CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

Segue mais uma crônica cannabis sobre chatos que me foi enviada por e-mail pelo ex-office boy de Jaguar, Emanuel Bione, (Bione Cão), cachacista, psicólogo do Pastor Adélio e criador do hebdomadário Papa-Figo, mistura d’O Pasquim com Carta Capital, a revista mais esquerdopetralha já criada em terra brasilis, com patrocínio do dono dos nove dedos e Raul Castro.

“Os chatos não são Deus, mas são onipresentes (estão por toda parte, onde menos se espera); onipotentes (podem tudo para azucrinar a vida do cristão); e oniscientes (sabem de tudo, desde que tenham que se contrapor aos temas que se estão conversando amigavelmente).”

“Aqui vai um exemplo. Estava eu na minha visita rotineira à Bodega de Veio, na Serra Negra, a sorver vagarosamente minha cachaça Água Doce. Eis que não mais que de repente surge um cara boçal, perguntando se aquela cachaça era boa. “Eu gosto bastante…” respondi. Ele me encarou com ar de deboche e fez menção de pegar meu copo para provar. Eu segurei o copo e protestei: “Epa! Se quiser provar peça uma dose pra você”. Ele, a contragosto, pediu uma dose, tragou e vaticinou: “Essa cachaça é uma merda!”. Eu fingi que não escutei e me dirigi para o garçom meu amigo: “Marquinhos, depois do enochato, acabei de conhecer o cachachato.” Ele acusou o golpe e saiu bodejando: “É, acho que não agradei…”

“Um notório antichatos era Jamelão, que chegava às raias da grosseria. Contam que uma vez uma mulher ao avistá-lo declarou: “Jamelão, meu puxador predileto!”. Ao que ele rechaçou: “Puxador é ladrão de carro, maconheiro, tu, teu pai e tua mãe. Eu sou intérprete!”. Doutra feita, uma moça ao encontrá-lo, tentou beijar a sua mão. Só mais uma. Na época dos apagões aéreos, estavam sentados à espera de seu voo Jamelão e Cauby Peixoto. Um amigo meu presenciou a cena, já que eles vinham cantar no Festival da Seresta do Recife. Jamelão estava dando um cochilo e começou a roncar, ao que Cauby o cutucou: “Jamelão, que coisa mais feia, roncar no aeroporto!”, Jamelão abriu um olho, à maneira do cachorro do Mickey e vaticinou: “Feio é dar o cu, Cauby!”. E voltou a roncar.”

Agora vamos aos chatos que nos interessam:

1) “Chato Leão: Além de inconveniente e egoísta, é melindrado. Se alguém o chama de mala, joga tudo para cima, xinga, quebra a mobília e agride com fúria animal. Nas redes sociais é o tipo que polariza até a ponto de ameaçar de morte os outros comentadores.”

2) “Chato sanguessuga: É o chato ortodoxo. Aparece do nada e gruda nos outros, sugando-lhes o sangue e a energia vital. Há relatos não-oficiais de cidadãos que nunca mais recuperaram seu eixo após entrarem em contato com o parasitismo desse ser inconveniente. Ele chega na tua casa de mala e cuia depois de se separar. Daqui a pouco tá querendo mandar em tudo. Chega ao ponto de, na tua ausência, demitir a empregada, “que não passava de uma incompetente”, mas é incapaz de lavar a louça que usou. Possui o que se costuma chamar de olhar de seca-pimenteira.”

3) “Chatos pseudo-novo-rico: São aqueles supostamente melhores que os demais. Sua principal tarefa é ser grosseiro, demonstrar falta de respeito perante pessoas que eles julgam inferiores, como serviçais, garçons, etc. Ostentam a própria superioridade e andam por aí com uma expressão esnobe no rosto. Lembra o tipo Ibrahim do Subúrbio, de Nelson Rodrigues. Em uma peça, Nelson retrata o tipo que só lê coluna social e que seu sonho é o seguinte: Se tiver de morrer atropelado, que o seja por uma Mercedes. No final, morre atropelado por um triciclo de entrega de pão.”

4) “Chatos vítimas do destino – Costumam reclamar o tempo todo, mas não fazem nada além disso. Na sua opinião, os outros só alcançam o que querem porque têm os contatos certos, contam com parentes ricos ou por serem sortudos. Pessoas desse tipo se acham bodes expiatórios, como se ficassem com a parte ruim da vida. Se alguém tenta demovê-los dessa ladainha. Eles rechaçam com um “sim, mas…” Com sua cantilena de perdedor, estampam um sorriso de triunfo-maligno nos lábios, sempre acompanhado com a frase: “Tá vendo, ninguém consegue me ajudar…”

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  1. Também escrevi uma crônica sobre a chatice, meu caro Cícero!!! Espero que goste!!!

