ARISTEU BEZERRA - CULTURA POPULAR

Antônio Gonçalves da Silva (1909-2002), mais conhecido por Patativa do Assaré, foi um poeta popular, compositor, cantor e repentista brasileiro. O cearense de Assaré teve sua obra registrada em folhetos de cordel, em discos e livros. Aos 16 anos, comprou sua primeira viola e começou a cantar de improviso. Com uma linguagem simples, porém poética, retratava a vida sofrida e árida do povo do sertão. Projetou-se com a música “Triste Partida” em 1964, uma toada de retirantes, gravada por Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Seus livros, traduzidos em vários idiomas, foram tema de estudos na Sorbonne, na cadeira de Literatura Popular Universal.

Seu trabalho se distingue pela marcante característica da oralidade. Seus poemas eram feitos e guardados na memória para depois serem recitados. Daí o impressionante poder de memória de Patativa, capaz de recitar qualquer um dos seus poemas, mesmo após os noventa anos de idade. Ele não retocava seus versos como os poetas de bancada costumam fazer; cada linha da poesia e rimas eclodia em sua cabeça como as plantas desabrochavam em seu roçado. O poema nascia inteiramente feito, harmônico, sem precisar de reparos.

O poeta Patativa do Assaré fez um dos maiores protestos políticos em poesia de cordel, quando criticou o abandono em que se encontrava a cidade de Assaré, na região do Cariri, no interior do Ceará, onde nasceu e viveu, sem nunca deixar de ser agricultor. Esta poesia cabe muito bem para os dias de hoje, em diversas cidades do Nordeste, bastando trocar o nome de Assaré pelo da sua cidade para alguém enxergar a situação em que vive.

PREFEITURA SEM PREFEITO

Nossa vida atroz e dura
Tudo pode acontecer,
Muito breve há de se ver
Prefeito sem prefeitura;
Vejo que alguém me censura
E não fica satisfeito,
Porém, eu ando sem jeito,
Sem esperança e sem fé,
Por ver no meu Assaré.
Prefeitura sem prefeito.

Por não ter literatura,
Nunca pude discernir
Se poderá existir
Prefeito sem prefeitura.
Porém, mesmo sem leitura,
Sem nenhum curso ter feito,
Eu conheço do direito
E sem lição de ninguém
Descobri onde é que tem
Prefeitura sem prefeito.

Ainda que alguém me diga
Que viu um mudo falando
E um elefante dançando
No lombo de uma formiga,
Não me causará intriga,
Escutarei com respeito,
Não mentiu este sujeito,
Muito mais barbaridade
É haver numa cidade
Prefeitura sem prefeito.

Não vou teimar com quem diz
Que viu ferro dá azeite,
Um avestruz dando leite
E pedra criar raiz,
Ema apanhar de perdiz
E um rio fora do leito,
Um aleijão sem defeito
E um morto declarar guerra,
Porque vejo em minha terra
Prefeitura sem prefeito.

7 pensou em “O POEMA PREFEITURA SEM PREFEITO, DE PATATIVA DO ASSARÉ, CONTINUA ATUALÍSSIMO

  1. Parabéns pela rica e oportuna postagem, prezado Aristeu! Um verdadeiro presente para os seus leitores!
    O genial poeta popular, compositor, cantor e repentista cearense, Antônio Gonçalves da Silva (1909 – 2002), conhecido como Patativa do Assaré, foi um verdadeiro visionário.
    Seu poema “Prefeitura sem Prefeito” será sempre atual. Sua música “A triste Partida” se eternizou na voz do grande Luiz Gonzaga (1964).

    Sua capacidade de memorizar seus poemas e músicas, e depois poder recitá-los, mesmo depois dos noventa anos, mostra que ele foi um predestinado.

    Grande abraço e uma ótima semana!

    Violante Pimentel Natal (RN)

    • Violante,

      Muito obrigado por suas generosas palavras. Suas observações sobre Patativa do Assaré fazem justiça ao “porta-voz do sertão”. Ele era um homem simples, porém de grande sabedoria e inteligência linguística, é um daqueles casos em que a poesia se mistura e se confunde com a vida de quem a escreve. Compartilho um poema desse grande poeta popular com a prezada amiga:

      ARTE MATUTA

      Eu nasci ouvindo os cantos
      das aves de minha serra
      e vendo os belos encantos
      que a mata bonita encerra
      foi ali que eu fui crescendo
      fui vendo e fui aprendendo
      no livro da natureza
      onde Deus é mais visível
      o coração mais sensível
      e a vida tem mais pureza.

