RODRIGO CONSTANTINO

O presidente Bolsonaro desqualificou de forma absurdamente rude uma médica que era contra a cloroquina. Ele perguntou a ela detalhes como a família do vírus, o tipo de exame para detectar a imunidade celular, e mesmo quando ela tentava responder, com calma e serenidade, o presidente a ignorava, fingia que não tinha ouvido nada e atropelava sua resposta, num típico “manterrupting”. “Você não sabe nada!”, berrou um presidente visivelmente descontrolado, para o espanto de quem acompanhava a troca. Claro que a grosseria foi tema da mídia por uma semana, com todos os jornalistas revoltados com o machismo do presidente.

O leitor está tentando puxar da memória quando foi que isso aconteceu, certo? Entendo. É que não aconteceu. Sim, Bolsonaro já deu respostas atravessadas a vários jornalistas, sem distinção entre homens e mulheres. Mas esse caso acima é hipotético. Na verdade, ele aconteceu, mas com outros personagens. Foi o senador Otto Alencar, um ortopedista que virou político há décadas, com a doutora Nise Yamaguchi, na CPI circense da Covid.

A tentativa de desqualificar uma médica que dedicou sua vida a salvar vidas foi o ponto mais abjeto desse espetáculo medonho. Silvio Navarro, editor desta revista, resumiu com perfeição numa mensagem que repercutiu muito: “Foi sem dúvida o pior dia da CPI. Mas também o dia em que o jogo sujo ali ficou ainda mais claro: a politicalha dos cangaceiros com mandato. Retrato de um velho, mal-educado e pobre Brasil que ainda existe no Senado”.

A maioria nas redes sociais ficou revoltada, indignada, enojada. Alexandre Garcia sintetizou: “A inquisição é tanta que parece que os senadores estão tratando com pessoas que recebem propina de empreiteiras, ou com alguém que desviou recursos da saúde, ou com alguém que roubou da Petrobras”. A inversão de valores chegou ao limite: vagabundos tratando gente séria como criminosos. E no caso de uma senhora, com o baita currículo que tem, mantendo a educação o tempo todo, sendo humilhada desse jeito só por apostar num tratamento possível para seus pacientes foi mesmo o ápice da canalhice.

Mas um grupo permaneceu em silêncio, um silêncio ensurdecedor. Falo das feministas. Sandra Annenberg, apresentadora do Globo Repórter, tinha comentado semanas antes: “Machismo na CPI: o senador Marcos Rogério interrompe a fala da senadora Leila Barros e ainda diz: ‘Calma, não precisa ficar nervosa’”. Isso, para ela, foi prova de machismo inaceitável. Sobre a postura dos senadores de oposição com a médica, nem uma só palavrinha. Foi como se nada tivesse acontecido.

O que esses velhacos tentaram fazer com a médica na CPI é o tipo de coisa que deveria unir todas as pessoas minimamente decentes em total repúdio, independentemente de serem de esquerda ou direita, de gostarem ou não de Bolsonaro, de defenderem ou não a cloroquina. E, de fato, teve gente que reagiu assim. É preciso fazer justiça. Foi o caso de Eduardo Jorge, médico e político de esquerda. Ele desabafou, demonstrando sensatez: “Jacobinos sedentos. Conheço dra. Nise há muito tempo. É uma oncologista experimentada. Neste caso da pandemia discordamos 100%. Tentei mudar sua opinião algumas vezes e não consegui, lamentavelmente. Não é por isso que vou deixar de tratá-la de forma civilizada”.

Mas e as feministas, aquelas que alegam lutar pelas mulheres? Afinal, eis o que vimos: homens brancos ricos heterossexuais (com uma possível exceção) demonstrando total falta de educação, grosseria tosca e desrespeito ímpar com uma senhora, que é médica, uma mulher independente e “empoderada”. Mas as feministas tomaram o lado dos agressores políticos. Diante disso, desabafei em minhas redes sociais: feminismo não é sobre mulher, mas sobre esquerdismo. A atriz Regina Duarte curtiu e comentou: “Falou e disse, Constantino. Infelizmente o movimento do final dos noventa ‘foi pro brejo’”.

E é esse o foco aqui. Sim, um movimento que defendesse o simples direito ao voto quando ele era proibido às mulheres fazia todo o sentido. Sim, lutar por igualdade de direitos sempre foi uma boa luta, justa. Mas faz tempo que o feminismo, hoje em sua terceira geração, representava isso. Hoje, infelizmente, virou um movimento radical que mais odeia homens do que ama a liberdade, e que serve de instrumento revolucionário para a esquerda. A própria bandeira de igualdade salarial, independentemente de mérito individual, é prova disso. Comparam laranja com banana, ignoram diferentes escolhas profissionais e a produtividade, para pregar remuneração equivalente para trabalhos diferentes. Usam estatísticas de forma deliberadamente deturpada. Querem o socialismo, não direitos iguais.