    Da Teoria dos Chatos… Uma Crônica da Chatice…

    Maurino Júnior

    Sempre procurei me inspirar nos maiores nomes da Crônica Nacional, a saber, Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Arnaldo Jabor… Claro que não tenho a pretensão de pertencer a esta ilustre plêiade, mas, foi lendo essas ilustres pérolas da crônica brasileira, que me levou a escrever essa crônica acerca da chatice humana…
    Não sei se vocês sabem, mas, existe algo pior do que aqueles sujeitos maçantes e indesejáveis, que lamentavelmente convivem conosco? Pois bem!
    Paradoxalmente, a mais importante máxima a respeito deles se limita a afirmar: “Os chatos são necessários”.
    Entendo que a humanidade não pode passar sem os chatos. Ruim com eles, pior sem eles. E o que é ainda mais grave: vivemos, neste século, um tempo da “nostalgia do chato”.
    Em outras palavras: não existem chatos o suficiente para, com sua contra-energia de chatice, ajudar o mundo a se mover.
    Por isso, prego, sem pudor algum: “O mundo sem os chatos seria insuportável”.
    “O chato, para mim, é o verdadeiro psiquiatra, isto é, o único sujeito realmente capaz de nos curar de nossas dores”. E ainda posso justificar: “A gente faz verdadeiras curas com um chato. Depois de conversar com um chato, não existe mais problema nenhum. Então, nada como conversar com um bom chato para acharmos o mundo um verdadeiro paraíso”.
    Pego então essa Teoria dos Chatos, e desenho, a partir dela, ao longo dessa vida, a minha própria tipologia, ou seja, uma espécie de Teoria dos Tipos Psicológicos da Chatice, catálogo geral que cadastra os sujeitos mais maçantes que possa vir a encontrar no decorrer da essencialização da existência humana e que estará sempre por terminar. Enfim, essas bossas…
    Basta pensar, por exemplo, no Chato-Depois, que é aquele sujeito que, a princípio, parece muito simpático, mas que no dia seguinte se torna insuportável; o Chato-que-Faz-Calor, que é aquele cara que fala compulsivamente, sem saber que a compulsão provoca calor e faz o ouvinte suar… Isso é simplesmente genial!
    Outros, queiram perdoar-me o detalhe, mas são tirados dos clichês, dos lugares-comuns, de forma despudorada, e que servem apenas para compor um arsenal organizado de defesa contra a chatice, a saber, o Chato-de-Ouvido, que é o sujeito que fala bem de perto, pegando o teu cotovelo; o Chato-de-Joelho, isto é, o que fala segurando o teu joelho e que é normalmente encontrado nos templos sagrados da ociosidade etílica, ou seja, nos bares; o Chato-de-Retina, que é aquele que fala grudado na tua retina e não te larga e que são tipos, na verdade, sem expressividade… Há mais deles:
    Um sujeito que para falar com você, te pega pelo paletó, um outro camarada que entra pelos fundos e toma o elevador de serviço para dar um ar de grande intimidade, um outro que o abraça muito quando você está com a roupa branca passadinha, vinda do tintureiro…
    Os chatos, também é bom lembrar, são mestres nos clichês de época, que vêem a chatice como a explicação para todas as coisas, lugar-comum que, é bom lembrar, inferniza a vida de muita gente, além é claro de beirar a nonsense. Querem um exemplo disso?
    Basta saber do sujeito que foi entrevistado por Vinícius de Moraes e, quando o Vinícius pergunta sobre o que ele achava da bomba atômica, ele diz sem o menor senso de pudor:
    _ “Elas vão melhorar muito as festas de São João. Vão fazer uma porção de bombinhas atômicas de São João para as criancinhas.”
    Quando o Vinícius lhe pede que dê sua interpretação de Jânio Quadros, é taxativo:
    _ “Para mim, o culpado disso tudo foi o Oswald de Andrade.”
    Quando, por fim, Vinícius lhe pergunta:
    _ “Quem é Rui Barbosa?”, responde com toda tranqüilidade, possivelmente a resposta mais chata e absurda:
    _ “Você já viu alguém mais burro que o Rui Barbosa?”
    Não me peçam mais sofisticação e mais ousadia à essa Teoria Geral dos Chatos. O que é que vocês queriam? Que uma teoria dos chatos não fosse chata? Dessa forma, me livro dos Chatos-Mesmo – que são aqueles que, envaidecidos com os próprios argumentos, não podem admitir a própria chatice.
    Não basta?

  2. Maurino, minha crônica com certeza ficou mais cheiinha de chatos, enriquecedora, com seus hilários acréscimos de inconvenientes.

