João Paraibano (1952-2014)
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O sertão tem outra imagem
Depois que ficou chovido
Deus escolheu o modelo
E a chuva fez o vestido
Para pôr no corpo do campo
Que a seca deixou despido.
Raimundo Nonato
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Lutando não perde a linha
Não cansa nem se apavora
No ano que é bom de inverno
Faz festança e comemora
Mas, quando a nuvem não chove,
O olho dele é quem chora.
Raulino Silva
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Acho bonito o inverno
Quando o rio está de nado
Que o sapo faz oi aqui
Outro oi do outro lado
Parece dois cantadores
Cantando um mourão voltado.
Moacir Laurentino
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Ontem de noite choveu
Em todo nosso sertão,
Uma chuva bem mansinha
Sem relâmpago nem trovão;
Parece que era Deus
Que aguava com a mão.
João Luís de Souza
O inverno é a alegria para o nordestino. Significa uma boa safra e fartura para um povo trabalhador. Muito boa a ideia de selecionar estrofes sobre o inverno, Chamou minha atenção a bela sextilha de Raimundo Nonato: O sertão tem outra imagem/Depois que ficou chovido/Deus escolheu o modelo/
E a chuva fez o vestido/Para pôr no corpo do campo/Que a seca deixou despido.
Vitorino,
Os desafios para o homem do século XXI, diante das adversidades ambientais dos
últimos tempos, principalmente no que diz respeito a água para o abastecimento humano, e as dificuldades que as populações do campo, sobretudo aquelas da região semiárida brasileira, vêm enfrentando com o progressivo aumento das estiagens e as limitações do acesso aos recursos hídricos pelas referidas populações, associado aos descuidos com o uso correto da água, tem sido motivo de muita preocupação e objeto de estudo atualmente e um grande desafio para as referidas populações.
Para tornar mais poético o meu comentário, compartilho uma estrofe do genial repentista Pedro Bandeira (1938-2020) com o prezado amigo:
Ronca o trovão no nascente,
Sopra o vento, a chuva bate;
As nuvens da cor de chumbo;
A terra cor de abacate;
E o campo troca de terno
Sem precisar de alfaiate.
Saudações fraternas,
Aristeu
O frio é fundamental principalmente para as culturas de inverno. Aveia, cevada e o trigo toleram temperaturas mais baixas. No inverno, a recuperação de queima superficial das plantas é muito rápida. Outro benefício do frio associado a um clima seco e com bastante sol impede a propagação de doenças fúngicas, como por exemplo, manchas foliares, oídio e ferrugem. Sua seleção de sextilhas deram um ar colorido a importãncia do inverno para o sertanejo. Se fosse votar, escolheria a estrofe de Raulino Silva: Lutando não perde a linha/Não cansa nem se apavora/No ano que é bom de inverno/Faz festança e comemoraMas, quando a nuvem não chove,O olho dele é quem chora.
Messias,
Agradeço seu ótimo comentário com observações importantes sobre as culturas do inverno. No Jornal da Besta Fubana, aprendemos uns com os outros. Transcrevo um texto sobre a esperança do sertanejo quando chove na véspera do dia de São José.
“Há muito de repente na vida, mas a chuva avisa quando vai chegar. Quem é do sertão, de ter o calcanhar rachado de pisar a terra batida, sabe quando ela vem. Os sinais no céu e na terra vão avisando os mais sabidos. Mas como ninguém sabe de tudo (quando muito, quase nada), a incerteza fica para a esperança. Porque não basta chegar chuva, tem que fazer morada vez em quando. Tem que “chover em São José”. Não no santo, no dia. Mas nem oito nem 80”.
Saudações fraternas,
Aristeu
Parabéns, prezado Aristeu Bezerra, pela excelente postagem, “O INVERNO NOS VERSOS DOS REPENTISTAS!
Todos os repentistas, selecionados por você, merecem aplausos, com seus versos bonitos e inteligentes, sobre o efeito do inverno na constante seca do sertão.
Ressalto, entretanto, os versos de Raimundo Nonato:
O sertão tem outra imagem
Depois que ficou chovido
Deus escolheu o modelo
E a chuva fez o vestido
Para pôr no corpo do campo
Que a seca deixou despido.
Muita saúde e Paz! Uma ótima semana!