Quando vazou áudio do ex-presidente Lula conversando com a então presidente Dilma, em que Lula se mostra totalmente grosseiro com as mulheres do seu próprio partido, as feministas se calaram. Quando a ex-mulher de Marcelo Freixo, do Psol, acusou o deputado de agressão, as feministas fingiram que nada tinha acontecido. As feministas de hoje, cada vez mais histéricas e ressentidas, adotam um escancarado duplo padrão, tudo para blindar companheiros esquerdistas e demonizar qualquer um à direita. Inclusive mulheres!

Afinal, as mulheres “empoderadas”, mas conservadoras, jamais são enaltecidas ou mesmo respeitadas pelas feministas. Thatcher é um exemplo clássico, e ela mesma não creditava ao feminismo nenhuma conquista sua — ela que foi primeira-ministra por tanto tempo e com tanto sucesso num ambiente predominantemente masculino. Mulheres que exercem sua liberdade de escolha e preferem focar a maternidade também não são respeitadas pelas feministas, que dizem defender a liberdade de escolha da mulher.

A dra. Nise pode estar certa ou pode estar errada sobre a cloroquina, mas isso nem deveria importar aqui. Uma médica com extenso currículo e uma vida dedicada a cuidar dos outros foi tratada como um lixo por políticos, e na imprensa vimos vários comentaristas ou se calando ou aplaudindo esses senadores! Tudo porque agir assim serve ao interesse político de desgastar o presidente Bolsonaro, por parte de quem politizou até um remédio nessa pandemia.

Vera Magalhães, da TV Cultura (bancada pelo governo Doria), falou sobre o “risco de dar palco para negacionistas”, desqualificando a médica. Guilherme Macalossi, da Band, chamou o que o senador Otto Alencar fez de “descredenciar como técnica” a doutora, “expondo seu desconhecimento sobre o ramo da infectologia”. Ele concluiu: “E fez bem”. Isso nem sequer é correto do ponto de vista dos fatos, uma vez que a doutora respondeu corretamente às perguntas, e o senador é que fingiu não entender. Esse foi o tom geral em nossa imprensa: aplausos para o show de horrores propiciado pela oposição na CPI.

Filipe G. Martins, assessor da Presidência, apontou para a inversão nesse caso de quem demonstrou conhecimento e quem decorou sem entender o que dizia: “Otto Alencar disse que a covid-19 pertence à família betacoronavírus, que na realidade é só um dos gêneros de uma das subfamílias da Coronaviridae. A dra. Nise disse que pertence à família Coronaviridae. Ela estava certa. Ele falou bobagem. Mas o aplaudido pela mídia foi ele”. Coube ao Filipe a melhor conclusão também do que se passou ali: “Nenhuma sociedade minimamente civilizada admitiria que uma senhora de 62 anos de idade, que dedicou mais de 40 anos de sua vida à ciência e à saúde do próximo, fosse tratada com tamanho desrespeito e grosseria numa sessão parlamentar para a qual ela foi CONVIDADA”.

Mas as feministas nem se importaram. Não era uma esquerdista como vítima nem um direitista como algoz, então é como se nem tivesse acontecido…

4 pensou em “NÃO É SOBRE MULHERES

  1. São senadores com extensa folha corrida procurando palco para escamotear suas rapinagens ao Estado.
    Se fosse noutro país já estariam nas grades, mas aqui os sinistros do STF protege diuturnamente estes bandidos.
    Até o André do Rap se deu bem com o narco aurélio.

  2. Ele aborda bem o ” universo ” das feministas e ” grande ” imprensa .
    A senadora Simone Tebet numa das sessões chegou ,bufando , espumando , explodindo de raiva , porque segundo ela o ex-ministro do exterior teria ofendido a senadora Katia Abreu, o que não aconteceu ( perguntaram ao ex-ministro se ele se desculpava com a senadora pelo que tinha anteriormente , ele disse que não e que o caso estava sob julgamento ).
    Simone Tebet esbravejou , falou de ataques machistas a uma senadora por quem ela e todo senado tinham o maior respeito , e quando a dra. Mayra foi destratada , não fez nenhuma aparição e nenhuma reclamação . Repetiram a dose , de forma mais agressiva com a dra. Nise e mais uma vez ela se calou e não só ela como toda a bancada feminina que ela representa.
    Quanto a imprensa , é só pegar o que disse Amanda Klein sobre o episódio ” ….o senador foi deselegante “

  3. Ah , esqueci .
    Em Brasília , os médicos fizeram um protesto contra a forma que estavam sendo tratados na CPI , , e como disse Alexandre Garcia onde vi noticia sobre : ” se você vê a ” grande imprensa ” não viu falar deste protesto ” . E , segundo Alexandre Garcia , eles foram expulsos pela polícia do senado , ” cordialmente “.

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