MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS

Como prometi na semana passada, o pitaco de hoje é sobre outro vizinho em situação complicada, o Chile.

Para começar: eu, você e todo mundo crescemos ouvindo que o Chile era um paraíso maravilhoso, onde todos eram felizes e os unicórnios passeavam pelos bosques, quando um malvado chamado Pinochet deu um golpe e mergulhou o país na tristeza. Certo? Errado. Vamos a alguns fatos:

– O presidente Salvador Allende venceu as eleições em 1970 com 36,2% dos votos, apenas 1,3% acima do segundo colocado. Seu partido não conseguiu maioria no Congresso.

– Assim que assumiu, Allende iniciou um programa agressivo batizado “La via chilena al socialismo”, que incluiu estatização de indústrias e bancos, confisco de terras, congelamento de preços, aumento de salários e aposentadorias e populismos como distribuição gratuita de leite nas escolas.

– Todas as bondades foram pagas com emissão de dinheiro e títulos de dívida. Como consequência óbvia, a inflação disparou. Como os aumentos de salário se tornavam inúteis com a desvalorização da moeda, o governo apelou para o tabelamento de preços de alimentos e mais aumentos salariais forçados – e mais inflação. Em 1972, a inflação foi de 140% e o PIB caiu 5,6%. Como resultado dos controles de preços, produtos básicos como arroz, feijão, farinha e açúcar sumiram, e o pouco que havia era comercializado às escondidas, no chamado “mercado negro”.

– No final de 1972 se intensificaram as greves e protestos de pequenos empresários e estudantes. Em outubro, ante uma greve dos caminhoneiros, o governo reagiu acionando o exército para reprimir os manifestantes e confiscar os caminhões. A Suprema Corte declarou o confisco ilegal e ordenou a devolução a seus donos, o que Allende fez com muita má vontade.

– Em maio de 1973, a Suprema Corte do Chile declarou que o governo de Allende “violava a legalidade”, desrespeitando as decisões do Congresso e da própria justiça e implantando medidas que extrapolavam a autoridade do poder executivo. Allende ignorou a advertência e continuou seu plano de instalar o socialismo à força.

– Em agosto, o Congresso chileno aprovou uma resolução que acusava Allende de “governar por decreto, ignorando a constituição; descumprir ou ignorar decisões do judiciário; utilizar a TV pública em benefício próprio e intimidar os órgãos de imprensa que faziam oposição ao governo; forçar o desarmamento da população mas fornecer armas aos grupos simpatizantes do governo; confiscar ilegalmente propriedades rurais; reprimir ilegalmente greves no setor (estatizado) de mineração; e dificultar ilegalmente que chilenos viajassem ao exterior”. A resolução também mencionava que as forças armadas deveriam garantir o cumprimento da constituição, sem indicar ações concretas.

– Em 11 de setembro o exército, cujo comandante era Pinochet, cercou o palácio presidencial. Allende suicidou-se com um fuzil AK-47 que havia ganho de presente de Fidel Castro.

– O país estava quebrado, a inflação era de 800%, as prateleiras dos mercados estavam vazias, o desemprego era enorme e os setores de educação e saúde, estatizados às pressas, estavam mergulhados no caos.

Sobre o governo de Pinochet (1973-1988), todo mundo conhece uma parte: foi uma ditadura que matou e torturou. Matou menos que as ditaduras de esquerda, é verdade, mas matou e isso é errado. Mas o Pinochet fez uma coisa que nenhuma outra ditadura da América Latina (e foram muitas…) fez: adotou medidas liberais na economia. Em termos práticos, desde os anos 80 o Chile é:

– o país mais aberto ao comércio exterior da América do Sul

– o de maior liberdade econômica (18º do mundo segundo a Heritage Foundation

– o Brasil é o 150º)

– o de maior renda per capita

– o de menor deficit público

– o único a ter um sistema de aposentadoria individual, onde cada um se aposenta com sua própria poupança.

Comparado com os vizinhos, o Chile é de longe o país mais desenvolvido da região. Como consequências naturais de não ter um governo grande, o judiciário funciona bem e a corrupção é pequena. Mas…

Como o ser humano adora destruir o que está bom, em 2000 os chilenos elegeram o socialista Ricardo Lagos e em 2006 a também socialista Michele Bachelet. Eles não mexeram muito nos fundamentos da economia, mas criaram várias medidas populistas. Em 2010 Sebastián Piñera ganhou as eleições mas fez um governo morno, que não reverteu nada do populismo do governo anterior e ainda conquistou a antipatia de todo o funcionalismo público, ao tentar cortar regalias e cobrar produtividade.

Foi em 2014 que as coisas pioraram para valer. Michele Bachelet voltou ao poder e Isabel Allende, filha do presidente que arruinou o Chile nos anos 70 tornou-se presidente do Senado. Com apoio explícito do Partido Comunista Chileno, Bachelet investiu pesadamente na receita padrão do socialismo: estatização da educação, aumento de impostos e mais regulamentações do governo nos empregos privados, fortalecendo os sindicatos.

No ano passado o fraco Piñera voltou ao poder, e a esquerda ficou apenas esperando o momento certo para atacar. No mês passado, “manifestações” muito bem-orquestradas irromperam no Chile e têm se repetido diariamente, com uma regularidade e insistência que só pode vir de um planejamento minucioso. O presidente Piñera logo abriu as pernas prometendo subsídios para salários, aposentadorias, gastos com saúde e remédios e tarifas de eletricidade, além de aumento de impostos “para os ricos”. A demonstração de fraqueza animou as esquerdas que agora querem uma nova constituição, onde certamente será sacramentado o fim da liberdade econômica e o início do estado grande, controlador e todo-poderoso.

O exemplo do Chile deve ser olhado com muita atenção pelos brasileiros. As táticas que estão sendo usadas lá são muito similares à nossa situação: primeiro, criam-se leis para dar poder e dinheiro aos sindicatos. Os sindicatos usam este dinheiro para financiar suas milícias particulares pagas com pão com mortadela. Em paralelo, muitas verbas públicas para a educação, para criar a profissão de “estudante de humanas”, que faz qualquer coisa que o governo de esquerda mandar por “amor à causa”. Os dois grupos se unem para promover badernas, sempre mostradas pela mídia local e mundial (importante!) como “legítimas manifestações das classes oprimidas”. Se o governo tenta impedir o quebra-quebra, é chamado de opressor e fascista, se não tenta é chamado de incompetente e omisso.

Quando se fala de países, as consequências econômicas, tanto as boas quanto as ruins, demoram anos para aparecer. Meu palpite é que o Chile ainda será um país rico por algum tempo, e o mundo inteiro repetirá que esta riqueza é consequência do socialismo do presente, não da liberdade econômica do passado. Quando a decadência se tornar inevitável, a culpa será colocada nos culpados de sempre: os fascistas, os burgueses, os reacionários, a direita, os EUA, a CIA e o Bolsonaro. Assim como a Argentina muito provavelmente será a próxima Venezuela, o Chile está no caminho para ser a próxima Argentina, se o Brasil não chegar lá antes.

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