MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Alguns anos atrás, eu visitei um grande asilo para idosos aqui em Curitiba. Trata-se de uma instituição quase centenária, que graças a muitas pessoas generosas e uma administração séria formou um patrimônio rentável. Esse patrimônio, na forma de imóveis alugados, mantém em funcionamento vários asilos gratuitos, sendo o maior deles esse que visitei.

Imaginem minha surpresa quando um dos funcionários me contou que quase metade dos quartos do asilo estavam vazios! Naturalmente, perguntei o porquê. A resposta foi mais surpreendente ainda: ordens da prefeitura.

Acontece que pelas normas municipais, os asilos devem ter médico, enfermeiro, dentista, psicólogo, assistente social e nutricionista em seu quadro de funcionários, de acordo com uma tabela definida pelos burocratas. O asilo tinha um de cada, o que permitia manter exatamente 80 idosos. Se fossem 81, seria preciso contratar mais um médico, mais um dentista, mais um psicólogo… vocês entenderam.

Mas espera: não existem pessoas precisando? Claro que sim. Se você ainda não entendeu: para a prefeitura, ter 130 idosos (o número de leitos disponíveis) recebendo cama, comida e banho e sendo cuidados por um médico, um dentista e um nutricionista é inaceitável. É preferível manter apenas 80 e deixar os outros 50 na rua, sem comida, sem roupa, sem médico e sem dentista.

O nome disso é cegueira seletiva: ver apenas o que se quer e ignorar o restante. É feito o tempo todo por políticos, e muita gente não percebe (e até apoia).

Esse caso serve de introdução para um assunto bem mais importante: salário mínimo. Vejam essa notícia recente:

“Eleitores em Genebra, na Suíça, concordaram em introduzir um salário mínimo equivalente a US$ 25 por hora. Considerando-se 41 horas trabalhadas por semana, são US$ 4.347 (cerca de R$ 24.700) por mês – o que se acredita ser o mais alto salário mínimo em todo o mundo. A medida foi apoiada por uma coalização de grupos sindicais, que tem como objetivo “lutar contra a pobreza, favorecer a integração social e contribuir para o respeito da dignidade humana”. Esse novo salário mínimo vai se aplicar a cerca de 6% dos trabalhadores do cantão a partir de 1º de novembro. A adoção da iniciativa do salário mínimo em Genebra era “necessária”, uma vez que o desemprego representa uma ameaça à existência para muitos dos trabalhadores de baixa renda na cidade.”

Digamos que uma cidade constate que as pessoas de baixa renda não estão conseguindo ir ao dentista anualmente como recomendado: a solução seria aumentar o preço dos dentistas? Parece estúpido, não parece? Mesmo assim, o jornalista que escreveu a notícia acima não viu problema em dizer que aumentar o salário mínimo – ou seja, aumentar o preço do trabalho – é uma solução para o desemprego.

Os bons livros de história mostram que as primeiras leis de salário mínimo eram explicitamente xenofóbicas e racistas: visavam impedir pessoas consideradas “indesejáveis”, em geral imigrantes, de conseguir emprego. O recado era: “não venham para cá”. Funcionou, e funciona até hoje. Os motivos não são exatamente os mesmos. Antigamente, as sociedades eram muito mais fechadas, e barrar estrangeiros era considerado normal, e bom para a economia. Hoje, isso é politicamente incorreto e não pode ser dito, mas manter os pobres desempregados através do salário mínimo traz outras vantagens: de um lado, mantém estes pobres dependentes do governo, o que significa votos garantidos e de baixo custo. De outro lado, criam uma imagem de bondade e “amor aos pobres” que ganha votos daqueles que não sofrem as consequências e podem se dar ao luxo de abdicar da lógica para parecer bondosos. De quebra, garante ao político o apoio de sindicatos e ONGs que costumam ser bons em fazer propaganda.

Basicamente, salário mínimo significa dizer ao pobre exatamente o seguinte: Para nós, é melhor que você fique desempregado do que ganhar novecentos reais por mês. É mil ou nada. Exatamente como no caso do asilo: melhor ficar na rua do que descumprir as sagradas exigências burocráticas.

Nosso sistema educacional, como o de boa parte do mundo, se esforça em tirar das pessoas qualquer ideia lógica no que se refere a conceitos econômicos. É mais conveniente para o governo que as pessoas acreditem em clichês ilógicos do tipo “o patrão malvado paga sempre o mínimo possível”. Ora, a mesma imprensa que difunde estas ideias se contradiz quando admite, como no caso acima, que o novo salário mínimo de Genebra vai afetar 6% dos empregados. Isso quer dizer que 94% dos empregados de Genebra já ganham mais do que o novo mínimo estabelecido. Ué, mas não era um dogma que “as empresas só pagam mais se forem obrigadas pela lei”? Claro que não. Empresas pagam aquilo que cada um vale. Funcionários melhores, mais especializados, com mais conhecimento ou maior competência ganham mais do que os que não tem estas qualidades. E quem não tem qualidades suficientes para justificar o valor mínimo que a lei exige, perde o emprego.

