VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Décadas atrás, entrando pelo século passado, um deputado apresentou à Câmara Federal, um projeto de lei, propondo que os casamentos só fossem realizados, depois que os noivos se submetessem, com resultado negativo, à reação de Wassermann, que identificava a presença de Sífilis no sangue.

A mulher era considerada uma Cruz na vida do homem, transmissora de doenças, e por isso estigmatizada.

Vivia-se uma época excessivamente escrupulosa, e atrasada cientificamente. O temor das doenças, fazia com que os pais dos namorados pesquisassem as condições sanitárias dos antepassados dos pretendentes de seus filhos, até a quinta geração. Os noivos eram forçados a tomar um purgante de óleo de rícino oito dias antes do casamento, para limpar as impurezas do organismo. Era uma medida humanitária propagada pelo governo. Essa exigência chegava a reduzir o número de casamentos.

Considerado um prêmio para a mulher, o casamento, na verdade, era semelhante a uma coleira, que ela recebia no pescoço, até que a morte separasse o casal.

Na realidade, a mulher era um objeto de satisfação dos desejos do homem, com a finalidade de reproduzir a espécie.

Pois bem. Sem constrangimento nem entraves na língua, certo dia, Alvino, um fazendeiro grosseirão e metido a engraçado, dizendo-se insatisfeito com a vida, “filosofava” com os amigos, na mesa de um botequim, sobre a chatice e o peso do casamento:

– O casamento só pode ser compreendido por alguém, que já teve um automóvel. A esposa, mulher definitiva, é uma espécie de automóvel particular. À medida que o tempo vai passando, não existe no mundo coisa que dê mais trabalho e despesa do que um automóvel. Um dia, é uma peça que falha; no outro, é a gasolina que está acabando; mais tarde, aparecem arranhões na lataria…. E o dono do automóvel gasta quase tudo o que ganha, para mantê-lo funcionando.

Dizia que uma amante era considerada o “táxi” do coração. Ao homem, só proporcionava alegria. O homem pega, paga, e salta onde quer, sem se preocupar onde fica a garagem, nem com o estado do motor ou a marca do lubrificante.

Nesse momento, soaram, monótonas, na torre da Igreja, as seis badaladas metálicas da Ave-Maria. Era a “”Hora do Angelus”, mediante o Toque das Ave-Marias ou Toque das Trindades, que corresponde às 6h00, 12h00 e 18h00, e relembra aos católicos (através de um toque especial dos sinos das igrejas e capelas) o momento da Anunciação – feita pelo anjo Gabriel à Virgem Maria – da concepção de Jesus Cristo, acreditada como livre do pecado original. Nesse instante, é comum ao cristão parar a sua atividade por uns breves momentos, e se recolher em meditação e oração.

Alvino levantou-se, persignou-se, fazendo, solenemente, o sinal da Cruz, e foi ligeiro para casa, onde a esposa e os cinco filhos o esperavam para jantar.

No caminho, pediu perdão a Deus, pelas besteiras que tinha conversado com os amigos. Jurou que era tudo “da boca pra fora”.

14 pensou em “O RANZINZA

  1. Minha cara e divina Violante. Novidade para mim esta história de noivos terem que tomar óleo de rícino antes do casamento.

    Quanto ao Alvino, este é do tipo que conta vantagem para os amigos, porém diante da mulher é um cordeirinho. Espécime em extinção diante dos novos tempos.

    • Obrigada pelo comentário gentil, prezado João Francisco.
      Essa história é do “tempo do ronca”. Quando a ciência engatinhava e o terror das doenças era a Sífilis.
      A razão da obrigatoriedade dos noivos tomarem um purgante de óleo de rícino, oito dias antes do casamento, era para limpar o intestino, arrastando as impurezas
      O óleo de rícino, atualmente, é industrializado e aprovado pela Anvisa.

      Alvino, na frente dos amigos, era metido a engraçado e durão. Mas, não passava de um ótimo marido, que amava o seu “automóvel”… rsrs.

      Bom fim de semana!