    Mas eu não poderia passar despercebido aqui um episódio de chato acontecido no Recife.

    Nos anos 70 (ou 80?) o filósofo francês Jean Paul Santre e a sua esposa, a genial escritora Simone de Beauvoir, vieram passar férias no Recife.

    Nos primeiros dias de presença era uma festa da porra de admiração pelo casal patrocinada pelos intelectuais da terra, pura tietagem. Mas à medida que o tempo foi passando a presença deles foi se tornou insuportável, ao ponto quando se apresentavam em qualquer espaço do meio intelectual a rapaziada que antes o admirava, passaram a se esconder, dizendo:

    – Puta que o pariu, vamos sair daqui que lá vem aquele zaroio para estragar o nosso papo!!

  3. Maravilhoso texto, Mestre Cícero.

    Pra não ficar muito chato, trago algumas frases do inesquecível Millor Fernandes:

    “Chato – Indivíduo que tem mais interesse em nós do que nós temos nele”.
    “Chato, é aquele que explica tudo tim-tim por tim-tim… e depois ainda entra em detalhes”.
    Quando um chato diz: “Eu vou embora”, que presença de espírito.
    “Este mundo só é chato em duas ocasiões: na guerra e na paz”

    Pronto, Mestre.

    • e o pior dos chatos, aquele que escreve ao amigo Marcão e, ao invés de desejar um ótimo dia,escreve: você esqueceu de por o acento circunflexo, o chapeuzinho, no “o”do Millôr. kkkkkkkkkkkkkkkk

  4. Feito o estimado professor Maurino Júnior, que acrescento mais fatos-chatos à “minha” crônica, agradeço ao estimado amigo esse mesmo feito e compartilho com o amigo essa genial crônica (atualíssima) publicada pelo genial Nelson Rodrigues na revista Manchete Esportiva, Edição da Epopeia Brasileira, Edição Especial, 5/7/1958:

    “É Chato ser Brasileiro” – crônica (atualíssima) de Nelson Rodrigues

    “O povo já não se julga mais um vira-latas. Sim, amigos: — o brasileiro tem de si mesmo uma nova imagem. Ele já se vê na generosa totalidade de suas imensas virtudes pessoais e humanas.”

    Dizem que o Brasil tem analfabetos demais. E, no entanto, vejam vocês: — a vitória final, no Campeonato do Mundo, operou o milagre. Se analfabetos existiam, sumiram-se na vertigem do triunfo. A partir do momento em que o rei Gustavo, da Suécia, veio apertar as mãos dos Pelés, dos Didis, todo mundo, aqui, sofreu uma alfabetização súbita. Sujeitos que não sabiam se gato se escreve com “x” ou não iam ler a vitória no jornal. Sucedeu essa coisa sublime: — analfabetos natos e hereditários devoravam vespertinos, matutinos, revistas, e liam tudo com uma ativa, uma devoradora curiosidade, que ia do “lance a lance” da partida até os anúncios de missa. Amigos, nunca se leu e, digo mais, nunca se releu tanto no Brasil.

    E a quem devemos tanto? Ao escrete, amigos, ao escrete, que, hoje, é o meu personagem da semana, múltiplo personagem. Personagem meu, do Brasil e do mundo. Graças aos 22 jogadores, que formaram a maior equipe de futebol da Terra, em todos os tempos, graças a esses jogadores, dizia eu, o Brasil descobriu-se a si mesmo. Os simples, os bobos, os tapados hão de querer sufocar a vitória nos seus limites estritamente esportivos: Ilusão! Os 5 x 2, lá fora, contra tudo e contra todos, são um maravilhoso triunfo vital de todos nós e de cada um de nós. Do presidente da República ao apanhador de papel, do ministro do Supremo ao pé-rapado, todos, aqui, percebem o seguinte: — é chato ser brasileiro!

    Já ninguém tem mais vergonha de sua condição nacional. E as moças na rua, as datilógrafas, as comerciárias, as colegiais andam, pelas calçadas, com um charme de Joana d’Arc. O povo já não se julga mais um vira-latas. Sim, amigos: — o brasileiro tem de si mesmo uma nova imagem. Ele já se vê na generosa totalidade de suas imensas virtudes pessoais e humanas.
    Vejam como tudo mudou. A vitória passará a influir em todas as nossas relações com o mundo. Eu pergunto: — que éramos nós? Uns humildes. O brasileiro fazia-me lembrar aquele personagem de Dickens que vivia batendo no peito: — “Eu sou humilde! Eu sou o sujeito mais humilde do mundo!” Ele vivia desfraldando essa humildade e a esfregando na cara de todo mundo. E se alguém punha em dúvida a humildade, eis o Fulano esbravejante e querendo partir caras. Assim era o brasileiro. Servil com a namorada, com a mulher, com os credores. Mal comparando, um são Francisco de Assis de camisola e alpercatas.

