Para ajudar a entender melhor, um pequeno resumo sobre como a Venezuela chegou onde está hoje, enfocando principalmente o setor do petróleo:
– A Organização dos Países Exportadores de Petróleo, OPEP, nasceu em 1960 tendo a Venezuela como um dos fundadores.
– Durante os anos 60, a Venezuela produzia mais de dez por cento do petróleo do mundo. Seu PIB per capita era mais que o triplo do Brasil, e não ficava muito atrás dos EUA. Os governos da época falvam em diversificar a economia para não se tornar “dependentes” do petróleo, mas isso ficou mais no discurso que na prática.
– Em 1976 o presidente Carlos Andrés Perez criou uma estatal (a PDVSA) para assumir todo a exploração e comércio do óleo do país, banindo as empresas estrangeiras que até então operavam sob concessões. Nos primeiros anos, a PDVSA operou com competência e eficiência, tendo contratado muitos dos executivos e engenheiros especializados que trabalhavam nas empresas estrangeiras banidas.
– No início dos anos 90, a PDVSA começou a se associar a empresas internacionais, principalmente na exploração de petróleo pesado na região do Orinoco, que exigia uma volume de recursos e uma tecnologia que a PDVSA sozinha não conseguiria ter.
– Em 1992 o então tenente-coronel Hugo Chávez participou de uma tentativa fracassada de golpe contra o governo. Chávez foi preso.
– Em 1998 uma recessão mundial derrubou o preço do petróleo. A Venezuela, que apesar dos discursos permanecia dependente da PDVSA, com a venda de óleo representando um terço da receita do governo federal, chegou à beira do colapso econômico.
– Neste ano o recém-libertado Chávez venceu as eleições presidenciais, com promessas de superar a crise e devolver a prosperidade ao país.
– As primeiras ações de Chávez visaram colocar a PDVSA sob controle total do governo. Logo após a posse, o presidente da PDVSA, Luis Giusti, com três décadas de experiência na área de petróleo, renunciou e mudou-se do país. Após sua saída, vários outros diretores se demitiram ou foram demitidos por Chávez.
– Chávez determinou que a PDVSA reduzisse seus investimentos em exploração, pesquisa e manutenção de instalações e transferisse seus lucros para o governo federal. Nas palavras de Pedro Burelli, um dos diretores que Chávez demitiu logo no início de seu mandato, “Ele não sabia nada sobre qualquer coisa relacionada a petróleo. Geologia, engenharia, o mercado internacional de óleo, nada. Era uma ignorância enciclopédica.”
– Em 2001 uma nova lei imposta por Chávez elevou os royalties pagos pelas empresas que atuavam no país e determinava que estas só poderiam atuar como sócias minoritárias da PDVSA.
– Em 2002 Chávez colocou na presidência da PDVSA o esquerdista Gastón Parra Luzardo, um professor de economia que era notoriamente contra os investimentos privados e a favor da estatização. No mês de abril, Chávez fez um discurso acusando e humilhando vários diretores da PDVSA, que foram demitidos ao vivo pela televisão. Seus substitutos foram políticos e aliados de Chávez.
– No final de 2002 a popularidade de Chávez havia despencado, principalmente entre os funcionários da PDVSA. Uma greve em desembro quase paralisou a produção do país. Ironicamente, quem salvou Chávez foram as empresas estrangeiras, onde não houve greve. A produção destas empresas manteve alguma receita para o governo e pressionou os funcionários da PDVSA a encerrar as manifestações.
– A greve se encerrou após dois meses. Chávez imediatamente iniciou sua vingança, demitindo todos que não haviam ficado ao lado do governo. Em poucos meses, a PDVSA demitiu 18.000 funcionários, incluindo praticamente todos os engenheiros e técnicos especializados.
– Não demorou muito para que até mesmo Chávez percebesse que os funcionários demitidos (e substituídos por apadrinhados políticos) faziam falta. A produção caiu, acidentes e derramamentos se acumularam. Membros do governo chegaram a consultar membros da embaixada americana em Caracas pedindo que estes intermediassem contratos sigilosos de compra de tecnologia e de treinamento para funcionários da PDVSA.
– Nos anos seguintes, Chávez continuou a perseguir as empresas estrangeiras com aumentos de impostos, cobranças de multas por infrações inventadas, e exigências burocráticas absurdas. Uma a uma, as empresas foram desistindo e abandonando o país, às vezes perdendo todo o investimento em função de confiscos abertos ou disfarçados.
– Com o déficit crescendo sem controle e a credibilidade a zero, o governo da Venezuela começou a ter dificuldades até mesmo para fechar simples contratos de importação. A salvação era sempre a PDVSA. Em 2007, a empresa foi encarregada pelo governo de controlar a produção, importação e distribuição de leite. Logo depois, passou a controlar também a importação de outros alimentos como arroz e óleo de cozinha. As expropriações e confiscos eram constantes e a todo momento empresários fugiam do país depois de ver todos seus bens tomados pelo governo.
– Em 2014, um ano após a morte de Chávez e a ascensão de Maduro, o preço do petróleo caiu de mais de cem dólares o barril para menos de cinquenta. A exportação de petróleo fornecia 95% das divisas da Venezuela, e a queda de receita lançou o país em uma profunda recessão acompanhada de uma inflação explosiva.
– Desde os tempos de Chávez, a Venezuela doa petróleo para Cuba. Cuba retribuiu enviando militares que se instalaram dentro das forças armadas da Venezuela como “consultores”. O quanto Cuba controla as forças armadas da Venezuela é uma dúvida para a qual ninguém se arrisca a dar um palpite.
– A maior parte da produção da Venezuela é de petróleo extra-pesado. Para ser comercializado, este óleo necessita ser misturado a petróleo leve, que a Venezuela não produz em quantidade suficiente e precisa importar. As importações se tornaram difíceis devido à constante falta de fundos, com a maioria dos fornecedores exigindo pagamento antecipado da PDVSA para entregar o óleo.
– Por absurdo que pareça, a Venezuela também importa gasolina e diesel, porque não tem refinarias suficientes para seu consumo. No melhor estilo populista, a gasolina é vendida por preços absurdamente baixos. O país também importa mais de 80% dos alimentos que consome.
– Nos últimos anos, a Venezuela recebeu vultosos empréstimos da Rússia e da China, a serem pagos em petróleo. Com a queda da produção, quase toda a produção da Venezuela hoje não é vendida, e sim entregue a esses países como amortização da dívida. A PDVSA tem que arcar com as despesas de produção e enviar o petróleo, sem receber nada.
– A produção da Venezuela, que era de mais de três milhões de barris por dia quando Chávez chegou ao poder, hoje é de menos de um milhão, e deve continuar caindo. Especialistas dizem que a falta de conhecimento técnico provavelmente danificou muitos poços, que terão que ser substituídos através de novas perfurações. A infra-estrutura da PDVSA está quase completamente destruída; em muitos locais os funcionários roubaram quase tudo que tinha algum valor de revenda, já que não recebiam os salários. Até mesmo canos e tanques são cortados e vendidos como ferro-velho.
– Um engenheiro que conheceu a fundo a indústria de petróleo de Venezuela estimou que serão necessários dez a quinze anos para reconstruir a infra-estrutura da PDVSA, a um custo de dez bilhões de dólares por ano.
Texto baseado principalmente em um artigo de Keith Johnson publicado em Julho de 2018 na revista Foreign Policy.