  2. Texto legal ,que me fez lembrar sobre a mamona. E de fato como o João Francisco , eu não sabia disto .
    A mamona aqui é praga , no nordeste não. É ou era usada em foguetes , aviões , para cabelo , como laxante , etc .
    Mas para nubentes , só oito dias antes mesmo , pois se usar próximo a hora H ………….. Brincadeira! . E se a amante antes era considerada um ” taxi ” do coração , hoje é considerada “uber”. Está saindo bem mais barata ,talvez devido a concorrência enorme. Não sou religioso mas acredito que os confessionários já não tem o mesmo movimento de quando fiz a primeira comunhão ” ordenada ” pela antiga escola primária. Quanto ao deputado ranzinza , podemos ver o que seus subsequentes vão pelo mesmo caminho . E dá até para inclui-los numa música da Rita Lee , pois agora é moda.

    • Obrigada pelo gratificante comentário, prezado Joaquimfrancisco!

      No Brasil, a mamona, cujo nome científico é Ricinus communis, também é conhecida como rícino, carrapateira, bafureira, baga ou palma-criste.

      O óleo de rícino é extraído da Mamona, e é utilizado, popularmente, para tratar vários problemas de saúde, como atrite, caspa, prisão de ventre e promover a hidratação da pele e cabelos.
      É uma planta oleaginosa, originária da África, Ásia, Europa e Índia. Foi introduzida no Brasil durante a colonização portuguesa.

      Seu uso principal, se dá através do óleo, usado na medicina popular como purgativo, na indústria química, e como matéria-prima para a produção de biodiesel.

      A figura da amante, “teúda e manteúda”, atualmente, é coisa rara. As mulheres trabalham e são independentes,
      Você tem razão, quando diz: “se a amante antes era considerada um ” taxi do coração” , hoje é considerada “uber”. Está saindo bem mais barata, talvez devido a concorrência enorme”.
      Os confessionários também se esvaziaram. rsrsrs

      Rita Lee foi muito feliz na sua música, “Tudo vira b………….”:
      ………………….. ……………………………………

      “Prostituta e deputado
      A virtude e o pecado
      Esse governo e o passado
      Vai você que eu ‘tô cansado
      Tudo vira bosta”

      Bom final de semana!

      • 🙂

        Cara Violante, boa tarde!
        Achei o texto maneiro: Gostei!
        Quanto à música gravada pela Rita Lee, seu autor é o Moacyr Franco.

        • Obrigada pelo comentário gentil, prezado Jairo Juruna!
          Gostei de saber que a música de protesto, gravada por Rita Lee, é de autoria de Moacyr Franco.

          Grata pela informação!

          Boa noite e um ótimo domingo!

  3. Violante,

    Parabéns pela crônica abordando uma doença, que só teve a cura na década de 1940 com o aparecimento da penicilina, até hoje utilizada na terapia da sífilis, uma doença causada pela bactéria Treponema pallidum.
    A sífilis é doença infecto-contagiosa, transmitida pela via sexual e verticalmente durante a gestação. Caracteriza-se por períodos de atividade e latência; pelo acometimento sistêmico disseminado e pela evolução para complicações graves em parte dos pacientes que não trataram ou que foram tratados inadequadamente. É conhecida desde o século XV, e seu estudo ocupou todas as especialidades médicas e, de modo especial, a dermatologia. Seu agente etiológico, o Treponema pallidum, nunca foi cultivado e, apesar de descrito há mais de 100 anos e sendo tratado pela penicilina, sua droga mais eficaz, continua como um problema de saúde importante em países desenvolvidos ou subdesenvolvidos.
    Dizem que um especialista na doença veio a capital pernambucana, quando a sífilis era uma endemia no nosso país, e no final de sua explanação fez uma indelicadeza com a nossa cidade chamando-a: Recífílis, a venérea brasileira.

    Desejo um final de semana pleno de paz, saúde e alegria

    Aristeu

    • Obrigada pelo excelente comentário, prezado Aristeu!

      Décadas atrás, a Sífilis era um estigma na vida das pessoas de vida sexual promíscua. Não tinha cura, e também era transmitida pela gravidez.

      Somente na década de 40, com a introdução da penicilina, começou a cura dos doentes acometidos pela terrível doença. Entretanto, estudos mais recentes indicam que a infecção entre os profissionais do sexo não é maior que entre os homossexuais e bissexuais em geral.
      Em 2015, Cuba foi o primeiro país a erradicar a transmissão de sífilis entre mãe e filho.
      Como a doença também é transmitida pela gravidez, ainda não foi totalmente erradicada.

