Eu sou feliz porque vivo
Cantar verso sem quebranto
Sou feliz por ser poeta
Isso aí eu lhe garanto
Sílvio Santos tem dinheiro
E não canta o tanto que eu canto.
Geraldo Amâncio
Me criei em Mossoró
No fundo de um landuá,
Estou servindo de rebolo
Pro Cão derribar juá;
Vim descobrir que sou gente
De um dia desses pra cá.
Luiz de Campos (1939 – 2013)
A calça desse garoto
Parece que está perdida
Foi esta a roupa mais feia
Que eu já vi na minha vida
Pra ser comprida está curta
Pra ser curta está comprida.
Bem-te-vi Neto (1922 – 1959)
O sopapo do meu braço
Todo cantador respeita
Do lado esquerdo espatifo
Lasco da banda direita
Aonde eu baixo a munheca
A bagaceira está feita.
Pedro Bandeira
Dizem que o planeta Marte
É realmente habitado,
Alô, alô! marciano
Deixa o cofre destrancado,
Que o Brasil vai aí
Pedir dinheiro emprestado.
Oliveira de Panelas
As estrofes foram bem-selecionadas. Hoje, temos uma safra de excelentes repentistas. Diversos profissionais do Repente atualmente participam de inúmeros festivais, apresentações e cantorias de pé-de-parede no Nordeste e outras regiões do País, têm CDs e DVDs gravados e vêm agradando às plateias dessa Arte, alguns com turnês internacionais. Se tivesse que escolher uma sextilha, a minha preferida seria a de autoria de Geraldo Amâncio:”Eu sou feliz porque vivo/Cantar verso sem quebranto/Sou feliz por ser poeta/Isso aí eu lhe garanto/Sílvio Santos tem dinheiro/E não canta o tanto que eu canto.”
Vitorino,
É gratificante receber seu excelente comentário. Geraldo Amâncio é cantor, violeiro, poeta e escritor. Nascido em um sítio, em Cedro, no Ceará, até os 17 anos de idade trabalhou na roça. Cursou faculdade de História em Fortaleza (CE). Começou com acompanhamento de viola em 1966. Participou de centenas de festivais em todo o país, e classificou-se mais de 150 vezes em primeiro lugar. Organizou festivais internacionais de repentistas e trovadores, além do festival Patativa do Assaré. É autor de três antologias sobre cantoria em parceria com o poeta Vanderley Pareira. Gravou 15 CDs ao longo da carreira, além de ter publicado cordéis em livros. Apresentou o programa dominical “Ao som da viola”, na TV Diário, em Fortaleza/CE.
Compartilho uma estrofe de Geraldo Amâncio homenageando Patativa do Assaré com o prezado amigo:
PATATIVA tinha o brilho
Da luz de um meteorito;
Um homem que virou gênio,
Um gênio que virou mito;
Um cantador de roçado
Que foi por DEUS convocado
Pra cantar no INFINITO.
Saudações fraternas,
Aristeu
Ótima postagem, prezado Aristeu! O bom humor nos versos dos repentistas, por você selecionados, comprova o elevado grau de inteligência deles. Esta é a verdadeira cultura popular!
Todas as sextilhas são excelentes!
Destaco a do repentista Geraldo Amâncio:
Eu sou feliz porque vivo
Cantar verso sem quebranto
Sou feliz por ser poeta
Isso aí eu lhe garanto
Sílvio Santos tem dinheiro
E não canta o tanto que eu canto.
Um abraço, e uma semana com muita Saúde e Paz!!
Violante Pimentel
Natal (RN)
Violante,
Grato por seu estimulante comentário com observação sobre a inteligência desse criativos poetas populares. Geraldo Amâncio encanta a palavra com sua performance inigualável de comunicador. Sua poesia é feita para o público, razão de ser de sua arte. Para ele, o público é a fonte onde o cantador deve pescar a inspiração para a criar o improviso, que no seu caso, se traduz numa palavra cantada, ritmada, alegre e festiva. Aproveito esse espaço democrático do Jornal da Besta Fubana para compartilhar uma glosa de Geraldo Amâncio feita para o seguinte mote:
Toda lei ultrapassada
Só favorece o bandido.
Se for um parlamentar
Pode ter crime a vontade
Que o dedo da impunidade
Não deixa lhe investigar.
Se alguém o denunciar
É sujeito a ser punido,
Processado e ser tangido
Pra o beco da emboscada;
Toda lei ultrapassada
Só favorece o bandido.
Saudações fraternas e uma semana com paz, saúde e alegria!
Aristeu
Obrigada, prezado Aristeu, por compartilhar comigo esta inteligente glosa de Geraldo Amâncio! Adorei!
Um abraço!
Violante,
Pra ser comprida está curta
Pra ser curta está comprida.
Sancho só aplaude, pois não possui talento para tal arte… Após aplaudir, bota a calça e calça a bota… Interessante.
Abração ARISnosso,
Sancho Pança,
Agradeço o seu bem-humorado comentário. Quanto ao talento, os seus textos são bem comentados por dominar a crônica. Os repentistas fazem versos de improviso e os cordelistas, chamados de poetas de bancada, sentam pegam o papel e vai desenvolvendo o tema aos poucos. Uma hipótese para explicar oo talento poético é que há um fator genético e também a influência de ser criado em um local onde se cultiva a poesia. Uma prova, incontestável, do fator ambiental é a cidade de São José do Egito/PE, um local onde quase todos os habitantes fazem poesia, falam rimando.
Aproveito a ocasião para compartilhar umas sextilha do poeta popular Severino Amaro Guimarães (Biró) com o prezado amigo:
Um velho de oitenta anos,
Zangado que envelheceu,
Tomou certo comprimido;
Tanto rejuvenesceu
Que voltou aos quatro anos,
Pegou sarampo e morreu.
Saudações fraternas,
Aristeu
Versos sensacionais!
Marcos Mairton,
Muito obrigado pelo seu formidável comentário. O humor é um estado de ânimo, cuja intensidade representa o grau de disposição e de bem-estar psicológico e emocional de um indivíduo. Utilizei esse período de isolamento devido pandemia para selecionar algumas estrofes bem-humoradas dos repentistas.
Aproveito a oportunidade para compartilhar um episódio interessante de Pinto do Monteiro (1896-1991).Ele cantava com um colega que tinha dificuldade de fechar o verso, quando terminava a estrofe era rimando, por exemplo, mulher com café. A rima tem que ser perfeita na pronúncia e na escrita.
Pinto perdeu a paciência e resolveu traçar o perfil do inexperiente cantador com uma sextilha que se tornou antológica:
Cantar com cantador ruim
É como correr na pista
Num carro velho, sem freio,
E um chofer curto da vista;
E um doido gritando em cima:
Atola o pé, motorista!
Saudações fraternas,
Aristeu
Essas tiradas são geniais!
Marcos Mairton,
Lembrei-me de outra história do talentoso Pinto do Monteiro (1896-1991), então compartilho com o prezado amigo para alegrar o final da tarde.
Numa cantoria, Pinto já se encontrava cansado de tanto ouvir o companheiro falar das secas de sua terra, naturalmente com exageros e mentiras. Este findou assim uma estância:
Já está com muitos anos
Que choveu em minha terra.
O mestre Pinto encerrou o assunto com mentirosa sextilha, porém bela e criativa:
Eu também sou de uma terra
Que nunca deu nem saúva;
Meu avô morreu de velho,
Minha avó ficou viúva;
Morreu com cento e dez anos
E nunca viu uma chuva.
Saudações fraternas,
Aristeu