ROQUE NUNES – AI, QUE PREGUIÇA!

Aquela cidadezinha já se acostumara com aquele bom velhinho. Uns o chamavam de asceta, outros, de santo, outros de filósofo, e outros, aqueles mais gozadores, pouquinha coisa, o chamavam de maganão. Mas isso são fofocas do povo. Eu, particularmente nunca acreditei nessas bobagens, nem quando o autor desta história me contou. Na verdade, quase engoli o charuto que pitava, quando soube o que ocorreu.

Acontece que, aquela cidadezinha, mais xucra que cavalo redomão, mais arrepiado que lobisomem picado por jararaca, tinha as suas turras, as suas manias. Mas, era inegável. Uma bela potência açucareira. Coisa de encher dez composições de trem, e ainda faltar espaço nos armazéns da cidade.

E aquele velhinho… chegara há mais de cinquenta anos… ainda moço, rijo, na força de sua juventude. Um dia desapareceu de casa… quando o viram estava transformado. Deitava sabedoria, conselhos e lições de vida. Era um devoto da verdade, custasse o que custasse. Uns, mais instruídos, viam naquele homem a sabedoria de um Agostinho de Hipona, ou de um Tomás de Aquino. Outros viam um novo Epicuro, ou, quem sabe, até mesmo um Paracelso.

Não tinha vícios, não acumulava nada, não brigava por ter o que quer que fosse. Vivia do que lhe davam e sempre agradecia com um sorriso meigo e benfazejo. Quando lhe perguntavam algo, suspirava profundamente, olhava para o horizonte e dava uma lição de vida ao consulente.

– Vovô, como eu faço para ser feliz? “A felicidade, o que todos nós buscamos, até o último minuto de vida é um dom, mas um dom para quem sabe encontrá-lo. Muitos o buscam em casa, carro, dinheiro, festas, e esquecem que a felicidade não é um ponto de chegada, mas uma caminhada. Não encontramos a felicidade. Andamos com ela. Precisamos vê-la ao nosso lado. É no andar, no caminhar, e no viver que a encontramos. Tentar encontrar a felicidade como um fim em si mesmo é perda de tempo”.

E assim ia, ensinando, instruindo. Até que, em um período de extrema seca, quando até os animais começaram a se mudar, o palheiro das enormes plantações de cana daquela cidade começou a pegar fogo. Uma chama dantesca, incontrolável. Aquela boca vermelha, faminta, tragando tudo, na mesquinharia de tudo abarcar, de tudo consumir, foi devorando, devorando. Enquanto a cidade toda, atônita, mal podia crer no que via.

Nesse momento, Xico Miúdo, também conhecido na cidade como Xicão Rola Bosta – e na me perguntem porquê – viu o velho sábio ir, vagarosamente, entrar no canavial e retirar um jabuti, no meio de todos os demais jabutis que tentavam escapar daquele inferno vermelho e voltar para seu lugar de sempre. Aquilo chamou a atenção do manguaça do Xicão. Parou e tascou.

-Mas, seu sábio – acho que ele não conhecia bem o sábio – de que adianta o senhor salvar um único jabuti, enquanto os outros morrem queimados? O sábio olhou para aquele horizonte avermelhado pelo fogo e lascou:

– Ah…. vá tomar no cu.

Moral da história: Cuide de sua vida e deixa o fogo fazer o serviço dele.

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