A PALAVRA DO EDITOR

Como se não bastassem todos os acontecimentos do ano, 2020 com certeza será um capítulo à parte nos livros de História. Para coroar um ano repleto de eventos marcantes para a humanidade, a cereja do bolo ficou por conta das eleições presidenciais norte-americanas. Mas na controversa disputa pela Casa Branca já há um vencedor: o Partido Republicano. Goste-se ou não da figura do atual presidente, o efeito transformador que Donald Trump produziu no Partido Republicano moldará a instituição nos próximos anos, independentemente do resultado das eleições de 2020.

Graças às políticas de Donald Trump e ao entusiasmo que ele engendra, o Partido Republicano está mais saudável, mais vigoroso (com recorde de jovens filiando-se ao partido), mais unificado e tem um alcance mais amplo do que teve em décadas. O partido da dinastia Bush, ou de homens sérios e engessados como Mitt Romney, sem nenhuma comunicação com o público mais jovem ou a classe operária americana, ficou para trás.

Em 2016, talvez Donald Trump tenha sido eleito porque do outro lado da cédula havia Hillary Clinton, figura tóxica até para democratas. Trump também recebeu votos em massa de evangélicos e cristãos em geral que depositaram no republicano a confiança de indicações conservadoras para a Suprema Corte norte-americana, na esperança de que o tribunal possa reverter um dos maiores ativismos judiciais da História na decisão Roe vs. Wade (1974), que legalizou o aborto no país. E isso aconteceu. Em quase quatro anos, Trump colocou na Suprema Corte três juízes conservadores e originalistas (apenas a Constituição como está escrita é o norte jurídico). Entre eles, uma mulher, Amy Coney Barrett.

Mas as vitórias da administração de Donald Trump, apesar de toda a gritaria de grande parte da mídia, censura das plataformas digitais e perseguição constante pelo Partido Democrata, não param por aí. Há várias críticas que podem ser feitas ao presidente norte-americano, isso é verdade. Sua retórica agressiva, sua fama de brigão, seus tuítes malcriados, sua língua afiada sempre vencendo a diplomacia do cargo. No entanto, quase quatro anos sob pesadas críticas, xingamentos diários e ameaças de impeachment, desta vez os maiores cabos eleitorais de Trump – e por isso a transformação do partido – foram suas políticas domésticas e internacionais e seus sólidos resultados.

Há vários aspectos na política externa de Donald Trump que resultaram em acordos de paz históricos entre Israel e países árabes, aproximação das duas Coreias, renegociação de acordos comerciais que não eram bons para os norte-americanos e redução do Estado Islâmico a pó. Mas talvez essas medidas não tenham sido as razões pelas quais se alteraram alguns ponteiros do mapa eleitoral norte-americano, de modo que importantes grupos tradicionalmente eleitores do Partido Democrata migraram para as hostes republicanas.

O Estado da Flórida é uma importante peça no jogo do Colégio Eleitoral, não apenas por seus 29 delegados na corrida pelo “mágico 270”, número necessário de delegados para a eleição de um presidente nos EUA, mas por ser considerado uma “mini-América” em razão de sua diversidade de etnias, classes sociais e faixas etárias. E foi exatamente na Flórida, mapeada em todas as pesquisas como território democrata, que a retórica de vitrola quebrada parece não ter funcionado.

Durante quase quatro anos, Donald Trump foi chamado de racista, homofóbico e xenófobo por seus oponentes. Tantos xingamentos pela “turma do amor e da tolerância” tinham obviamente alguns alvos: as minorias. Negros, latinos, homossexuais, mulheres e asiáticos são constantemente empacotados pelos democratas em balaios coletivistas e expostos à única salvação de suas almas, o voto no bom e caridoso Partido Democrata. Enquanto a judicialização da eleição mais importante do mundo parece inevitável, como esses grupos votaram em 2020 também parece difícil de ignorar.

Joe Biden está muito perto de conseguir o “mágico 270”, mas há pontos importantíssimos nesta eleição que os democratas não podem deixar de admitir. Eles não apenas tropeçaram feio na Flórida, um campo de batalha fundamental, principalmente entre os latinos, mas perderam um bloco de construção crucial da coalizão que agora está se voltando para o Partido Republicano. Para o partido cada vez mais esquerdista dos senadores Bernie Sanders, Elizabeth Warren, da deputada Alexandria Ocasio-Cortez e da vice de Joe Biden, Kamala Harris, essa derrapagem na Flórida representa um problema de longo prazo.

