, se o almofadinha perguntou se ele era o sr. Osvaldo é porque, seguramente, não o conhecia em pessoa.

– Não”, respondeu. “O sr. Osvaldo fica na sala ali no fundo. Qual a sua graça?

– Meu nome é Doutor Fagundes, e tenho uma reunião marcada com ele neste horário.

– Por favor, aguarde aqui que já vou avisá-lo de sua presença.

E, no caminho para a sala do chefe já foi avisando os colegas, com trejeitos faciais e um sorrisinho arretado, que alguma coisa estava aprontando.

Entrou na sala, anunciou que o Doutor Fagundes já havia chegado para a reunião e, por via das dúvidas, certificou-se que também não era seu conhecido.

– Está aí um cavalheiro que se chama Doutor Fagundes. Disse que tem uma reunião consigo. Você o conhece?

– Não, não o conheço, pois esta reunião foi marcada entre ele e o Diretor, mas vou atendê-lo.

– Convém então avisá-lo então que o homem é mais surdo que uma porta.

E voltou para sua mesa, onde o esperava o elegante Doutor Fagundes.

– Doutor Fagundes, pode entrar. Devo avisá-lo, para facilitar seu diálogo, que o sr. Osvaldo tem sérias dificuldades auditivas. Convém falar bem alto para que ele o escute direito.

E o encontro dos dois foi uma beleza. Os primeiros berros ecoaram por todos os cantos do escritório:

– BOM DIA, SENHOR OSVALDO. ENCANTADO EM CONHECÊ-LO!

– BOM DIA, DOUTOR FAGUNDES. O PRAZER É TODO MEU. QUEIRA SENTAR-SE, POR FAVOR.

– MUITÍSSIMO GRATO POR SUA GENTILEZA EM ME ATENDER. VIM AQUI POR NOBRE DETERMINAÇÃO DO DIRETOR DA MINHA EMPRESA, CONFORME O SENHOR FOI ADREDE COMUNICADO PELO NOSSO PESSOAL.

A essa altura o sr. Osvaldo percebeu que todos os funcionários estavam mergulhados em uma geral, disfarçada e esculhambosa risada. Baixou então a voz e perguntou calmamente ao visitante:

– O senhor escuta bem?

– Sim, perfeitamente, mas me disseram que o senhor tinha uma séria dificuldade de audição, então tomei a liberdade de aumentar o volume de minha voz e…

– Entendo, mas deve ter havido uma pequena falha de comunicação. Eu também ouço bem, portanto não se preocupe, podemos conversar normalmente.

A reunião, tudo indica, foi muito produtiva e a reputação gozativenta do sr. Bráulio subiu mais um ponto. Convenientemente, quando o Doutor Fagundes terminou sua reunião e se retirou do recinto o sr. Bráulio tinha se ausentado para ir ao banheiro.

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