Há uns tantos anos atrás, quando eu ainda era microempresário, eu juntei toda a mais-valia expropriada de meus funcionários e fui passar férias nas Oropa: mais especificamente na França. Lá, além das atrações mais comuns – Torre Eiffel, Notre-Dame, Mont Saint-Michel, Castelo de Chambord – eu tive a chance de conhecer uma construção que foi considerada a maior obra de engenharia do século 17: o Canal du Midi.
Antes dos automóveis e das ferrovias, o melhor meio de transporte era o barco. Enquanto uma carroça rodando pelas estradas cheias de pó e de buracos levava, na melhor das hipóteses, meia tonelada, um barco podia levar dez ou quinze toneladas, puxado por apenas um cavalo.
Só que navegar pelos rios nem sempre é fácil. Depende do tempo, da época do ano, tem correntezas… Bom mesmo é um canal, que não tem nenhuma destas desvantagens. A França tinha vontade de ter um canal ligando a costa do Atlântico à costa do Mediterrâneo fazia tempo, mas o governo nunca tinha dinheiro nem chegava a um acordo sobre a melhor maneira. Foi preciso que um sujeito chamado Pierre-Paul Riquet se propusesse a construí-lo.
O lado do Atlântico era mais fácil: entre Toulouse e Bordeaux o rio Garonne era fácil de navegar. Mas um canal ligando Toulouse ao Mediterrâneo era considerado impossível por muitos, devido às montanhas que existiam no caminho. Riquet foi lá e fez. A obra durou de 1667 a 1685, e chegou a empregar 12.000 funcionários.
O Canal du Midi tem 240 km de comprimento, com uma largura média de 20 metros e uma profundidade de 1,40 metros. Contém 63 eclusas, 126 pontes, 55 aquedutos, sete pontes-canal e um túnel (que foi o primeiro do mundo). De sua extremidade em Sète, ao nível do mar, sobe até atingir 190 metros de altitude em Naurouze e depois desce até 130 metros em Toulouse.
Riquet não viveu para ver seu projeto concluído. Morreu em 1680, oito meses antes do fim da construção, em maio de 1681. Seu filho assumiu o projeto que foi inaugurado pelo rei Luis XIV em maio de 1682 e aberto à navegação em dezembro deste mesmo ano. Como as promessas do governo de pagar parte das despesas nunca eram cumpridas, Riquet morreu pobre e endividado. Sua família assumiu a administração do canal e levou mais de cinquenta anos para pagar todas as dívidas.
No século 19 a importância comercial dos canais decaiu rapidamente com o progresso das ferrovias. No início do século 20, todos os canais franceses estavam praticamente abandonados. Hoje são usados apenas por turistas, como este pitaqueiro que vos fala. Várias empresas alugam barcos (chamados “penichettes”) para serem pilotados pelo próprio cliente; também há marinas para os que possuem barcos próprios, e todo tipo de instalações de lazer ao longo do canal.
Não vou negar que a idéia desta coluna veio de uma conversa aqui no Jornal da Besta Fubana sobre a necessidade do estado na construção de obras de infra-estrutura. O Canal du Midi foi construído e operado pela iniciativa privada. O governo, sempre que pôde, atrapalhou mais que ajudou. Aliás, a sua história mostra um fator importante na discussão: a tal da segurança jurídica. Após a Revolução Francesa, no início do século 19, o governo republicano “estatizou” o canal, tomando-o dos herdeiros de Riquet sem qualquer indenização.
O barco do pitaqueiro
O pitaqueiro brincando de navegador