Em 2016, a candidata democrata à Presidência, Hillary Clinton, venceu no condado de Miami-Dade, por exemplo, por cerca de 30 pontos porcentuais. Os democratas não esperavam que Joe Biden se saísse tão bem no maior condado da Flórida como Hillary, que perdeu no Estado; no entanto, eles não poderiam imaginar que Trump não apenas venceria, mas que a vitória seria por uma margem de mais de 20 pontos. Em Miami Gardens, a maior cidade negra da Flórida, Trump obteve quase 16% dos votos. Em 2016, não ultrapassara os 6%. Nelson Diaz, presidente do Partido Republicano em Miami-Dade, assim avaliou os resultados: “Estamos vendo uma revolta contra candidatos que apoiam as agendas socialistas”.

Mas esse movimento dos imigrantes não é o único fator que explica o avanço dos republicanos. No distrito de Robeson County, na Carolina do Norte, onde os nativos norte-americanos são a maioria dos eleitores, Barack Obama obteve 59,4% dos votos em 2012 e o republicano Mitt Romney, 39,2%. Em 2020, 70% dos votos foram para Donald Trump e apenas 30% para Joe Biden. Entre os negros, Donald Trump já é o segundo presidente republicano com o maior número de votos da História.

A famosa Blue Wall, uma imaginária parede azul (cor do Partido Democrata), por muitas décadas cercou o Cinturão da Ferrugem (Rust Belt), evitando que republicanos atuassem com robustez na região. No entanto, Estados considerados decisivos em eleições, como Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, foram capturados pelas políticas de cortes tributários, incentivos fiscais, desregulações, desburocratização e investimentos na indústria da administração de Donald Trump. A parede azul hoje está no chão – e, de acordo com o Centro de Doações Eleitorais, em 2020 os maiores doadores para a campanha presidencial do republicano foram exatamente trabalhadores da construção civil, fazendeiros, caminhoneiros, membros do Exército e pessoas físicas, enquanto Joe Biden recebeu suas maiores doações de bancos, grande corporações e da indústria farmacêutica.

Para muitos dos eleitores latinos da Flórida, a adesão quase cega dos democratas às reformas esquerdistas radicais lembra os regimes socialistas opressores dos quais eles ou seus familiares fugiram para vir para os Estados Unidos. Liberdade. As promessas de assistência médica gratuita, inclusive para imigrantes ilegais, faculdade gratuita e a expansão do Estado de bem-estar na vida das pessoas (welfare state), junto com bloqueios draconianos em nome da segurança pública, foram recebidas com ceticismo entre eleitores que já viveram experiências comunistas na América Latina. Deu certo a retórica de Trump e dos republicanos segundo a qual a agenda radical do Partido Democrata poderá levar os Estados Unidos ao mesmo caminho sombrio.

A guinada perigosa para a extrema esquerda dos democratas não é exclusiva de sua ala socialista. Biden se mostra de joelhos para a turba do politicamente correto. A obsessão dessa turma com a política identitária e seu apelo quase segregacionista aos negros corroeram a posição dos democratas entre latinos e a classe trabalhadora em geral. O partido que ajudou a empurrar os direitos civis nos anos 1960 para um patamar histórico vive hoje uma obsessão perigosa, quase tribalista, que não se dissolverá após a semana das eleições.

Os precursores da cultura do cancelamento que estão no comando do Partido Democrata, diante do fiasco nas urnas com seus grupos para manipulação, agora partem da lógica de que todas as minorias estão hipnotizadas (por empregos e progresso?) e operando com a maioria branca em uma sociedade sistematicamente racista. A realidade das ações públicas eficientes mostra uma experiência muito diferente da narrativa retratada pelos apoiadores do movimento marxista Black Lives Matter. Muitos imigrantes vieram para os Estados Unidos sem absolutamente nada, mas trabalharam seu caminho para o sucesso, ilustrando que o sonho americano ainda está muito vivo.

Os democratas também tiveram um desempenho muito inferior nas disputas pelo Senado e pela Câmara nesta semana, perdendo terreno em áreas críticas como Iowa e Flórida. Houve um número significativo de mulheres conservadoras, algumas das quais veicularam anúncios de campanha destacando que seus oponentes apoiavam o socialismo, o corte de fundos para a polícia e pautas identitárias.