      Sem poder fazer escolhas
      de livro artificial
      estudei nas lindas folhas
      do meu livro natural
      e, assim, longe da cidade
      lendo nessa faculdade
      que tem todos os sinais
      com esses estudos meus
      aprendi amar a Deus
      na vida dos animais.

      Quando canta o sabiá
      Sem nunca ter tido estudo
      eu vejo que Deus está
      por dentro daquilo tudo
      aquele pássaro amado
      no seu gorgeio sagrado
      nunca uma nota falhou
      na sua canção amena
      só canta o que Deus ordena
      só diz o que Deus mandou.

      Desejo uma semana plena de paz, saúde e alegria

      Aristeu

      • Obrigada pelo precioso poema “Arte Matuta” de Patativa do Assaré, que, gentilmente, você compartilhou comigo, Aristeu! Estou encantada com a beleza e o lirismo desse poema!

        Grande abraço! Muita saúde e Paz!

  2. Assisti uma entrevista de Patativa do Assaré no programa de Jô Soares. Tive oportunidade de vê-lo declamar “Prefeitura sem Prefeito”, além de outras histórias engraçadas. Por conta desse poema, o poeta foi preso; entretanto a revolta do povo foi tamanha que o delegado soltou em menos de uma hora.

    • Messias,

      Grato por seu comentário valioso. A sua informação sobre a prisão de Patativa por conta do poema famoso é verdadeira. Depois destes versos, Patativa contou que alguém de uma rádio local tomou conhecimento e eles foram colocados no ar.
      O prefeito ouviu e mandou prender o poeta. Mas por pouco tempo, pois houve pressão de pessoas que organizaram um movimento para soltá-lo.
      O poeta contou que, ao ser preso, viu numa parede da delegacia uma gaiola com um passarinho. Era uma patativa. Criada, certamente, por algum funcionário. E fez estes outros versos:

      Patativa descontente,
      Nessa gaiola cativa,
      Embora bem diferente,
      Eu também sou patativa.

      Linda avezinha pequena,
      Temos o mesmo desgosto,
      Sofremos a mesma pena,
      Embora em sentido oposto.

      Meu sofrer e teu penar
      Clamam a divina lei.
      Tu, presa para cantar,
      Eu, preso porque cantei.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  3. Sou um leitor desse grande poeta popular. Segue, uma mini biografia como homenagem ao maior trovador do Ceará e, quiça, do Brasil. iPatativa nasceu no município de Assaré, cidade do interior do Ceará e distante 623 km de Fortaleza. Filho de agricultores, ficou cego do olho direito ainda criança. Começou também nesta fase a trabalhar no cultivo da terra. Com pouco acesso à educação, frequentou durante quatro meses sua primeira e única escola, sem interromper o trabalho de agricultor. Ao aprender a ler e a escrever, apaixonou-se pelo universo da poesia.
    A partir daí, começou a fazer seus primeiros repentes e a se apresentar em festas locais. Recebeu o apelido de Patativa porque sua poesia era comparada à beleza do canto desta ave. Casou-se com Belinha, com quem teve nove filhos. Aos vinte anos, começou a viajar por várias cidades do Nordeste, chegando a se apresentar na Rádio Araripe.

  4. Vitorino,

    É gratificante receber seu excelente comentário. Posso dizer que mini biografia complementou com brilhantismo o meu artigo. Gentileza gera gentileza, então compartilho estes versos, abaixo, de Patativa do Assaré com o prezado amigo:

    Saudade dentro do peito
    É qual fogo de monturo
    Por fora tudo perfeito,
    Por dentro fazendo furo.

    Há dor que mata a pessoa
    Sem dó e sem piedade,
    Porém não há dor que doa
    Como a dor de uma saudade.

    Saudade é um aperreio
    Pra quem na vida gozou,
    É um grande saco cheio
    Daquilo que já passou.

    Saudade é canto magoado
    No coração de quem sente
    É como a voz do passado
    Ecoando no presente´.

    Saudações fraternas,

    Aristeu

Deixe um comentário para Vitorino Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *