MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

Nunca houve um apelido tão apelidantemente desinformatoso como o do senhor Alfredo, um arretado operador de fornos de fusão na VICSA – Villares Componentes Automotivos S.A., na Rua Garcia Lorca, uma das divisões da Villares em São Bernardo do Campo, SP, empresa onde trabalhei de 1980 a 1985. Alfredo era simplesmente conhecido por “Italianinho”, e, para dizer a verdade, nem sei se realmente o nome dele era Alfredo ou Valfredo. Mas, com certeza, ele era o Italianinho.

Italianinho devia medir dois metros de altura e pesar uns 140 quilos de puro músculo. Suas mãos nada tinham a dever às do grande compositor Paganini, portador da “Síndrome de Marfan”, e dono de uma manopla de fazer inveja à estátua “O Pensador”, de Rodin. A diferença bem diferençosa era que Italianinho nunca se meteu a tocar violino ou a esculpir estátuas.

Nosso querido personagem era responsável por carregar os fornos de fusão na Vicsa com o material a ser fundido. Com um guindaste, manobrado por outro Operador, a carga básica era posta nos fornos de fusão. A sua mão era enorme para pressionar os botões de controle de qualquer guincho, e o nosso sacudido Italianinho era responsável por jogar dentro dos fornos, já com o ferro liquefeito, os vários elementos de liga: manganês, cromo, molibdênio, etc. Ditos elementos de liga estavam em tambores já com a quantidade correta para serem diluidos no ferro líquido. Cada tambor deveria pesar algo como 20 a 50 quilos, dependendo do teor dos elementos que fosse determinado para compor a liga final do produto. Somado ao peso próprio do tambor, estamos falando de um peso de 40 a 70 quilos. Nessa hora predominava a grande virtude do Italianinho: pegava os tambores com os braços e despejava seu conteúdo direto nos fornos, sem precisar de nenhuma ajuda de aparelhos de levantamento. Esse desempenho acelerava muitíssimo o processo de produção. Claro, também representava um excelente exercício físico para o Italianinho, que cada vez mais fortalecia suas mãos e seus músculos. Por aí vossuncê pode imaginar o quão forte era nosso querido personagem e que, além do mais, era muito orgulhoso de seu desempenho muscular.

O que o Italianinho tinha de força musculenta tinha de simplicidade em seus pensamentos e desejos.

Durante os dias de pagamento era bastante comum estar na saída dos funcionários, às 17 horas, uma turma de gente vendendo os mais diversos produtos. Entre essa gente, uma senhorinha que buscava vender ao Italianinho uma camisa amarela que, segundo ele, estava há muito tempo nos seus sonhos de consumidor. Camisa oferecida, preço pechinchado, valor aceito, camisa comprada. Já estava escurecendo quando tão importante transação comercial foi feita.

Acontece que entre o portão de saída da Vicsa e o ponto de ônibus ao lado da Via Anchieta (estrada que vai de São Paulo a Santos, com o trânsito hoje compartilhado com a Rodovia dos Imigrantes, bem mais moderna), havia um trecho de uns 100 metros coberto de mato. No meio do mato uma trilha já aberta pelos caminhantes, fazendo um atalho para o ponto de ônibus, diminuia uma boa caminhada. Foi por esse atalho que nosso Italianinho andou para tomar seu ônibus na Via Anchieta. Infelizmente (para quem eu não posso assegurar) um magote de três assaltantes desavisados estava amoitado à beira da trilha, esperando a próxima vítima passar por ali que, como vossuncê pode imaginar, era nada mais nada menos que o Italianinho.