Certa vez, Ronald Reagan disse: “O melhor programa social é um emprego”. Talvez Donald Trump não seja comparável ao cowboy que conquistou seu segundo mandato vencendo em 49 dos 50 Estados norte-americanos. Talvez Donald Trump não tenha o mesmo carisma ou a mesma diplomacia que o 40º presidente dos Estados Unidos. Mas se há algo em comum entre Ronald Reagan e Donald Trump é a transformação do Partido Republicano por meio do contato direto com a classe trabalhadora, pilar forte desta nação que foi deixado à margem, trocado pelo discurso barato de políticas sentimentalistas vazias e platitudes dos sinalizadores de virtude.

Joe Biden, democrata, está com um pé na Casa Branca. O Partido Republicano? The Republican Party is great again.

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  1. Preocupante…

    Escreveu Fernão Lara Mesquita: A imprensa é importante demais para a democracia para ficar nas mãos do jornalismo de hoje. Mas como está e, neste ambiente de domínio agora explicito da censura e da covardia nas empresas jornalísticas, nada indica que não vá permanecer, prevejo que dias piores virão para os Estados Unidos e consequentemente para o mundo.

    Por essas e outras que Sqncho recomenda:

    E na ponta direita do jbf… Gente que dá show em forma de texto e imagem (uma pegada mais politizada): Ana Paula Henkel, Marcelo Bertoluci, Caio Copolla, Cláudio Lessa, Políbio Braga, Luiz Berto Filho, Percival Puggina, Augusto Nunes, Adônis Oliveira, Luis Ernesto Lacombe, Alexandre Garcia, Goiano Braga Horta, Guilherme Fiuza, Rodrigo Constantino, José Roberto Guzzo, Paula Marisa e Bárbara.

  2. Segundo John Cribb, que trabalhou diretamente no governo Reagan e é um estudioso de Abraham Lincoln, considerado um dos melhores presidentes dos EUA, e autor do livro “Old Abe”, que relata os últimos cinco anos de vida de Abraham Lincoln, o Trump tem mais em comum com Lincoln do que nós imaginamos. Em resumo:
    Eles compartilham o mesmo partido político. Lincoln foi o primeiro presidente republicano. Trump é o 19º.
    Ambos os homens eram candidatos improváveis. Em 1860, Lincoln, como Trump, derrotou rivais mais bem conectados para obter a indicação republicana e vencer a eleição geral.
    Ambos os homens chegaram ao cargo com pouca ou nenhuma experiência.
    Trump, tinha muito mais experiência executiva. Lincoln dirigia um escritório de advocacia formado por dois homens com reputação de desorganizados.
    Ambos experimentaram reações duras às suas eleições. Em 1860, os separatistas usavam fitas com slogans como “Resistência a Lincoln é obediência a Deus”.
    Lincoln governou durante a era mais dividida da história de nossa nação. Trump está governando talvez no período mais acrimonioso desde então.
    Ambas as presidências foram tempos de extremo partidarismo da mídia. Na época de Lincoln, os jornais estavam intimamente alinhados aos partidos Democrata ou Republicano e isso aparecia em suas reportagens.
    Em 1863, por exemplo, após o discurso de Gettysburg , o democrata Chicago Times proclamou que “a bochecha de todo americano deve vibrar de vergonha ao ler as declarações tolas, monótonas e insípidas” do discurso de Lincoln.
    Lincoln, como Trump, foi furiosamente atacado pela mídia. Os jornais o chamavam de demônio, bufão, um fracasso miserável, uma desgraça para a nação. “O homem que vota em Lincoln agora é um traidor”, afirmou um jornal de Wisconsin quando concorreu à reeleição em 1864.
    Lincoln, como Trump, desenvolveu rodadas engenhosas em torno da imprensa para se comunicar diretamente com as pessoas. Ele conseguiu que cartas e discursos fossem amplamente publicados para que os eleitores conhecessem seus pensamentos e palavras. Trump fez o mesmo com comícios, conferências de imprensa de 90 minutos e seus tweets .
    Lincoln, é claro, foi um presidente em tempo de guerra. Trump e seus aliados se consideram engajados em uma espécie de guerra branda em pelo menos duas frentes: primeiro, contra “o pântano”, uma elite entrincheirada de Washington, e, segundo, contra uma insurgência de extrema esquerda que visa transformar radicalmente o país.
    Os apoiadores de Trump acreditam que ele está defendendo os princípios fundadores da nação. Seus oponentes discordam veementemente. Essa, talvez, seja a área de comparação com Lincoln que mais importa.
    Lincoln foi intensamente dedicado aos nossos princípios fundadores, especialmente os da Declaração da Independência , seu documento fundador favorito – que todos somos criados iguais e todos temos o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Ele sabia que, desde que nos atenhamos aos nossos princípios fundamentais, a América pode ser uma grande nação.

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