A PALAVRA DO EDITOR

O preto entrou na tenda da cigana. Ele era de raça preta subsaariana, quase azulada, banto de cor e alma. Os olhos sanguíneos, vermelhos, denunciavam-lhe a descendência racial direta dos quilombolas.

Essa cigana era considerada uma mulher de poderes fenomenais e extraordinariamente assustadores dignos de Fausto. Tinham já feitos prodígios demoníacos, sentenças devastadoras, feitiços deslumbrantes. Conhecia o submundo da magia negra e era praticante dos mais recônditos e infernais segredos do Vodu e da Santeria. Diziam até que ela era uma bruxa fugida de Salém. E era bem possível que assim o fosse.

O preto azulado sentou-se resoluto diante da cigana, como o corvo de Poe adentrara em seus umbrais. A escuridão da tenda encobriu o banto, tornando-o ainda mais preto. Ele ansiava mesmo um feitiço poderoso a qualquer custo, desesperadamente. A cigana adivinhou logo o que o banto ansiava, mas perguntou-lhe, só por praxe. Coisa de ciganos e adivinhos. Perguntam, embora já saibam o querem aqueles que os procuram. Perguntam, só por perguntar.

– Quero ser branco. – disse o preto taxativo. Para ele não haveria nem mais nem menos. Tinha que ser branco a qualquer custo. Venderia sua alma ao mais vil dos demônios.

A cigana sorriu. Não era a primeira vez que alguém a procurava para tais fins. Naquela tenda a alma humana não passava de mísera moeda de troca para a satisfação dos mais esdrúxulos desejos. Os demônios escondidos nos cantos exultavam. A cigana segurou com força a mão do banto. Ele fechou os olhos, rangeu os dentes, salivou e com voz rouca, repetiu:

– Quero ser branco!

A cigana sorriu. Sacou de uma faca e fez um pequeno corte em forma de cruz na mão do preto, deixando esvair uma quantidade considerável de sangue em uma tigela. O preto experimentou uma tontura passageira e adormeceu na cadeira. Acordou no dia seguinte disposto. Mais uma vez a cigana lhe sorriu.

– Pode ir. O senhor já está branco.

O banto saiu da tenda. O sol castigou-lhe a pele como se fosse um ferro em brasa. Olhou em volta e percebeu que todos assustados, olhavam para ele. Em vão tentou falar com alguém. Todos fugiam dele. Muitos viravam o rosto com repulsa. Assustado, o banto retornou para a tenda da cigana.

– Pode ir. O senhor já está branco. – repetiu a cigana, agora visivelmente hostil, empurrando-o para fora da tenda. O banto, apavorado, perguntou onde estava. A cigana maternalmente levou-o para fora da tenda.

– O senhor está em Dar es Salaam. Mas tenha cuidado. Aqui na Tanzânia, as pessoas odeiam os albinos.

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