Violante Pimentel Natal (RN)
Violante,
Muito obrigado pela sua generosidade. Lembrei-me que a falta de chuva leva a migração dos nordestinos para as regiões do Sul e do Sudeste. Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré (1909-2002), foi um poeta popular, compositor, cantor e improvisador cearense que fez um poema antológico sobre a saga do nordestido fugindo da seca, então, compartilho com a prezada amiga:
A TRISTE PARTIDA
Setembro passou, com oitubro e novembro
Já tamo em dezembro.
Meu Deus, que é de nós?
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
Com medo da peste,
Da fome feroz.
A treze do mês ele fez a experiença,
Perdeu sua crença
Nas pedra de sá.
Mas nôta experiença com gosto se agarra,
Pensando na barra
Do alegre Natá.
Rompeu-se o Natá, porém barra não veio,
O só, bem vermeio,
Nasceu munto além.
Na copa da mata, buzina a cigarra,
Ninguém vê a barra,
Pois barra não tem.
Sem chuva na terra descamba janêro,
Depois, feverêro,
E o mêrmo verão
Entonce o rocêro, pensando consigo,
Diz: isso é castigo!
Não chove mais não!
Apela pra maço, que é o mês preferido
Do Santo querido,
Senhô São José.
Mas nada de chuva! tá tudo sem jeito,
Lhe foge do peito
O resto da fé.
Agora pensando segui ôtra tria,
Chamando a famia
Começa a dizê:
Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo,
Nós vamo a São Palo
Vivê ou morrê.
Nós vamo a São Palo, que a coisa tá feia;
Por terras aleia
Nós vamo vagá.
Se o nosso destino não fô tão mesquinho,
Pro mêrmo cantinho
Nós torna a vortá.
E vende o seu burro, o jumento e o cavalo,
Inté mêrmo o galo
Vendêro também,
Pois logo aparece feliz fazendêro,
Por pôco dinhêro
Lhe compra o que tem.
Em riba do carro se junta a famia;
Chegou o triste dia,
Já vai viajá.
A seca terrive, que tudo devora,
Lhe bota pra fora
Da terra natá.
O carro já corre no topo da serra.
Oiando pra terra,
Seu berço, seu lá,
Aquele nortista, partido de pena,
De longe inda acena:
Adeus, Ceará!
No dia seguinte, já tudo enfadado,
E o carro embalado,
Veloz a corrê,
Tão triste, o coitado, falando saudoso,
Um fio choroso
Escrama, a dizê:
– De pena e sodade, papai, sei que morro!
Meu pobre cachorro,
Quem dá de comê?
Já ôto pergunta: – Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato,
Mimi vai morrê!
E a linda pequena, tremendo de medo:
– Mamãe, meus brinquedo!
Meu pé de fulô!
Meu pé de rosêra, coitado, ele seca!
E a minha boneca
Também lá ficou.
E assim vão dexando, com choro e gemido,
Do berço querido
O céu lindo e azu.
Os pai, pesaroso, nos fio pensando,
E o carro rodando
Na estrada do Su.
Chegaro em São Paulo – sem cobre, quebrado.
O pobre, acanhado,
Percura um patrão.
Só vê cara estranha, da mais feia gente,
Tudo é diferente
Do caro torrão.
Trabaia dois ano, três ano e mais ano,
E sempre no prano
De um dia inda vim.
Mas nunca ele pode, só veve devendo,
E assim vai sofrendo
Tormento sem fim.
Se arguma notícia das banda do Norte
Tem ele por sorte
O gosto de uvi,
Lhe bate no peito sodade de móio,
E as água dos óio
Começa a caí.
Do mundo afastado, sofrendo desprezo,
Ali veve preso,
Devendo ao patrão.
O tempo rolando, vai dia vem dia,
E aquela famia
Não vorta mais não!
Distante da terra tão seca mas boa,
Exposto à garoa,
À lama e ao paú,
Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo,
Vivê como escravo
Nas terra do su.
Antônio Gonçalves da Silva (Patativa do Assaré)
Música de Luiz Gonzaga
Desejo uma semana plena de paz, saúde, serenidade e harmonia
Aristeu
Obrigada, Aristeu, por compartilhar comigo este belíssimo poema do saudoso Antônio Gonçalves da Silva (Patativa do Assaré), musicado por Luiz Gonzaga. Gostei imensamente!
Uma ótima semana, com muita Saúde e Paz!
Violante