Só essa pergunta “se os empresários malvados pagam sempre o mínimo possível, por que existe gente que ganha mais que o mínimo?” já serve para desmentir praticamente toda a argumentação a favor do salário mínimo. Pode-se complementar com outra: “se o salário mínimo é tão bom e só tem vantagens, por que todos os países não aumentam continuamente o salário mínimo e se tornam ricos?” A resposta, claro, é que aumentar salário mínimo não traz riqueza nem progresso, traz desemprego.

Os exemplos mais claros desse efeito em tempos recentes aconteceram na era Obama nos EUA. Entusiasmados pelo clima progressista, estados como Califórnia, Washington e Nova Iorque criaram leis estaduais estipulando salários mínimos bem maiores que o piso nacional. O efeito foi imediato, especialmente na população mais jovem: desemprego. Vejam este gráfico do Wall Street Journal: a linha vermelha é o salário mínimo, a linha azul o desemprego na faixa 17-25 anos.

Acontece que a realidade econômica não se importa com demagogias, populismos e palavras bonitas como “bondade”, “empatia”, “dignidade”. Empresários que investem seu próprio dinheiro não gostam de ver políticos dizendo a eles como administrar sua empresa. O resultado do populismo é sempre o desestímulo ao empreendedorismo, e a concentração do mercado na mão do governo e de seus amigos, que podem se dar ao luxo de praticar demagogia porque têm outras formas de garantir seu lucro.

O que vai acontecer em Genebra? Provavelmente quase nada, já que é uma cidade riquíssima com uma população altamente produtiva, e que já ganha mais do que o salário mínimo. Talvez um ou outro jovem tenha mais dificuldade em achar um emprego de salário mínimo e tenha que procurar em outra cidade.

Mas em países pobres como o Brasil, a política populista traz consequências desastrosas: literalmente milhões de possíveis pequenos empreendedores são impedidos de criar ou manter seus negócios porque não podem pagar o mínimo que o governo exige. Outros milhões de pessoas que poderiam ter um emprego e um salário são obrigadas a permanecer desempregadas.

E para muita gente, deixar uma pessoa trabalhar por oitocentos ou novecentos reais por mês seria feio, faria mal à “dignidade” dessa pessoa. Mas não é ruim para a dignidade dessa mesma pessoa permanecer improdutiva e viver com seiscentos reais de “auxílio”, auxílio esse que é bancado, a duras penas, por toda a sociedade.

4 pensou em “O QUE SE VÊ E O QUE NÃO SE VÊ

  1. Algo muito parecido aconteceu com as “empregadas domésticas” brasileiras.

    Exemplifico: Quando jovem, em meus tempos de Caserna, conheci um subtenente maranhense que trabalhava em São Paulo (grande Ferreirinha. Beijão, meu velho).

    O que fazia ele? Trazia do Maranhão sempre a tal “secretária do lar”, oferecendo casa, comida, roupa lavada e dinheiro que era entregue à família da moça que estava na terra sarneyana.

    Não sei o quanto pagava, mas ajudava a jovem a vir para um grande centro e à família dela com os recursos financeiros que enviava.

    Veio a lei da doméstica e complicou tudo…

    Não sei se o grande Ferreirinha ainda consegue fazer tal transferência de renda, pois hoje estaria sujeito a alguns processos judiciais por tal prática.

    Quantas famílias deixaram de dar o “primeiro emprego” para jovens mocinhas de famílias pobres por não terem como pagar os encargos trabalhistas?

    Dou mais um exemplo: o primeiro emprego de minha esposa, quando tinha 15 anos foi de babá do filho de um advogado.

    Como seu pai estava doente e impossibilitado de trabalhar´, era com a “mixaria” que ganhava que ajudava no sustento da família.

    • Exatamente, Sancho. Ter uma doméstica hoje é atitude de alto risco, não só pelo salário mínimo como pela justiça do trabalho.

  2. Meus dois gurus hoje estão mais afiados que nunca.

    Parabéns a ambos.

    A regra é clara: Não trabalhou? NÃO COME, PORRA!!!!

    Eu quero e posso pagar isso, aceitas? Como a população é toda formada por retardados mentais, o PAPAIZÃO chamado governo tem de se meter. Para isso, fica com 36,5% de tudo o que o otário vier a ganhar. BEM FEITO! Só para largar de ser imbecil.

    • Que se aplique a regra adônica: A regra é clara: Não trabalhou? NÃO COME, PORRA!!!!

      Isso nos leva novamente a texto recente do mesmo Marcelo, que termina assim:

      Ah, vender água não dá pra você não?

      Então a crise no seu caso não tá no país, tá dentro de você.

Deixe um comentário para Sancho Pança Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *