ARISTEU BEZERRA - CULTURA POPULAR

Quando o chão está molhado
Aparecem coisas boas:
Se levantam cogumelos
Que as capas parecem broas;
Os sapos chocam de ruma;
Bordam com cachos de espuma
O cenário das lagoas.

Sebastião Dias

A chuva chegando sana
Até problemas sem cura;
O funeral da miséria
Foi feito sem sepultura,
E a chuva botou tempero
No cardápio da fartura.

Raimundo Nonato

Com esse inverno abundante
Todo clamor se desterra;
De manhã, as névoas brancas
Pousam na face da serra,
O choro das mães dos astros
Consola os filhos da terra..

Antônio Nunes de França (1936-2018)

O sertão estava enxuto,
De repente a chuva veio;
A peixeira do relâmpago
Rasgou a nuvem no meio;
O rio foi dormi seco,
Quando acordou, tava cheio.

Ismael Pereira

Ronca o trovão no nascente,
Sopra o vento, a chuva bate;
As nuvens da cor de chumbo;
A terra cor de abacate;
E o campo troca de terno
Sem precisar de alfaiate.

Pedro Bandeira (1938-2020)

6 pensou em “O INVERNO NOS VERSOS DOS REPENTISTAS

  1. As estrofes selecionadas sobre a chuva demonstram a importância para a lavoura do sertanejo. Se eu fosse votar teria grande dificuldade, entretanto a sextilha de Pedro Bandeira está perfeita:Ronca o trovão no nascente,/Sopra o vento, a chuva bate;/As nuvens da cor de chumbo;A terra cor de abacate;E o campo troca de terno/Sem precisar de alfaiate.

    • Vitorino,

      Grato por seu valioso comentário. Os últimos anos foram marcados pela escassez hídrica no Estado. Com precipitações abaixo da média, o sertanejo padece. A lavoura acumula perdas e o agricultor sofre para alimentar o rebanho. A chuva é a única esperança. Aproveito esse espaço democrático do JBF para compartilhar uma belíssima estrofe de João Paraibano (1952-2014):

      Quando chove no sertão
      O sol deita e a água rola
      O sapo vomita espuma
      Onde o boi pisa, se atola
      E a fartura esconde o saco
      Que a fome pedia esmola.

      Saudações fraternas,

      Aristeu

  2. Eu sou sertanejo e sei a alegria de ver a chuva molhando a terra que estava seca. Chuva é sinal de fartura. Fiquei impressionado com os versos bem elaborados de Sebastião Dias: Quando o chão está molhado/Aparecem coisas boas/Se levantam cogumelos/Que as capas parecem broas;/Os sapos chocam de ruma;/Bordam com cachos de espuma/O cenário das lagoas.

  3. Messias,

    Agradeço ao seu apropriado comentário. Em Pernambuco, quem pega a estrada do litoral ao Sertão constata uma vegetação viva, açudes cheios, barragens sangrando. No céu, nuvens carregadas dão uma nova esperança de um período de chuva ainda mais prolongado após seis anos de uma rigorosa estiagem. Esse cenário inspira os nossos poetas e repentistas a transformar em versos a chuva que transorma a afridez da seca e inunda de esperança o sertanejo.
    Compartilho uma sextilha do grande repentista Sebastião Dias com o prezado amigo:

    Depois que a chuva caiu,
    Ficou verde o arrebol,
    A babugem cobre o chão;
    Parece um verde lençol,
    Cicatrizando as feridas
    Das queimaduras do sol.

    Saudações fraternas,

    Aristeu

  4. Parabéns pela rica postagem, prezado Aristeu Bezerra.
    “O INVERNO NOS VERSOS DOS REPENTISTAS” é um presente para os leitores. Muita poesia e lirismo, para o nosso deleite.

    A seleção de poetas feita por você está excelente. Entre as sextilhas, destaco a do repentista Pedro Bandeira, que diz:

    “Ronca o trovão no nascente,
    Sopra o vento, a chuva bate;
    As nuvens da cor de chumbo;
    A terra cor de abacate;
    E o campo troca de terno
    Sem precisar de alfaiate”

    Uma ótima semana!.

    Violante Pimentel Natal (RN)

  5. Violante,

    Muito obrigado por sua generosidade. O poeta Pedro Bandeira, mestre da cultura do Ceará, morreu no dia 24 de agosto do ano corrente aos 82 anos. Ele é autor de centenas de músicas, entre elas a peça “Graça Alcançada”, que veio a ser gravada por mais de 20 intérpretes e é considerada o hino dos romeiros e das romarias em Juazeiro do Norte.
    É neto materno do famoso cantador nordestino Manoel Galdino Bandeira, de quem herdou o talento repentista. Recebeu o título de Tesouro Vivo da Cultura do Ceará, concedido pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, em 2018 e a Comenda Patativa do Assaré em 2019.

    Compartilho os belos versos da “Graça Alcançada”, imortalizada pelos romeiros do Juazeiro do Norte, com a prezada amiga:

    GRAÇA ALCANÇADA

    FIZ UMA PROMESSA
    COM MEU PADRE CICERO
    E O MEU SACRIFÍCIO
    ELE ME ATENDEU
    PAGUEI A PROMESSA
    QUE PRAZER PROFUNDO
    NINGUÉM TÁ NO MUNDO
    MAIS FELIZ QUE EU.

    PEDI DE JOELHOS OLHANDO
    PRA ELE E O RETRATO DELE
    TEM NA MINHA CASA
    EU E QUALQUER OUTRO
    QUE FAZ ROMARIA
    TEM ELE POR GUIA
    E NADA SE ATRASA.

    NÃO DIGO A NINGUÉM
    O QUE LHE PEDI
    SEI TUDO QUE VI
    COM CALMA E COM FÉ
    EU JÁ TINHA CRENÇA
    E AGORA AUMENTEI
    PORQUE TAMBÉM SEI
    PADE CIÇO QUEM É.

    TODO DIA VINTE
    EU VOU À SUA MISSA
    E NÃO TENHO PREGUIÇA
    DELE VISITAR
    LEVO UMA FLORZINHA
    BOTO EM SUA COVA
    ASSIM DANDO PROVA
    QUE EU SEI ADORAR.

    A SUA MEDALHA
    BOTEI NO PESCOÇO
    VI O SEU COLOSSO
    NO HORTO ENCRAVADO
    REZEI LA NO ALTO
    DIZENDO EM PRECE
    FIZ UMA PROMESSA
    E VI O RESULTADO.

    DESCENDO DO HORTO
    REZEI NO SOCORRO
    OLHEI PARA O MORRO
    E PASSEI NO MUSEU
    REZEI NA MATRIZ
    DE NOSSA SENHORA
    NINGUÉM TÁ AGORA MAIS FELIZ QUE EU.

    Desejo uma semana de paz, saúde e alegria

    Aristeu

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