Quem passou pela faculdade certamente ouviu falar em Maslow. É dele a idéia de classificar as necessidades humanas em uma escala (normalmente desenhada em forma de pirâmide) que define uma hierarquia: algumas necessidades se sobrepõem às outras.
O primeiro nível, o das necessidades fisiológicas, inclui a fome, a sede e o sono. Quando uma destas necessidades se manifesta, todo o restante fica “para depois”. No limite, uma necessidade não atendida faz o ser humano regressar ao estado selvagem. Somente quando todas as necessidades fisiológicas estão atendidas, uma pessoa busca o nível seguinte: uma casa, roupas, remédios, utensílios, meios de transporte, meios de defender-se de agressões. Atendidos estes desejos, o ser humano passa ao terceiro nível, que é pertencer e ser aceito em grupos sociais. E quando isso acontece, passa-se ao quarto nível, que é o desejo pela auto-estima, que se manifesta através da busca pela riqueza, pelo poder ou pela celebridade.
Esta hierarquia de necessidades está gravada em nossos instintos, depurada ao longo dos milênios de existência da raça humana. Para nossos antepassados, o segundo nível envolvia achar uma boa caverna para proteger-se da chuva e do frio, manter à mão uma lança para proteger-se das feras, manter um estoque de lenha para manter acesa a fogueira que espanta os insetos e cozinha o alimento. Hoje a caverna virou uma casa, o muro e o portão substituíram a lança, e no lugar da lenha, a preocupação é com o botijão de gás.
Só que o mundo moderno decidiu ir contra estes instintos. Decidiu-se, em algum momento, que as pessoas não devem se preocupar com ter o que comer, beber e vestir. Não devem se preocupar com a segurança de sua casa nem com o que fazer em caso de doença. O que as pessoas devem fazer, é confiar que tudo que elas precisam será fornecido por alguém.
Supostamente livres das preocupações dos níveis inferiores da pirâmide de Maslow, nossos contemporâneos estão livres para buscar as necessidades superiores: o status, a auto-estima e o desejo de ser (ou parecer) superior aos outros.
O problema é que em um mundo com bilhões de pessoas e onde tudo está conectado, destacar-se é cada vez mais difícil. De que adianta ser o mais bacana do bairro, se todos tem acesso aos “mais bacana” de todos os bairros do mundo? De que adianta ser o mais rico da rua, se todos conhecem um monte de gente mundo afora que é incomparavelmente mais rico?
Os jovens são, por natureza, mais impetuosos e menos prudentes. É nestes que esta dura realidade mais se manifesta. O modo de vida moderno impõe um afastamento das “necessidades básicas” que já é quase total. A maioria dos jovens urbanos não tem idéia de onde vêm a comida ou a roupa. Não sabe como casas ou automóveis são construídos. Ignora completamente a complexa cadeia de produção que permite a ele dispor de seu smartphone e seus milhares de apps. Tudo isso é dado como garantido, como um direito que não pode ser violado.
O resultado é uma corrida desenfreada em busca de uma superioridade qualquer, mesmo que falsa ou inútil. Não adianta ser a favor da paz e da justiça: é preciso ser “mais a favor” da paz e da justiça que os outros. Não adianta “só” defender os animais, isso qualquer um faz; é preciso lutar incansavelmente pela preservação da lagartixa-de-rabo-preto, mesmo que “lutar incansavelmente” seja apenas ter uma página no Facebook para ficar repetindo que “luta incansavelmente”. Obviamente, não basta ser a favor ou contra um político: é preciso ser mais estridente, mais fanático, mais radical que qualquer um. É preciso se destacar, mesmo que esta tentativa de “ser diferente” resulte em ser igual à todo mundo.
Quando um jovem se manifesta radicalmente contra ou a favor de alguma coisa, o que sua mente está buscando não é aquela coisa. O objetivo é quase sempre satisfazer sua necessidade de auto-estima. É preciso fingir que se é relevante, que no meio dos 500 milhões de tweets que são postados todos os dias, os seus farão a diferença e levarão a humanidade para o rumo certo.
Ter uma casa, uma família e um grupo de amigos, ser aceito e querido na sua comunidade, ter um ofício que proporcione um vida segura, tudo isso que traria uma enorme satisfação a qualquer pessoa que tenha vivido entre o surgimento do homo sapiens e o final do século XX, não vale mais nada neste louco século XXI. Como encontrar satisfação com o pouco, se a cada instante estamos em contato com o muito, seja o salário do Neymar, a fama da Lady Gaga, a “importância” do Justin Bieber e seus 100 milhões de seguidores? Como ter satisfação em conseguir algo que quase todo mundo consegue?