    Mas vem a deslumbrante vitória do escrete, e o brasileiro já trata a namorada, a mulher, os credores de outra maneira; reage diante do mundo com um potente, um irresistível élan vital. E vou mais além: — diziam, de nós, que éramos a flor de três raças tristes. A partir do título mundial, começamos a achar que a nossa tristeza é uma piada fracassada. Afirmava-se também que éramos feios. Mentira! Ou, pelo menos, o triunfo embelezou-nos. Na pior das hipóteses, somos uns ex-buchos.

    E a quem devemos tanto? Ao meu personagem da semana. Ninguém aqui admitia que fôssemos “os maiores” do futebol. Rilhando os dentes de humildade, o brasileiro já não se considerava o melhor nem de cuspe a distância. E o escrete vem e dá um banho de bola, um show de futebol, um baile imortal na Suécia. Como se isso não bastasse, ainda se permite o luxo de vencer de goleada a última peleja. Foi uma lavagem total.
    Outra característica da jornada: — o brasileiro sempre se achou um cafajeste irremediável e invejava o inglês. Hoje, com a nossa impecabilíssima linha disciplinar no Mundial, verificamos o seguinte: — o verdadeiro inglês, o único inglês, é o brasileiro. Um Didi, lá fora, observou uma calma, uma polidez, um equilíbrio que fariam morrer de inveja o major Anthony Eden. Amigos, na Suécia quem levou pontapé, do pescoço para cima, fomos nós. E, ainda por cima, roubaram a gente, bifaram os nossos gols, a nossa camisa. Mas tudo inútil, porque o Brasil apresentou o maior escrete do universo, segundo os mais exigentes críticos do mundo. Por fim, a lição do meu personagem. Ele ensinou que o brasileiro é, sim, quer queiram quer não, “o maior”.

    Manchete Esportiva, Edição da Epopeia Brasileira, Edição Especial, 5/7/1958

  5. Esqueceram os amigos do famoso chato de galocha?

    “chato de galochas” é um chato resistente, característica da própria galocha; mesmo com condições climátricas adversas, o chato calçava as suas galochas para não dar aos outros o prazer de sua ausência.

  6. Caro Ciço.

    Genial é o amigo relembrar aos brasileiros que atualmente estão se sentindo
    embaixo da lousa, a genialidade de um dos maiores profissionais da
    imprensa brasileira, Jornalista grau 10, teatrologo, escritor, amante do futebol, e um grande crítico dos falsos patriotas. É dele a expressão dos marginais
    da igreja, que estavam à frente em toda passeata vermelha. Ele os chamou de PADRES MELÃNCIA, i,e. Verde por fóra e Vermelho por dentro .
    Na mosca.

  7. Parabéns pelo texto excelente e divertido, querido cronista Cícero Tavares!

    O tema é ótimo, pois a figura do Chato é uma constante em nossas vidas.

    Chato é o indivíduo, ser, coisa ou evento, cuja presença, existência, atitude, ou lembrança, contínua, tem a capacidade de inspirar sentimentos contrários à alegria de viver, à paz de espírito e à paz mundial. É o indivíduo que não deixa ninguém falar, pois se acha o dono da verdade; é egocêntrico e não dá valor aos outros. Por isso, a presença do chato é indesejável em qualquer ambiente.
    É um erro confundir-se o indivíduo chato com o inseto popular, que tem o mesmo nome, conhecido cientificamente por “PHTIRIUS PUBIS ou PEDÍCULOS PUBIS”.
    O inseto passou a ser chato, quando o indivíduo descobriu nele o atributo humano da chatice…rsrs.

    Grande abraço, e uma Semana Santa, cheia de Saúde e Paz! Feliz Páscoa!

  8. Minha querida Violante Pimentel,

    Antes de iniciar meus agradecimentos pelo comentário a O CHATO, desejo agradecer a Natal por ter sido a terra onde nasceu essa figura humana ímpar chamada Violante, autora de crônicas belíssimas, relatos do cotidiano universal como o fazia a genial Cora Coralina.

    Os chatos deveriam ter um CID na psicologia, porque quando o são não há cristão que aguente nem chegar perto. Nada agrada a eles. Até mesmo o cantar do colibri para eles soam como uma desarmonia da natureza.

    Infelizmente Jamelão era assim em vida, embora tivesse uma voz potente.

    Ótima Pascoa, querida, para você e os familiares.

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