A PALAVRA DO EDITOR

O ano era 1841, dia oito de dezembro, dezenove horas e trinta minutos. A escuridão já tomava o Largo das Trincheiras e a noite escura escondia o terror que se avizinhava para compor a tragédia que não poderia mais ser adiada, pois os braços do mal já se estendiam sobre a Rua da Palma, em Fortaleza.

O Major João Facundo de Castro Menezes acabara de jantar e enquanto bebia uma taça de vinho tinto, ouviu batidas na porta da frente do casarão. Dona Florencia estremeceu. Tinha tido sonhos inquietantes na noite anterior e passou o dia todo com um mau pressentimento. Diz-se também que o próprio Major não conseguiu dormir, agonizando toda a noite com uma dor de cabeça terrível.

As batidas continuaram. Dona Florencia segurou o braço do marido, tentando detê-lo e se adiantou para a janela que dava para a rua escura. Olhou pela janela e parou institivamente. Teve a impressão de ter visto fagulhas no meio do breu da noite, como de arma que negou fogo. O major sorriu. Ele era dado ao trato com armas e sem nenhum medo, debruçou-se na janela para ver quem estava batendo à porta. Antes tivesse ouvido as preocupações de dona Florencia.

Sem nem mesmo ter tido tempo de abotoar a camisa, ainda de peito aberto, ouviu-se um estrondo e o major desabou com estardalhaço, ensanguentando todo o piso de taco, já morto. Recebeu três tiros de bacamarte e de acordo com o laudo de corpo de delito, as balas por pouco não arrancaram a cabeça do infeliz major. Ferida na mão por estilhaços, dona Florencia, enlouquecida, clamava aos Céus por vingança, envenenada pelo ódio e pela dor impronunciável.

O assassinato do Major já era quase que certo. Todos sabiam que ele era jurado de morte. Só não se sabia o dia nem a infeliz hora. O militar era chefe do Partido Liberal e Comandante dos Nobres e tinha inimigos de grande porte e adversários irreconciliáveis, além de muitas divergências políticas. Já tinha sido vítima de dois atentados, escapando ileso. O primeiro, tentaram matá-lo com tiros em uma tocaia na Rua da Ponte. O outro atentado foi na Praça Carolina, esquina das ruas da Boa Vista e da Assembleia Provincial.

Havia rumores de que o mandante de tão cruel assassinato, fora um chefe político do interior, que havia ficado bastante debilitado desde quando tomou a água de uma quartinha na Assembleia Provincial e que, dizem, teria sido envenenada a mando do próprio major. Esse coronel tinha a fama de homem vingativo e cruel, que não levava desaforo para casa. Segundo conta-se, ele era “lobo carniceiro, tramoso e sereno, capaz das maiores perfídias e crueldades sem um franzir de cara, sempre a falar manso e adocicado.” – mas nada ficou provado.

Porém, a esposa do Major, dona Florencia, jurava de joelhos aos pés da imagem de Nossa Senhora do Rosário e até do Santíssimo Sacramento, que quem ordenara a morte de seu amado esposo fora a esposa do então presidente da Província. Mas isso já seria uma outra história que não convém agora se estender.

O sepultamento do Major deu-se de forma incomum: a pedido da chorosa esposa, dona Florencia, mandou-se sepultá-lo de pé, emparedado em uma coluna na Igreja do Rosário, ornada com uma belíssima lápide feita em mármore de Carrara. Diz-se que de tal lápide escorre sangue e que cujas letras lapidadas, vez por outra, contorcem-se de ódio, rancor e dor.

O casarão, depois de tão triste episódio, desfez-se por completo, desabando sobre si mesmo, deixando marcas de choro em suas paredes enegrecidas pelo tempo. Ainda hoje, é impossível passar em frente ao local e não sentir um mal estar repentino ou uma sensação de angustiosa tristeza, um abismo escuro e um vale de lágrimas.

4 pensou em “NOITE DE HORROR NA RUA DA PALMA

    • Neto, precisamos de um palestrante. Já falamos de cornos, viados, filosofia de bar, de para-choque de caminhão, da china, das urtimas do purtugueis, hoje das viagens de Adonis….ia te pedir isso. Como bom cearense poderia falar das expressões típicas. Que achas?

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