Assim que chegou perto dos meliantes – coitados – foi atacado pelos três, cada um empunhando uma faca, querendo expropriar o dinheiro e socializar os pertences duramente conseguidos com seus esforços. Digo coitados porque o Italianinho reagiu. Com um braço segurou dois deles, num arrocho bem arrochado, tal qual uma jibóia agarrando um preá para a merenda da tarde. O terceiro, um baixinho, levou uma traulitada tão forte na cabeça com o braço então disponível, de cima para baixo, que quase ficou enterrado no chão como uma estaca. E aí, com as duas mãos livres, o Italianinho presenteou os outros dois com uns tabefes tão bem tabefados que um deles teve seus dentes espalhados pelo chão e o outro, de tão atonteado, ficou estendido no capim. Nisso o Italianinho segurou todos os três com seus enormes e poderosos tentáculos enquanto um dos colegas, que vinha atrás, correu até o orelhão que existia no portão da Villares e chamou a Polícia.

Quando os agentes da Lei chegaram, o Italianinho afirmou, condoído, que somente reagiu assim porque os meliantes tentaram roubar justo a camisa amarela para a qual ele tanto juntou seu dinheirinho para comprar.

Ah, e quanto ao que perdeu os dentes, o nosso amigo se lamentou por ignorar que ele usava dentadura, mas poderia indicar um dentista amigo ali no bairro de Rudge Ramos que seguramente lhe faria um bom desconto por um novo aparelho mastigante.

5 pensou em “O ITALIANINHO

  1. Parabéns pelo excelente texto, prezado Magnovaldo!
    Alfredo, o italianinho (soaria melhor o italianão), tinha a força de Hércules.
    O assalto que ele sofreu da parte de três marginais, serviu para que provasse sua força e coragem. Venceu os três e ainda quebrou a máquina “mastigadora” de um deles. Nota dez para o Italianinho!
    O final do texto está impagável!!!rsrsrs Adorei!!!

    “Quando os agentes da Lei chegaram, o Italianinho afirmou, condoído, que somente reagiu assim porque os meliantes tentaram roubar justo a camisa amarela para a qual ele tanto juntou seu dinheirinho para comprar.

    Ah, e quanto ao que perdeu os dentes, o nosso amigo se lamentou por ignorar que ele usava dentadura, mas poderia indicar um dentista amigo ali no bairro de Rudge Ramos que seguramente lhe faria um bom desconto por um novo aparelho mastigante”.

    Grande abraço e feliz domingo para você e familiares!!

    • Divina Violante: você é uma musa que incentiva este pobre escrivinhador de pataquadas a alcançar um nível mais alto na vida intelectual – se for um degrau acima já está de bom tamanho. Na próxima encarnação, quem sabe, alcanço o que foi a Divina Violante da encarnação passada.
      Tenha um esplêndido final de semana junto aos seus queridos.
      Beijos pipoquentos e italianescos.
      Magnovaldo

  2. Meu estimado Big. Smile:

    “O que o Italianinho tinha de força musculenta tinha de simplicidade em seus pensamentos e desejos.”

    Sua crônica O Italianinho está semplesmente um Colosso de Rodes, onde uma estátua da mitologia grega é reverenciada. Nesse caso o desempenho muscular do levantador de 40 a 70 quilos.

    Fosse lutar com o lutador de pugilista Mike Tyson.

    Parabéns, meu jovem, por mais esse colosso de crônica.

    • Eita Ciço, meu bom compadre: como eu disse, o apelido de “italianinho” nunca foi tão falso com a verdade. O mais interessante é que o Italianinho tinha uma voz fina, parecida com a da gazela saltitante do Senado brasileiro. Diferentemente dele (ou dela, sei lá), porém, era bem macho.
      Muitíssimo obrigado pelos seus gentis comentários.
      Tenha uma semana cheia de paz, alegria e prosperidade, junto aos seus queridos.
      Abraços,

      • Estou ansioso pela publicação do livro. Certamente o seu e o de Dr. José Paulo Cavalcanti Filho será uma revolução literária no JBF, faltando apenas a publicação do meu e o do Altamir Pinheiro, “No Escurinho Do Cinema,” que possui um Prefácio antológico do Dirceu Mattos (D. Matt.,).

        Forte abraço.

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