      Achei muito deselegante, o tal especialista em Sífilis, que foi ao Recife fazer uma palestra sobre a doença e encerrou fazendo um trocadilho de mau gosto, com o nome da capital pernambucana.

      Um final de semana, com muita paz, saúde e alegria para você também!

      Violante Pimentel

  4. Vivi,
    Como Joaquimfrancisco e João Francisco, eu desconhecia totalmente o tal ritual com purgante de óleo de rícino (valha-me meus jisuis cristim di ritinha di miúdo) oito dias antes do casamento. Misericruzindredu, Vivi… e dizes que era uma medida humanitária propagada pelo governo (governantes sempre com ideias “maravilhosas” a virarem decreto “nénão”?). E como a noiva conseguia entrar sorrindo na igreja? Oito dias antes e com certeza demoraria uns seis meses para esquecer do gosto horrivel da beberagem. kkkkk.

    • Obrigada, querido Sancho, pelo comentário sensato e delicado.

      Esse ritual do purgante de óleo de rícino, oito dias antes do casamento, como diria um amigo meu, devia ser “de arrombar”…Um trauma que os noivos levariam pelo resto da vida…kkkkk

      Só podia mesmo ser ideia dos governantes, pois, na cabeça deles e na cabeça dos juízes, assim como em fraldas de bebês, a qualquer momento, aparece cocô…kkkkk

      Bom final de semana!

  5. Obrigado pela excelente crônica, Violante Pimentel.

    Na verdade Alvino sabia que o casamento, ao menos naquela época, era uma das maiores realizações do homem que parava de se aventurar com mulheres da vida difícil, e com essa atitude deixar de ser contaminado com as piores doenças daquela época.

    Lembro-me perfeitamente com os cuidados do Velho para com os meus irmãos mais velhos. Tinha pavor por doença “do mundo”.

    Um dia o Velho viu um colega com uma doença venérea, que teve de amputar o órgão genital na tora para conter o avanço da doença, mas que infelizmente não resistiu, e ficou traumatizado até se encantar, e passava para os filhos essa preocupação.

    Parabéns, querida cronista pelo excelente tema abordado – atualíssimo.

  6. Obrigada pelo comentário gentil, grande cronista Cícero Tavares!

    O texto envolve um tema sério, que diz respeito ao risco de contaminação da Sífilis, gravíssima doença venérea, numa época remota, quando ainda não havia cura.

    A benzilpenicilina, ou penicilina G, foi o primeiro antibiótico utilizado na medicina. A sua descoberta foi atribuída ao médico e bacteriologista escocês Alexander Fleming, em 1928.

    Somente na década de 40, com a introdução da penicilina, começou a cura dos doentes acometidos pela terrível doença. Entretanto, havia o contágio de mãe para filhos, através da gravidez.

    Segundo os estudiosos, o tratamento da Sífilis é feito com injeções de Penicilina Benzatina, também conhecida como Benzetacil, e apresenta uma taxa de cura acima de 95%, quando tomadas nas doses corretas, prescritas por um médico especializado.

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que mais de 1 milhão de casos de infecções sexualmente transmissíveis acontecem por dia no mundo. Entre essas infecções, a Sífilis aparece com força e, ao contrário do que muitos pensam, a doença não está erradicada.

    Estudos mais recentes indicam que a infecção entre os profissionais do sexo não é maior que entre os homossexuais e bissexuais em geral.

    Você tem razão quando diz:

    “Na verdade Alvino sabia que o casamento, ao menos naquela época, era uma das maiores realizações do homem que parava de se aventurar com mulheres da vida difícil, e com essa atitude deixar de ser contaminado com as piores doenças daquela época.”

    Grande abraço e um excelente final de semana!

  7. Obrigada pela presença, querida poetisa Dalinha Catunda!
    O purgante de óleo de rícino era um terror…mas funcionava…rsrs

    Atualmente, o Óleo de Rícino ainda é usado como laxante, com bula aprovada pela Anvisa.

    Um excelente domingo!

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