Pindorama, ano 468 d. S (depois de Sardinha) e ano 001 DdC (Depois de Clezão), peguei-se-me a refletir sobre um fato assucedido na casa de meu grande amigo Marcelo Cestari e o modo como a vida é uma repetição enfadonha das mesmas coisas e dos mesmos acontecimentos, com nós, curibocas, bororos e caetés soltando fogos e enchendo a cara todas as vezes que esse insignificante pedregulho que chamamos de lar, dá uma volta em torno de sua insignificante estrela a cada 365 dias.
Estávamos a assistir um filme chamado Sissy, que conta a história da princesa Elizabeth da Baviera, e Imperatriz da Áustria. É uma trilogia boa, mesclando drama, romance, história e humor, demonstrando como casamentos reais, alianças políticas e interesses coloniais criaram o palco para a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Fotografia bela, enquadramento bem feito e um leve toque de humor que desanuvia o clima pesado do desenrolar da história europeia do século XIX.
Em uma determinada cena, as personagens se deleitam em um banquete com vários pratos, iguarias refinadas, servidos por um magote de criados e serviçais que se revezam no atendimento e satisfação dos desejos da nobreza europeia. Olhando aquilo meu amigo fez um comentário sobre o luxo, o fausto, a riqueza daquela refeição. Em resposta a ele disse: e o que difere de hoje? Apenas se trocou nome do regime, criou-se a fantasia do poder que emana do povo, mas tudo continua da mesma forma.
A nobreza hereditária de outrora foi trocada pelos plebeus eleitos de hoje. Os ditos mandatários do suposto poder popular continuam comendo à mesma mesa, com o mesmo luxo, com a mesma riqueza, com os mesmos serviçais, enquanto a malta continua a catar as migalhas que caem de suas mesas.
Trocou-se o pronome de tratamento de Alteza e Majestade, por Excelência, porém a dinâmica da relação de poder continua sendo a mesma, principalmente abaixo do Rio Grande, em que o conceito de riqueza só se estabelece se estiver rodeado de pobreza e miséria. À diferença dos Estados Unidos, Canadá e Europa, abaixo do Trópico de Câncer, com raras exceções, o conceito de riqueza só subsiste em meio à pobreza extrema e à miséria, com a máxima do “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Pindorama é um exemplo clássico dessa máxima em que se substituiu o regime monárquico pelo republicano, mas não se mudou a dinâmica de privilégios monárquicos pelo igualitarismo democrático. Lembro-se-me do presomente subindo a rampa do Planalto ao lado de um índio, de um deficiente físico e de uma catadora de materiais recicláveis. Essa moça, logo depois declarou que em 2003, quando o descondenado subiu pela primeira vez aquela rampa, era catadora de recicláveis. Vinte anos depois continua na mesma condição e sem esperança de sair da mesma.
São vários exemplos dessa configuração que reflete o privilégio de classes e o conceito enviesado de riqueza a partir da distribuição igualitária da pobreza e da miséria. Em uma mesma cidade, de qualquer quadrante desta nação, pode-se ver exemplos claros dessa visão enviesada. São ilhas de prosperidade, de luxo e de privilégios cercadas de miséria e indigência por todos os lados.
A riqueza em Pindorama calha bem ao conceito de ilha, retirada da geografia física, assim como calha bem aos mesmos padrões da nobreza europeia do século retrasado, com seus esbanjamentos, luxos e riquezas. Pindorama é excludente, é patética, é insignificante no contexto local e mundial, mas é extremamente eficaz em produzir miséria.
Acostumamo-nos a viver de migalhas, de supostos favores e benesses estatais que não são grátis. Custam caro, e muito caro. Em 2023 d. C. superamos a marca de três trilhões de reais em impostos arrecadados, produziu-se um déficit federal, sem contar os estaduais e municipais de 137 bilhões, e nada se viu de concreto para assegurar o crescimento sustentável do país. O que se viu e se vê é uma estrutura balofa, faminta por dinheiro do contribuinte e que quer mais. Superamos o rei Salomão e o rei João Sem-Terra na fome de atarrachar mais impostos nos chifres do pagador, porém, desses impostos quase nada volta para o pagador, mas vemos nossa nobreza de fancaria se refestelar no fruto desse dinheiro.
Então, volto à pergunta de início e que fiz ao meu amigo: que diferença há entre aquela ilusão do cinema, mas que retratava a realidade da época e a realidade de Pindorama? O drama de Marx está se repetindo como uma farsa grotesca, impiedosa e destrutiva. Se no ancient regime a imobilidade social se dava pela natureza do nascimento, sem possibilidade de ascensão social – ideologia destruída pelo protestantismo calvinista -, em Pindorama a imobilidade ascendente é estruturada e pensada ideologicamente para riqueza só seja concretizada se estiver rodeada de miséria, pedintes e esmoleres estatais.
É dessa forma que se destrói uma nação.
Roque, interessante a contextualização. Pindorama tem passado e muito pouco futuro. Não há indícios de que o poder concentrado nas mãos de pessoas equivocadas, e comprometidas com corruptos, atuem para beneficiar a sociedade. Tenho convicção de que precisaremos de, no mínimo, 100 anos para mudar a configuração do STF, mas para que isso seja um benefício, seria preciso termos pessoas competitivas disputando a eleição. Recentemente vi parte do discurso de pose de Bolsonaro e lá ele disse que o país estava diante da oportunidade de mudar, de alijar o socialismo. No meu entender, perdeu-se essa oportunidade porque ele trocou a visão de longo prazo pelo imediatismo.
Concordo contigo Maurício. Sempre disse que Bolsonaro foi muito boquirroto e pouco pragmático. Mas em termos de tempo, cem anos é pouco.
Victor Civita, dono da Abril, costumava escrever na última página da Veja na última edição do ano. Em uma dessas, creio que lá por 1996/97, ele disse: “O Brasil precisa começar logo a trabalhar para salvar o século 22, porque o século 21 já está perdido.” e explicou: “a cultura de um povo não se muda ao longo de alguns anos, mas sim ao longo de algumas gerações.”
Parabéns nobre Roque, texto primoroso.
Roque Nunes escreve um artigo que faz toda a diferença. Precisamos de um primeiro ministro que possa ser demitido na primeira falha e não um mandatário populista que se eterniza no poder.
Esquece Flávio. Não temos massa cinzenta para isso não. Pindorama já nasceu fracassada. O melhor caminho para se livrar desse fardo é o caminho do aeroporto internacional.
A bem da verdade eu sofro desse mesmo pessimismo.
O remédio é jogar dominó, Roque, como se não houvesse universo além da mesa onde deitamos as pedras.
Ah Jesus, saudades do tempo que eu era bom no dominó. Só batia de garbão….hoje sou apenas mágoas de ver tanta gente boa, como o sargento Cunha ser morto e tantos bandidos, federais, estaduais e municipais rindo de nossa cara. Desanimado com esta nação de pessoas pusilânimes.